Nem tudo é culpa de Trump
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Data: 03/02/2025
| Autor(a): Professora Suzana Kahn, diretora da Coppe/UFRJ
Muitos responsáveis por decisões que seriam tomadas por diferentes setores da sociedade usam o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como justificativa — simplificação de questões extremamente complexas. A saída dos bancos Citigroup, Morgan Stanley e Bank of America da Aliança Net-Zero é um dos mais recentes exemplos que ilustram essa prática.
O tempo para atingir a meta de zerar as emissões se reduz rapidamente, apesar da aceleração dos investimentos em transição energética, e isso já vinha sendo percebido há alguns anos. Para chegarmos a um sistema energético mundial neutro em carbono, além de o montante de investimentos adicionais necessários ser muito elevado, novas tecnologias precisarão se tornar competitivas e comerciais, e muitas ainda estão em escala de laboratório.
Outro ponto a considerar é o aumento do custo de produção. Ao atribuir um preço ao carbono, corre-se o risco de ir de encontro a uma transição justa, onerando mais as regiões e populações menos favorecidas, além de canalizar recursos que precisam ser urgentemente destinados a medidas de adaptação em países que já sofrem com os efeitos danosos das mudanças climáticas.
Considerando que, em 2050, a população deverá chegar a 9 bilhões, com 70% morando em cidades, algumas das quais ainda nem existem, se torna evidente o expressivo aumento de demanda por energia e por infraestrutura urbana, fazendo com que o setor de pavimentos e construção civil cresça consideravelmente, emitindo ainda mais carbono.
Apesar de o mundo viver cenário alarmante por causa das mudanças climáticas, consequência das ações humanas, não há solução a médio prazo que não implique perdas consideráveis para a economia mundial, sobretudo para os países em desenvolvimento. Escolhas difíceis serão necessárias na tentativa de buscar justiça climática, mas precisam ser debatidas com transparência e honestidade.
A saída recente de alguns bancos da Aliança Net-Zero é devida a outras razões, e não pressões políticas, como tem sido divulgado. Simplesmente não será possível atingir a neutralidade em 2050, uma vez que a demanda por combustível fóssil continua crescente, não apenas por causa do aumento de necessidade de energia mundial, mas também por não haver ainda substitutos maduros para essas fontes de energia e de matéria-prima.
Muito se tem feito e deve ser estimulado na busca da reduzir emissões, mas sempre ponderando o custo que isso implica para a sociedade como um todo. Setores como aviação, transporte marítimo e indústrias pesadas, chamados hard to abate, não dispõem ainda de tecnologias comerciais que usem outro tipo de fonte de energia. Também é preciso levar em consideração que existe uma base de ativos que ainda estará em sua vida útil em 2050, sobretudo nos países emergentes, e promover um retrofit em suas infraestruturas traria um custo elevado para suas economias, o que não seria justo.
Não se trata meramente de vontade política, mas de decisões extremamente difíceis, com significativo ônus para as economias dos países menos desenvolvidos, penalizados seja por causa dos impactos do aumento da temperatura, seja por causa do aumento do custo de uma economia neutra em carbono.
Devemos entender o posicionamento histriônico e negacionista do presidente Trump como consequência perigosa de escolhas realizadas, e não causa.
Artigo publicado no jornal O Globo em 26 de janeiro de 2025.
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