/A Água como um Bem de Valor Econômico
A poluição dos rios é um dos impostos mais injustos que o cidadão brasileiro paga. Indústrias, empresas de saneamento, atividades agrícolas devolvem aos cursos d'água seus efluentes quase sempre em condições piores que as da água que foi captada no rio. A ausência ou ineficiência de tratamento das águas servidas é a causa do comprometimento da quase totalidade dos rios, baías, córregos e canais que drenam ou recebem as contribuições de áreas urbanas, agrícolas e industriais em todo o território nacional.
O uso dos cursos d'água para a diluição de efluentes não traz, ao menos diretamente, nenhum custo adicional ao poluidor. No entanto, a sociedade como um todo absorve esse custo quando paga a tarifa do serviço de abastecimento de água, pois nela estão embutidos os gastos adicionais com tratamento para torná-la potável; quando convive com níveis críticos de mortalidade infantil e doenças de veiculação hídrica relacionadas às péssimas condições de saneamento; quando perde qualidade de vida devido à degradação do meio ambiente, dentre outros malefícios ocasionados pela poluição das águas. Por todos esses fatores é o mais injusto dos impostos, transferindo para a sociedade o ônus das deseconomias provocadas pela degradação ambiental.
Perde também o Poder Público pela vultosa quantia destinada ao sistema de saúde, consumindo recursos com enfermidades que poderiam ser reduzidas ou até mesmo erradicadas com o controle da poluição e o saneamento ambiental. Estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) indicam que o Sistema Único de Saúde (SUS) consome cerca de US$ 390 milhões por ano com doenças de veiculação hídrica relacionadas às carências de saneamento básico. Perde também pela necessidade de realizar pesados investimentos na recuperação de sistemas hídricos, já em elevado estágio de degradabilidade, dentre outros exemplos que poderiam ser utilizados para demonstrar a redundância do problema.
O fato novo que nos traz uma perspectiva de reversão desse cenário é a recente definição de uma nova Política Nacional de Recursos Hídricos, consubstanciada na Lei 9.433, sancionada pelo Presidente da República em 8 de janeiro de 1997. A nova lei cria as bases legais e institucionais para uma gestão descentralizada e democrática dos recursos hídricos ao estabelecer que a bacia hidrográfica é uma unidade territorial de gestão e que esta se dará a partir da constituição de comitês formados por usuários e representantes do Poder Público. Foram definidos na lei cinco instrumentos essenciais à gestão dos recursos hídricos, dentre eles um dos mais auspicioso é a cobrança pelo uso da água, onde está implícito o princípio usuário poluidor/pagador. Este instrumento representa um avanço introduzido pela nova Política Nacional de Recursos Hídricos em relação ao antigo Código de Águas, em vigor desde 1958, quando define a água como um recurso natural limitado, vulnerável e, portanto, dotado de valor econômico. A cobrança pelo uso da água se trata portanto de uma mudança que poderá contribuir para uma maior racionalidade no uso dos recursos hídricos.
Na situação atual, uma vez que a nova lei ainda está em fase de regulamentação, o único instrumento disponível para conter o acelerado processo de degradação dos corpos hídricos é o sistema do tipo comando e controle, a cargo dos órgãos ambientais. Esse sistema funciona à base da punição daqueles agentes que violarem determinados parâmetros de emissão de poluentes ao curso d'água. A crítica a esse sistema é que não vem tendo êxito em controlar eficazmente a poluição nas bacias brasileiras. Em geral, funciona à base da denúncia de quem se sente de alguma forma prejudicado com a poluição ou quando ocorrem acidentes de grandes proporções que mobilizam a opinião pública.
Com a nova lei de recursos hídricos o poluidor terá que pagar pelas externalidades provocadas pela emissão de efluentes. Essa tarifa necessariamente terá que ser progressiva em relação à quantidade e tipologia das substâncias poluentes, o que não quer dizer que o poluidor fique isento das penalidades imputadas pelos mecanismos legais existentes se forem desrespeitados os limites de emissão autorizados pelos órgãos ambientais. O novo mecanismo, juntamente com as penalidades tradicionais, forçará a entidade poluidora a investir em sistemas de tratamento de modo a não inviabilizar economicamente seu empreendimento.
Ficará a cargo da Agência de Águas, braço executivo dos Comitês de Bacia, o monitoramento e cobrança pelo uso da água, onde se inclui a diluição de efluentes. Da cobrança pela captação, consumo e diluição de efluentes será constituído um fundo, de onde virão os recursos necessários ao funcionamento do sistema de gestão e, parcialmente, aos investimentos direcionados à melhoria das condições ambientais da bacia, mais particularmente, de seus recursos hídricos.
*Biólogo e coordenador adjunto do Programa de Investimentos do rio Paraíba do Sul - Convênio Serla / COPPE/ UFRJ.