/A crise da aviação civil brasileira
A indústria de aviação civil brasileira passa por turbulências. Várias dúvidas giram em torno da real necessidade de proteção de mercado, em oposição à tendência de globalização. Estas discussões são importantes e é relevante conhecer um pouco sobre o setor.
O mercado mundial é diferente dos mercados domésticos. O mercado internacional de aviação civil trabalha com acordos bilaterais feitos pelos governos das nações. A autorização de pouso de uma bandeira não nacional é concedida através destes acordos. Os governos consideram essa indústria como estratégica. Segurança nacional e administração do espaço aéreo são questões públicas.
Nos mercados domésticos atuam exclusivamente empresas nacionais. Cada país tem um desenho próprio. O mercado doméstico americano é o mais livre em termos de concessão de rotas, liberdade de fixação de preços e para novos entrantes. As empresas são de capital privado. O mercado europeu, relativamente liberal, ainda mantém empresas de capital público, como a Air France. Outros mercados continuam inteiramente administrados pelos governos, com empresas públicas e/ou privadas.
O mercado brasileiro foi estimulado e organizado pelo governo, através do Departamento de Aviação Civil (DAC) do Ministério da Aeronáutica, a partir dos anos 60. Antes era pulverizado, não regular e sem atender a todas as regiões. Para corrigir estes defeitos houve a distribuição de concessões, para empresas que quisessem operar, e a divisão do mercado doméstico.
Durante a década de 80, com a crise econômica, as empresas sofreram graves problemas financeiros. Houve o congelamento de tarifas a um valor abaixo do mínimo operacional. No entanto, as empresas, como concessionárias, eram obrigadas a voar. Os prejuízos foram sendo acumulados. No final de 1991 foram feitos os primeiros reajustes que significaram a flexibilização de preço, com a adoção do conceito de banda tarifária, e a eliminação de barreiras a entrada de novas empresas no mercado interno.
A estabilização da moeda nacional, em 1994, trouxe a possibilidade de reversão desta tendência. Por um lado, estimulou a demanda e, por outro, houve a valorização da moeda frente ao dólar. As empresas, neste ano, tiveram lucros que há muito tempo não realizavam. Mas este cenário econômico favorável não persistiu. O consumo caiu, voltando a patamares mais ou menos anteriores e a moeda perdeu valor, apesar de relativamente estável.
As empresas já vinham pleiteando um ressarcimento do governo pelos prejuízos históricos. Apesar delas terem causa ganha no poder judiciário, o executivo não fez o pagamento devido. Não conseguindo os recursos para se reequilibrarem financeiramente, tiveram que enfrentar o novo ambiente de inflação baixa, crescimento econômico lento, variação cambial desfavorável e juros altos. Sendo intensiva em capital e tecnologia, esta indústria permanece em desvantagem competitiva.
Em 1998, dá-se o início a uma ampla liberação do mercado doméstico brasileiro, tendo em vista um provável desejo social de livre competição. As tarifas caíram pois as empresas queriam atrair o consumidor e conseqüentemente ganhar mercado. Numa economia retraída não aconteceu aumento de venda que compensasse a queda de preço e as empresas acumularam novos prejuízos.
Em 1999 houve uma maxi desvalorização da moeda nacional e as empresas aéreas sofreram prejuízos substanciais, pois tinham e continuam tendo contratos atrelados ao dólar.
Em 2001, com o ataque terrorista ao World Trade Center em Nova York e ao Pentágono em Washington, USA a indústria de aviação civil mundial retraiu demasiadamente pela preocupação do consumidor com segurança.
As conseqüências destes eventos foram relevantes e substanciais para a indústria de transporte regular doméstico do Brasil. No final da década de 90 houve a falência da Transbrasil, a Vasp, em 2005, perdeu a autorização para voar e a Varig está no mesmo caminho das duas outras. Sua sobrevivência, e de qualquer outra empresa na mesma situação, deveria estar atrelada a possibilidade de reestruturação tendo em vista o profissionalismo e a competência.
A Tam aproveitou a abertura do mercado e passou de empresa regional para doméstica. Sofreu em parte com os eventos pois não participou do congelamento de preços. Por volta de 99 surge a empresa Gol. A Tam e a Gol são as empresas que atualmente estão em melhor condição para atuar no mercado doméstico brasileiro, mas estão sujeitas a regras diferentes. Hoje o DAC tem um procedimento liberal quando comparado ao passado. As empresas podem fixar preços e escolherem rotas. É possível encontrar preços de passagens atrativos, no entanto, o serviço piorou sobremaneira. Freqüentemente ouvimos relatos de passageiros, que apesar de terem bilhete com data e hora de vôo, ficaram sem atendimento e não voaram. Outros reclamam de rotas alteradas. Estes procedimentos não atendem as necessidades dos consumidores. A regulamentação que havia no passado, nesta área, tornava o serviço para o cliente menos errante. Houve, portanto, uma deterioração no setor.
Hoje as empresas continuam precisando de recursos para acompanhar o desenvolvimento tecnológico da informação e de equipamento, viabilizar novas rotas e continuar atendendo as atuais. Sabendo que esta possibilidade é discutível, muitas pessoas têm a crença de que o setor deveria ser completamente aberto a livre competição.
A questão é como serão garantidos a qualidade do serviço, a manutenção das aeronaves, a soberania, a segurança nacional e o atendimento de locais e populações mais remotos? Não seria esta a atuação do governo no setor? Aquele agente que equaciona a integração nacional e cuida do espaço aéreo.
Para tanto o governo não precisa injetar recursos e nem participar da gestão das empresas. As que permanecerem no mercado devem ter competência administrativa e gerencial para fazê-lo. Seria importante, somente, que o governo exercesse seu papel regulador dando liberdade operacional para as companhias, mas ao mesmo tempo pensasse no interesse público. Isto não significa ser protecionista, mas ser conseqüente em suas ações.
* Pesquisadora do Programa de Engenharia de Produção da COPPE / UFRJ