/A guerra é contra ou a favor do vírus?
A despeito de nove militares no primeiro escalão do governo, as operações de combate ao inimigo, no caso o vírus Sars-CoV-2, vão muito mal. O lema do general ministro da Saúde — um manda (o presidente), outro (ele) obedece — tem se mostrado um verdadeiro fiasco em termos de estratégia e ação no combate à Covid-19. É bem verdade que o “chefe das Forças Armadas”, que é o presidente da República, não ajuda; ao contrário, atrapalha a ponto de parecer estar do lado do vírus, não da população.
Bolsonaro tem atitudes totalmente incompatíveis com o cargo que ocupa, de chefe da nação. Promove exibições de cunho populista que lembram o fascista Mussolini, cujas atitudes beiravam o ridículo. Num período tão difícil para a população, se exibe cavalgando em frente ao palácio; mergulhando e nadando escoltado numa praia, indo ao encontro de adeptos sem máscara, apertando mãos, enfim desobedecendo às normas de combate à própria pandemia. Além de frases descabidas trivializando a Covid-19, o presidente nega evidências científicas, exalta o uso de cloroquina no tratamento da doença, mesmo depois de pesquisadores confirmarem a ausência de seus benefícios e de médicos alertarem para seus efeitos colaterais.
O único argumento a favor da nomeação de um general de divisão do Exército para ministro da Saúde era ser ele oriundo do Serviço de Intendência, que tem funções logísticas. E isso não é pouca coisa. Há um ramo da matemática aplicada, a pesquisa operacional, cuja origem está na Segunda Guerra Mundial, dada a complexidade do suprimento para as tropas que frequentemente se deslocam no terreno para enfrentar o inimigo.
No caso das vacinas, além de o Brasil ser referência mundial em campanhas de vacinação, sua logística é menos complexa que nesse tipo de operação militar: os locais de aplicação são fixos, o suprimento a ser distribuído é mais simples, como insumos, frascos, seringas e agulhas, respiradores e refrigeradores, essencialmente. No entanto, até o momento, o desgoverno tem provocado um verdadeiro caos que impede o início da vacinação, apesar do crescente aumento no número de óbitos e da constante ameaça que aflige a população. Por sorte, contamos com cientistas competentes e engajados, universidades e instituições de pesquisa públicas comprometidas com o país. Um investimento acertado da sociedade brasileira.
Luiz Pinguelli Rosa é professor emérito da Coppe/UFRJ
Artigo publicado em O Globo, em 17/01/2021.