/A Lição do Acidente Nuclear de Tokaimura
O acidente com a usina de combustível nuclear para reatores rápidos experimentais, em Tokaimura no Japão, excitou a mídia sobre a questão da segurança nuclear e o risco de acidente com material radioativo. Houve um grave erro humano em colocar 16 kg de urânio físsil, com enriquecimento de aproximadamente 19% em U-235, em solução num tanque onde pela norma só poderia ter 2,4 kg. Formou-se uma massa crítica, produzindo no tanque reações em cadeia de fissão como em um reator. O acidente liberou material para o ambiente, submetendo os trabalhadores da usina ao risco de contrair câncer devido às excessivas doses de radiação.
A probabilidade de acidente em um reator nuclear térmico como os de Angra é muito menor. O risco é completamente diferente. Nele se acumulam os produtos radioativos das fissões do urânio e do plutônio, que ocorrem no interior do reator para produzir energia térmica usada para gerar eletricidade. Em um ano de funcionamento o reator produz o material radioativo equivalente ao de muitas centenas de bombas de Hiroshima, totalizando um altíssimo nível de radioatividade. O nosso problema é confinar este material no reator, evitando acidentes que o tragam ao meio ambiente, como ocorreu em Chernobyl. Embora nesse caso a tecnologia fosse diferente da usada nos reatores de Angra, do tipo PWR, o mesmo do reator do acidente de Three Miles Island, nos EUA, mas com menor contaminação externa evitada pelo prédio de contenção.
O combustível deste tipo de reator é constituído de óxido de urânio enriquecido com cerca de 3% em urânio 235, físsil. Antes de ser usado, embora radioativo, ele não apresenta grandes riscos. Sua manipulação, por exemplo, na fábrica de combustíveis de Resende não é muito perigosa. A probabilidade de acidente com liberação de radioatividade e o risco ocupacional, para os que trabalham na usina, são muito maiores no reprocessamento do combustível usado. Esta fase do ciclo do combustível nuclear, se fosse feita aqui, seria mais semelhante à usina de Tokaimura. O combustível é reprocessado para retirar dele o urânio restante com cerca de 0,9% de U235 e o plutônio produzido no reator. Mas a usina de reprocessamento não foi feita pela ex-Nuclebrás, embora estivesse prevista pelo Acordo Nuclear com a Alemanha, do qual decorrem os reatores de Angra II, a ser concluído em 2000, e Angra III, cuja construção o governo decidiu retomar agora.
Nosso esforço deve ser no sentido de que a máxima segurança seja garantida nestes reatores. Está havendo problemas com Angra I, que interrompeu 8 vezes seu funcionamento este ano, de forma não programada, desligando-se automaticamente por ter chegado ao limite de segurança. Este número é muito alto e anômalo, tendo merecido um relatório interno severo da Eletronuclear, encaminhado à Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN. Tomando conhecimento de dados deste relatório encaminhei-os ao Ministério Público Federal no Rio, que eu vinha assessorando no caso do licenciamento de Angra II. Julguei-os preocupantes, somados aos problemas crônicos de corrosão do gerador de vapor de Angra I e das falhas, há poucos anos, do combustível alemão, que a empresa pensa reutilizar na recarga no início do próximo ano.
A despeito da inegável competência dos técnicos do setor nuclear, estes pontos exigem discussão pública. Infelizmente o governo não vê desta forma o problema e tem feito pressões contrárias à transparência dos problemas do reator para o público. O setor elétrico está passando por uma fase crítica devido a um processo de privatizações que desorganizou o setor e ignorou os aspectos técnicos. O blackout de março foi um sinal. A energia nuclear não ficou isenta desta crise, houve cortes de verbas substanciais da CNEN nos últimos anos. Faltaram suprimentos para Angra I, houve atraso na importação de peças essenciais e problemas como a dispensa de pessoal experiente. A proposta de reutilizar um combustível Siemens, que já deu problemas de excesso de radioatividade no circuito primário de Angra I, visa economizar a compra de combustível novo. Isto tem de ser cuidadosamente discutido. A energia nuclear é séria demais para ser deixada apenas com os engenheiros nucleares, como a guerra com os generais. O acidente de Tokaimura deve ser uma lição para o governo dar mais atenção a estes problemas, que estão atualmente sendo examinados por um grupo técnico convocado pela Procuradoria Geral da República do Rio.
*Professor do Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ