/A opção pela ousadia

Data: 
04/04/2009
Autor: 
Richard Stephan e Eduardo G. David

Recentemente a Ministra Dilma Rousseff anunciou o interesse do governo em criar uma empresa para gerenciar a tecnologia dos trens de alta velocidade, demonstrando que o governo brasileiro está ciente da importância do assunto para o país.O governo brasileiro está prestes a tomar uma decisão que não escapará do crivo do julgamento histórico: a ligação Rio - São Paulo. 

Se o estudo que vem sendo conduzido apontar para a solução dada por trens de velocidade superior a 300 km/h, esbarraremos em um conflito. 

No momento, existem duas tecnologias distintas que poderiam atender a esta demanda: a primeira representa um aperfeiçoamento do tradicional sistema ferroviário roda-trilho e tem no Shinkansen japonês (de 1964), no TGV francês e no ICE alemão (da década de 80) seus exemplos de maior sucesso. A segunda, a tecnologia de Levitação Magnética (MagLev) de alta velocidade, pesquisada há mais de 40 anos na Alemanha e Japão e há pelo menos 10 anos no Brasil, no Laboratório de Aplicações de Supercondutores da Coppe, vislumbra o futuro.

O veículo MagLev apresenta vantagens indiscutíveis: é capaz de galgar rampas de 10% de inclinação contra 4%, uma vez que a tração na tecnologia MagLev não depende da força de aderência entre roda e trilho; reduz o tempo de obra e evita elevados desembolsos na construção de extensos túneis e viadutos. Também efetua curvas com raios menores para uma mesma velocidade, simplificando mais uma vez o traçado; possui tempos de aceleração e frenagem pelo menos três vezes menores, o que permite paradas com menor comprometimento no tempo total da ligação entre as estações inicial e terminal. 

O MagLev atinge regularmente velocidades superiores a 450km/h, contra os 350 km/h de velocidade operacional dos atuais TAVs- Trens de Alta Velocidade, escravos do sistema roda-trilho comercial; consome menos energia; apresenta custo de manutenção inferior e menor impacto ambiental em termos de ruído e emissão de CO2. 

As desvantagens do MagLev são: poucos fornecedores e custo tecnológico superior ao do modelo convencional em cerca de 20%. No entanto, a tecnologia roda-trilho exige caras obras de infra-estrutura, especialmente em trechos acidentados e com bruscas variações de altitude, como acontece no Serra das Araras. 

Em momentos de decisão, é prudente relembrar exemplos históricos que possam nos ajudar a refletir. 

Há cinco anos, comemorou-se o sesquicentenário da primeira ferrovia brasileira, a Estrada de Ferro Barão de Mauá, que utilizava uma bitola de 1.676 mm, à época já erradicada na Inglaterra. Já a ferrovia D. Pedro II (EFDPII), inaugurada há 150 anos, optou pela importação de locomotivas do tipo American, que se tornaram no futuro o padrão das ferrovias. A obra transpunha a Serra dos Órgãos por simples aderência, utilizando a melhor técnica disponível e dispensando cremalheiras. A primeira, com apenas 16 km, chegou ao pé da Serra de Petrópolis e parou sem saber como vencê-la. Já a ferrovia brasileira, a EFDII, continua operando com o mesmo traçado até hoje. 

Constatamos, assim, que a EF Mauá foi uma obra limitada ao alcance de sua época, enquanto os projetistas e gerentes da EFDPII pensaram também no futuro. Esperamos que o governo brasileiro se inspire no exemplo daqueles que optaram por ousar. As gerações futuras certamente agradecerão. 

Publicado no jornal O Globo em 04/04/2009.