/Acidentes incontáveis
Em outubro, os Estados Unidos divulgaram, por meio do National Highway Traffic Safety Administration (Administração Nacional da Segurança do Tráfego Rodoviário), que 37.461 pessoas morreram em acidentes de trânsito nas estradas do país, no ano de 2016, resultando em um aumento de 2,2% em relação ao ano anterior. Vários índices foram apresentados formalmente, o que indica que, por lá, o assunto é tratado com a seriedade que merece. Há uma preocupação governamental com os acidentes e as mortes no trânsito.
No Brasil, os números são difusos. Uma das fontes mais utilizadas é a empresa responsável pelo seguro DPVAT (Seguradora Líder), que divulga as indenizações pagas anualmente em caso de mortes e acidentes. Outra fonte é o DATASUS (Departamento de Informática do SUS), mas os dados são diferentes daqueles apresentados pelo DPVAT. Não há, no Brasil, como no caso dos Estados Unidos, um número oficial, com todas as informações, índices, tipos de acidentes, etc. Também não é possível distinguir entre os acidentes ocorridos em áreas urbanas ou rurais.
O número absoluto de mortes no Brasil é menor que nos EUA, mas os índices não o são, como os de mortes por 1.000 habitantes, ou mortes por frota. Segundo o DPVAT, o número de mortes, nas estradas brasileiras, em 2014, 2015 e 1016 foram, respectivamente, 54.767; 42.501 e 33.547 (uma forte redução ao longo dos anos), com a ressalva que esta redução pode ter sido resultado do combate à fraude, que vem sendo feita pela Seguradora Líder, demonstrando que estes números de indenizações são enganosos. Segundo o DATASUS, o número de mortes, em 2015, foi de 39.543. Para desenvolver seus estudos, os pesquisadores brasileiros tentam buscarindícios de qual é o número real de mortos, feridos, tipos de acidentes, entre outros. Trabalhamos sem a certeza de que tais dados estão próximos da realidade. É difícil propor soluções sem ter a dimensãoreal do problema. Como costuma dizer um amigo, “não me preocupa quem não encontra a solução, mas quem não vê o problema”.
A Polícia Rodoviária Federal faz um excelente trabalho de levantamento dos acidentes e suas vitimas, divulgando estatísticas, mas se restringe à malha rodoviária federal.
Enquanto prevalecer a postura de que os acidentes são um mal inevitável da sociedade moderna, as perdas de vidas continuarão em níveis elevados, sem falar nos prejuízos econômicos consequentes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) elegeu a década atual como a década do “acidente zero”. Já estamos quase no final deste período e nada, ou quase nada, foi feito em termos de política pública no Brasil para tentar mudar essa situação. Embora importantes, ações isoladas como a Lei Seca não são suficientes para dar conta da complexidade que envolve o tema.
Alguma atenção é dada ao número de acidentes em períodos de feriados prolongados, datas especiais, quando comparações entre anos subsequentes indicam aumento ou diminuição de acidentes em algumas vias, principalmente rodovias federais do País.
Não há um esforço sistemático na redução de acidentes no trânsito (com a consequente redução do número de mortos, feridos e perdas econômicas). É preciso encarar de frente este problema! Assim como em outros países, o Brasil necessita urgentemente de um órgão ou departamento especializado, que analise esta questão e disponibilize dados confiáveis. É urgente criá-lo!
* Artigo publicado no jornal O Globo, na editoria Rio, em 07/12/2017