/Apenas duas tarifas de ônibus por dia

Data: 
08/03/2021
Autor: 
Rômulo Orrico - professor do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ

A crise dos transportes públicos nas cidades brasileiras era previsível. Além da baixa qualidade, o custo tem sido bancado pelas camadas médias e pobres da população. A crise se acentuou a partir de 2016, com a política de contenção de salários e a decorrente perda de poder aquisitivo dessas camadas. A pandemia agravou o problema: reduziu a demanda, diminuiu a rentabilidade e os serviços pioraram. Para completar, falta perspectiva. Temos uma política pública incoerente, traduzida por vetos governamentais a propostas técnico-profissionais.

Para surtir efeitos positivos para todos, é necessário melhorar a qualidade do serviço, reduzir a tarifa e atrair demanda para o transporte público, pois ele é que libera espaço viário, agregando valor para automobilistas, logística urbana, reduzindo tempo e custo de viagem. Algumas sugestões já são de conhecimento público: pedágio urbano, cobrança sobre aplicativos, concessão de infraestrutura, concessão de meios de pagamento, taxa empresarial, CIDE municipal, dentre outras. Há também um dardo afiado: abrir a caixa preta das empresas operadoras. São iniciativas positivas, mas não resolvem o financiamento.

Pensar e propor alternativas são desafios diários da universidade brasileira. Para viabilizar o transporte público é necessário conceber um pacto “ganha-ganha” que beneficie a todos, inclusive os não usuários do transporte público.  Consiste em elaborar e aprovar Lei Federal que autorize cidades ou áreas urbanas, acima de duzentos mil habitantes, a cobrarem o Licenciamento Especial para circulação de automóveis em valor equivalente ao de duas tarifas de ônibus por dia. Os recursos serão dispendidos por quem muito se beneficia do transporte público, ainda que dele não faça uso direto, no caso os automobilistas. Eles serão utilizados na redução das tarifas dos transportes públicos; na expansão e melhoria de sua infraestrutura e operação, e na integração entre os diversos modos.

Essas ações, que demandam comprometimento por parte de estados e municípios, são imprescindíveis para a retomada e desenvolvimento da economia e para termos serviços dignos, a custo acessível. O projeto implantado em São Paulo, em 2014 e 2015, demonstra a viabilidade técnica da cobrança por quilômetro percorrido para os serviços de aplicativos. Para os automóveis particulares é possível começar com um pagamento anual pelo direito de uso das vias.

A tecnologia joga a nosso favor. A experiência chinesa, que vai do leilão ao sorteio pelo direito de circular por alguns anos na metrópole, pode ser boa fonte de inspiração. Enfim, cabe aos dirigentes públicos iniciativa e liderança. Mas as articulações devem incluir todos os setores da sociedade para os quais os serviços de transportes públicos são imprescindíveis. Certamente, os benefícios serão muito maiores que duas tarifas de ônibus por dia.

 

* Publicado no Globo Online, na editoria Opinião, em 07/03/2021.

Data de Atualizacao: 
08/03/2021