/Blecautes são inevitáveis?
O recente blecaute que atingiu dezoito estados das regiões Sudeste e Centro-Oeste, deixando cerca de sessenta milhões sem energia elétrica, por períodos de mais de quatro horas, levantou uma série de questionamentos por parte da imprensa, e da sociedade em geral, em relação à confiabilidade do sistema elétrico brasileiro. O principal deles está contido no título deste artigo: os blecautes são inevitáveis?
Minha resposta a essa pergunta é SIM! São inevitáveis. Entretanto, não necessitam ser tão traumáticos quanto atualmente o são. Essa resposta aplica-se não apenas ao sistema brasileiro, tendo em vista que blecautes como o ocorrido aqui recentemente têm também acontecido em outros países, incluindo os desenvolvidos, com efeitos ainda mais desastrosos que os aqui sentidos.
Qual a receita para reduzir a probabilidade de ocorrência de blecautes ou minorar seus efeitos? As soluções convencionais passam pelo aumento da redundância das instalações (mais equipamentos de reserva), o que implica em elevação acentuada do custo da energia; manutenção preventiva mais rigorosa; melhoria na gestão do sistema, etc. Todas essas medidas podem produzir efeitos importantes na melhoria da confiabilidade do sistema elétrico, porém não eliminam a inevitabilidade do fenômeno.
Uma abordagem atual para o problema, também útil para melhorar o desempenho do sistema elétrico em outros aspectos, é conhecida pelo termo genérico Smart Grid (Redes Inteligentes, na tradução livre), combina duas grandes vertentes de inovação tecnológica:
- Uso intensivo de tecnologias avançadas de automação, computação e comunicações para permitir uma resposta mais rápida e eficiente a distúrbios que ofereçam risco à integridade do sistema, antecipando-se a esses distúrbios mediante esquemas de ilhamento, rejeição seletiva de cargas, etc. Essas tecnologias podem, também, reduzir o tempo de recomposição do sistema.
- Introdução em larga escala de unidades geradoras de pequeno porte, principalmente as de baixo impacto ambiental, próximas aos pontos de consumo, as quais constituem a chamada Geração Distribuída. Neste conceito inclui-se, também, a Micro-geração, a qual é uma forma de geração distribuída de pequeno porte instalada em pequenos edifícios e residências, por exemplo, através do uso de painéis fotovoltaicos.
A melhor forma de integrar geradores de médio e pequeno porte ao sistema elétrico é através das chamadas Microrredes, as quais são mini-sistemas elétricos independentes capazes de alimentar cargas locais e ainda, em determinadas situações, fornecer energia à rede.
A combinação das tecnologias descritas acima poderá reduzir bastante a probabilidade de ocorrência dos blecautes e o tempo de recomposição do sistema quando os mesmos ocorrerem, ao mesmo tempo em que as microrredes garantirão o suprimento parcial de consumidores até que o grande sistema retorne a sua condição normal de operação. Neste caso, o blecaute será quase imperceptível para grande parte dos consumidores, principalmente os mais sensíveis à falta de energia elétrica, embora continuem a ocorrer de tempos em tempos, de forma inevitável.
O que é necessário fazer para implantar a tecnologia Smart Grid no Brasil? Uma boa notícia relacionada a essa pergunta é que componentes dessa tecnologia já estão sendo implantados no país, ainda que em muitos casos não se associe as mudanças com a denominação geral. Sistemas automáticos de medição eletrônica, formas avançadas de comunicações digitais, incluído aquelas que utilizam a própria rede elétrica como elemento de transporte de informação, proposta de modificação tarifária para permitir tarifação flexível para o consumidor residencial, sistemas de medição fasorial sincronizadas, automação de subestações, etc., são alguns exemplos do trabalho em andamento. Muito mais precisa ser feito, entretanto, em termos de pesquisa, desenvolvimento, alteração da regulação, capacitação e treinamento. Principalmente, é necessário estabelecer-se um Road Map de implementação da Smart Grid no Brasil, que indique nossas necessidades imediatas e que leve em consideração as especificidades de nosso sistema.
*Professor Titular Programa de Engenharia Elétrica da COPPE/UFRJ