/COPPE e tecnologia: sucessos e desafios
“L'avenir n'est plus ce qu'il était.” Paul Valéry
Em palestra recente que marcou o início das comemorações dos 40 anos de fundação do Programa de Engenharia Química (PEQ) , o núcleo ao redor do qual nasceria e se expandiria a COPPE (Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia), recordava o Prof Waldemir Pirro’ e Longo que a tecnologia de base científica é absolutamente excludente: ela concentra inexoravelmente o poder nos níveis pessoal, institucional, e nacional. Mas, observava ele também, o desenvolvimento tecnológico pode criar vantagens comparativas que superam as tradicionais que existem entre as nações.
Identificamos na concepção e evolução da idéia COPPE um movimento amplo que visa escapar da exclusão e chegar a uma posição mais favorável para o Brasil, desde que condições políticas sejam criadas e mantidas para tal.
A industrialização brasileira já demandava profissionais de engenharia com alta competência cientifica para a política desenvolvimentista, como no caso da expansão das refinarias e na nascente petroquímica. Em março de 1963, numa iniciativa pioneira, o Prof Alberto Coimbra, provocava na Universidade brasileira nova etapa de sua modernização, com a implantação do curso de mestrado em Engenharia Química, na então Universidade do Brasil (hoje UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro). A exigência do tempo integral e dedicação exclusiva a docentes, melhor remunerados, e uma estrutura acadêmica ágil e moderna, constituíram os alicerces de uma instituição que viria a se transformar rapidamente no maior centro de pós graduação em Engenharia do Hemisfério sul.
Além de profundos impactos no desenvolvimento de novos cursos no País, incorporou uma necessária transformação cultural na pesquisa tecnológica: a ênfase nas Ciências da Engenharia, superando as limitações de um empirismo histórico.
A COPPE conta hoje com cerca de 300 docentes-doutores e 2.500 alunos-pesquisadores em 12 áreas de Engenharia, entre as convencionais e as multidisciplinares. Contabiliza este ano quase 8.000 mestres e doutores formados, ocupando os mais diversificados postos de responsabilidades em empresas, universidades e na administração pública. Desenvolveu inúmeros projetos de importância estratégica (como os de exploração marinha de petróleo em parceria com a Petrobrás), uma incubadora de empresas e dezenas de laboratórios de referência. O presidente da Republica acaba de inaugurar no Parque Tecnológico da UFRJ um tanque oceânico com gerador de ondas que tem apenas outros dois similares no mundo, e que ampliará o potencial brasileiro na engenharia de prospecção em águas profundas.
Embora o espaço deste artigo não permita enumerar seus êxitos mais importante, a evolução da instituição pode ser ilustrada a partir de um retrato atual seu Curso de origem. O PEQ já graduou quase 750 mestres e doutores . A consolidação de seus grupos de pesquisa se traduz no reconhecimento nacional e internacional de sua excelência acadêmica, mantendo conceito máximo nas avaliações periódicas feitas pela CAPES/MEC ( hoje traduzido pelo nível 7, único em sua área no País). Vários de seus docentes já conquistaram prêmios nacionais e internacionais. As contribuições ao desenvolvimento de tecnologia no Pais ocorre, além das teses, por meio dos convênios de pesquisa com empresas que atuam nas áreas química, petroquímica, de energia, agro-alimentar, bem como no controle da poluição ambiental.
Passadas 4 décadas, pode-se dizer que a COPPE (como muitas outras instituições de pesquisa científico-tecnológicas) , está cumprindo com eficiência sua missão. No entanto, mesmo com os progressos citados, há evidentes indicadores que mostram que o País, com os recursos humanos e naturais que tem à sua disposição, não atingiu ainda o desenvolvimento tecnológico necessário . As causas passam pelo sistema político-economico vigente, por razões culturais e por fatores externos. Por um lado acelerou-se no mundo o processo da inovação , e por conseguinte da exclusão tecnológica, tanto em áreas tradicionais (veja-se por exemplo a área têxtil ), quanto em estratégicas ( biotecnologia, fármacos, materiais, etc.). De outro, internamente, os incentivos a uma carreira de ensino e pesquisa em instituições publicas tornaram-se reduzidos para manter pesquisadores experientes e atrair novos talentos, incluindo-se as bolsas, de valor cada vez mais defasado. E há um contingente de cientistas e engenheiros altamente qualificados (muitos, deslocados em tempos recentes de sua função profissional original ) que ainda aguardam sua grande chance de participar criativamente de um processo de desenvolvimento nacional.
Torna-se urgente restabelecer e aprimorar de fato as condições para a consecução plena dos objetivos com os quais a COPPE e outras instituições foram criadas, visando um desenvolvimento tecnológico nacional, que colabore na solução dos prementes problemas do Pais, gerando também riqueza e emprego . O domínio do conhecimento tecnológico é apenas parte de uma complicada equação. Se o País não o transformar em inovação, e não formular e executar projetos adequados, estará perdendo oportunidades inestimáveis. Maior que a frustração de expectativas, será o desperdício dos investimentos públicos já feitos.
Sem esgotar todos, alguns dos mais sérios desafios que temos pela frente podem ser agregados em:
1) clara definição de um projeto nacional e de uma política industrial coerente;
2) valorização e mobilização dos recursos humanos de alta capacitação científico-tecnológica;
3) ampliação quantitativa e qualitativa da base científico-tecnológica (com ações direcionadas desde o ensino primário à pós-graduação), principalmente através das instituições publicas;
4) programas e recursos para ampliar a cooperação empresa-universidade, visando a inovação tecnológica e a geração de “nichos” competitivos (produtos e serviços);
5) integração e racionalização das ações em todos os níveis decisórios, com ágil gerenciamento.
Os 40 anos da COPPE não apenas remetem à comemoração do feito. Num País “novo” como o nosso, onde o efêmero é quase regra, e a memória coletiva é curta, saudar cada década de funcionamento (resistência) de uma instituição pública com reconhecidas contribuições à Nação é uma obrigação histórica, moral e estratégica: além do exemplo para as novas gerações, reafirma-se aos políticos e aos administradores a renovação do compromisso de preservar o patrimônio acumulado, e de pensar o seu futuro, em sintonia com as demandas da sociedade brasileira.
*Claudio Habert, 56, é Ph.D. em Engenharia Quimica e Professor titular da COPPE/UFRJ
Artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo, dia 5 de maio de 2003.