/Da Dinamarca ao México
A Conferência da ONU sobre a Mudança do Clima da Terra em Copenhague deixou um saldo de questões para serem resolvidas até a próxima reunião no México, em 2010. Uma delas é a recusa da China em ter inspeção internacional (MIRV, na sigla em inglês) das reduções voluntárias de emissões (NAMA) dos países em desenvolvimento. Outra é de onde virão os recursos para compensar as reduções de desmatamento (REDD) feitas pelo Brasil.
Em Copenhague, os países desenvolvidos (do Anexo I da Convenção do Clima) ameaçaram dar o calote climático: queriam extinguir o protocolo de Kioto, pois a maioria não está cumprindo as metas a que se obrigaram. Faltou na reunião uma liderança de nível global, que não foi assumida por Obama, contrariando as expectativas. Lula preencheu este vácuo. Embora sua primeira intervenção tenha sido demasiadamente técnica, mesmo tendo defendido o protocolo de Kioto, em sua segunda intervenção, não prevista, falou de improviso e arrancou aplausos calorosos, que interromperam mais de uma vez seu discurso inflamado. Protestou contra o rumo em que ia a Conferência, em direção ao fracasso que acabou ocorrendo, e responsabilizou a intransigência dos países mais ricos que não queriam abrir mão de nada. Também declarou a intenção de o Brasil ajudar com alguns recursos para adaptação dos países muito pobres, especialmente da África, aos efeitos do aquecimento global, bem como de pequenos países insulares ameaçados pela subida do nível do mar nas próximas décadas. É mais justo que transferir dinheiro ao FMI.
O que se passou entre os dois discursos tão diferentes de Lula? Ele chegou em Copenhague com o ministro Celso Amorim e ouviu de Dilma Rousseff e Carlos Minc o que se passava. Reuniu-se, também, com os governadores da Amazônia e de São Paulo. As coisas iam de mal a pior. Após dias de trabalho dos grupos e de plenárias para elaborar os documentos base para o Acordo entre os países, o governo dinamarquês colocou um substitutivo que não contemplava as preocupações dos países do chamado G77, formado pelos países em desenvolvimento, onde se incluem Brasil, África do Sul, Índia e China (designados pela nova sigla BASIC). O documento aventado pela Dinamarca representava os interesses do Japão, América do Norte, Austrália e Europa (JANE). A disputa entre JANE e BASIC coadjuvado pelo G-77 paralisou tudo. Para tentar romper o impasse, Lula encontrou-se com o primeiro ministro dinamarquês, que retirou o tal substitutivo. A plenária e os grupos voltaram a se reunir, mas o tempo era curto. Articulado com o presidente francês Sarkozy, Lula promoveu uma reunião noite adentro com um conjunto de países: os do tipo JANE, BASIC e outros do G-77, incluindo alguns da África e insulares. Entretanto, a proposta deste conjunto não foi aceita na reunião final de todos os chefes de Estado.
No entanto, seria um erro atribuir todo o mérito ao Lula, pois houve um processo de que muita gente participou, incluindo governo, ONG´s, comunidade acadêmica e empresas. O Brasil não chegou a Copenhague com as mãos abanando. Levou a posição de reduzir voluntariamente (pois não está obrigado pela Convenção do Clima) em 2020 suas emissões em até 38,9% da emissão projetada para aquele ano, que seria 2,7 Giga toneladas (Gt) de CO2 equivalente e deverão ser reduzidas a 1,7 Gt CO2 equivalente. Pelo inventário do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em 2005 o Brasil emitiu 2,2 Gt CO2 equivalente, logo em 2020 deverá emitir 22,7% a menos. Comparando, os EUA cogitam em 2020 reduzir apenas 17% a menos do que em 2005. Segundo levantamento apresentado em uma intervenção das ONG´s WWF e Greenpeace na reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, em Copenhague – da qual participaram os ministros Dilma e Minc, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo e o governador Eduardo Braga do Amazonas-, o total dos abatimentos de emissões pelos países do Anexo I é de apenas 3,15 Gt CO2 equivalente, valor muito abaixo das recomendações do IPCC para limitar o aumento da temperatura global em 2º C.
A redução proposta pelo Brasil não veio do nada, mas de um cálculo da equipe da Secretaria de Mudanças Climáticas do MMA, a cargo da professora da COPPE, Suzana Kahn Ribeiro, com a participação dos ministérios da Ciência e Tecnologia, Minas e Energia e Agricultura e de instituições federais de pesquisa - INPE, EMBRAPA e EPE - sob supervisão da Casa Civil. A decisão final foi fruto de reuniões com o Presidente da República. Uma lei aprovada agora no Congresso incorporou as metas do Plano Nacional de Mudança Climática, aprovado por decreto no fim de 2008, iniciado na gestão da ministra Marina Silva e elaborado na do ministro Minc.
É preciso se programar para o futuro. O Brasil, além de enfrentar a questão do clima, tem de eliminar a pobreza. Jacques Lambert já assinalava a existência de ‘Dois Brasis’ no seu livro muito lido na década de 60. Um Brasil é o dos ricos e da classe média, em melhores condições de vida, como nós que, hoje, usamos muitos dígitos para dar nosso endereço: da residência, do trabalho, números dos telefones fixos e celulares, e-mail, site, blog, twitter. Este País é o dos que emitem alta quantidade de CO2 per capita. O outro Brasil é o daqueles que vão desde os miseráveis, que mal têm onde morar, passando pelos pobres até os remediados. Esses emitem pouco CO2 per capita, pois não têm automóveis e alguns nem dispõem de energia elétrica em suas casas. Talvez, uma parte deles, por falta de opção, tenha sido levada a trabalhar em atividades responsáveis por emissões como o desmatamento. Ou a morar em terras tomadas de áreas florestadas. Na fronteira entre esses dois Brasis ficam os que saíram da pobreza nos últimos anos e, para alguns autores, são classificados de classe média por mero critério estatístico e não pelas condições sociais, que melhoraram muito, mas não a ponto de se tornarem grandes emissores.
*Diretor da Coppe/UFRJ e Secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Artigo publicado, dia 02/01/2010, no jornal Folha de São Paulo.