/Discurso de Luiz Pinguelli Rosa ao tomar posse na Presidência da Eletrobrás

Data: 
23/01/2003
Autor: 
Luiz Pinguelli Rosa

Exma Sra Ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, Exmo Senhores ...... Sr Presidente da Eletrobrás Altino Ventura Filho, a quem agradeço desde logo pela forma correta com que passou suas funções e elogio pela integridade pessoal e profissional.
Peço desculpas aos presentes que esperarem um discurso cartesiano sobre o setor elétrico, as privatizações, etc, pois falarei um pouco de minha experiência e de como vim parar aqui, dos reveses que sofri no percurso, das pessoas que me ajudaram neste caminho.

Em primeiro lugar registro meu sentimento indefinido de alegria e de tristeza. Alegria pelo honroso convite para participar do governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva, ao lado de quem lutei desde os tempos da resistência democrática à ditadura militar, quando fui presidente da ADUFRJ e da ANDES, e, depois, nas quatro campanhas presidenciais, como coordenador dos programas de energia e de ciência e tecnologia.

Portanto, identifico-me com o presidente Lula desde a gestação do novo sindicalismo brasileiro, cujo símbolo maior era o movimento dos metalúrgicos do ABC paulista, do qual tiveram origem a CUT e, também, o PT. Mas não me filiei ao PT por uma opção política clara de atuação prioritária na vida acadêmica e na Universidade Pública, onde passei quase toda a minha vida. Mantive esta opção até hoje.

A tristeza é por sair por algum tempo da Universidade e da COPPE, onde procurei seguir os passos de seu fundador Alberto Luiz Coimbra e de Fernando Lobo Carneiro, o iniciador dos projetos da Universidade com a Petrobrás para exploração de petróleo no mar.
Comecei na COPPE no Programa de Pós Graduação de Engenharia Nuclear, onde fiz o mestrado. Após retornar de um período de pouco mais de dois anos trabalhando em Trieste, no Centro Internacional de Física Teórica, área do conhecimento em que fiz o doutorado, participei da criação da Área Interdisciplinar de Energia, no bojo do debate sobre o Acordo Nuclear do Brasil com a Alemanha, em 1975. Foi excepcional a liberdade acadêmica e de expressão intelectual que tive na COPPE, permitindo-me exercer profissionalmente a crítica a aspectos técnicos do programa nuclear brasileiro, enquanto lecionava em cursos para os engenheiros da Nuclebrás e participava de projetos tecnológicos para o reator Angra I de Furnas. Muito depois realizei com Fernando de Souza Barros, do Instituto de Física da UFRJ, estudos que demonstraram que a perfuração denunciada em Cachimbo podia se destinar a uma explosão nuclear, o que nos valeu uma premiação da American Physical Society.

Estas críticas, infelizmente justificadas pelos fatos como hoje sabemos, foram tornadas públicas pela Sociedade Brasileira de Física, da qual fui secretário geral em dois mandatos, quando foram presidentes José Goldemberg e Mário Schemberg. O primeiro foi depois ministro, muito conhecido, e o segundo foi um dos grandes fundadores da pesquisa em física teórica no Brasil, juntamente com José Leite Lopes e Jaime Tiomno, todos eles meus professores, entre os quais destaco Plínio Sussekind Rocha por sua originalidade entre a física e a filosofia da ciência, que muito me influenciou. Todos eles foram punidos pelo AI – 5 de triste memória.

Eu próprio fui preso como tenente do Exército em meu próprio quartel na noite de 31 de março de 1964 e respondi à famosa CGI do marechal Estevão Taurino de Resende. Pedi depois demissão do Exército, quando estava no curso de Engenharia Elétrica do IME. Entrei em conflito com o comando e fui defendido pelo advogado Sobral Pinto, época em que me recolheram ao pavilhão do HCE onde ficavam os presos políticos extremamente machucados pelas torturas.

Apesar destes episódios, tenho boa memória dos meus tempos da Escola Preparatória de Cadetes e da Academia Militar das Agulhas Negras, sendo testemunha que a maioria dos militares de minha geração não participou da barbárie da repressão, feita por uma minoria de anticomunistas radicais insuflados por políticos de direita. Pecaram sim por omissão, cegos pela ideologia.

Escolhi a profissão militar, como minha irmã Marília foi para o Instituto de Educação e meu irmão Sergio, para o Colégio e a Escola Naval, aliviando o peso do nosso sustento por meus pais Dona Dalva e Seu Ávila. Morávamos no subúrbio, no Engenho de Dentro, e meu pai era um ótimo alfaiate que conversava com os fregueses sobre Getúlio e Juscelino, com esperança de o Brasil se desenvolver com justiça social, agora renovada com o governo Lula. Todos nós fizemos depois a universidade, mudamos de profissão e militamos na esquerda, cada um a seu modo, lutando para mudar o Brasil.

No mesmo caminho de esperança seguiram meus filhos adultos Luiz Fernando e Luiz Eduardo, filhos de minha ex-mulher Mariza, e tenho certeza seguirá o pequenininho, Leonardo, filho de minha companheira Suzana.

Ao sair do Exército, como me referi, fui trabalhar no reator Argonauta do Instituto de Engenharia Nuclear, no Fundão, inóspito naquele tempo, barrento quando chovia, escaldante, sem árvores, quando fazia Sol. De lá vim para o Instituto de Física da UFRJ e para a COPPE.

Afora ausências para períodos de pesquisa fora do Brasil, lecionei sempre em tempo integral e dedicação exclusiva na COPPE, de onde me afastei ao me aposentar por tempo de serviço, indo coordenar o Fórum de Ciência e Cultura, levando para trabalhar comigo o Peregrino, aqui presente. Restauramos o lindo Palácio feito por D. Pedro II, onde hoje é o campus da UFRJ na Praia Vermelha. Para isto tivemos o apoio do reitor Nelson Maculan, meu colega da COPPE.

No Fórum comecei com Drumond, Spitz, Rogério, Tolmasquim e muitos outros a debater a privatização do setor elétrico, reunindo universidades, empresas, sindicatos e governo, sendo recebidos mais de uma vez pelo presidente Itamar. Daí surgiu o Instituto Ilumina que, paradoxalmente brilhou no apagão de 2001. Discutimos também no Fórum o impeachment do presidente Collor e, ao fim, com o Betinho, Dom Mauro e Spitz, mobilizamos as empresas estatais no combate à fome e à miséria.

Após cerca de três anos no Fórum, voltei, através de concurso público, à COPPE, da qual fui eleito diretor por três mandatos não consecutivos, o último dos quais agora interrompo. Ademais, integrei no mandato anterior, como vice-diretor, a diretoria encabeçada por meu colega Segen. Com o apoio dos funcionários da administração, fizemos a COPPE funcionar para que nossos alunos e professores produzissem o que produziram, citando simbolicamente meu colega Schmal, premiado internacionalmente duas vezes em 2002.
Orgulho – me muito das realizações da COPPE neste período. O número de teses de doutorado subiu de 50 em 1993 para 169 em 2002 e o de teses de mestrado foi de 241 para 307 neste período, no qual as publicações internacionais aumentaram duas vezes e meia. Os recursos mobilizados por projetos com empresas, estatais e privadas, e por convênios com instituições nacionais e de fora do país subiram de R$ 3,5 milhões em 1993 para nada menos que R$ 76 milhões em 2002. Dois cursos da COPPE, de engenharia química e de engenharia metalúrgica e de materiais, ganharam grau 7, máximo na avaliação da CAPES, totalizando 11 cursos em 12 com avaliação entre ótima, muito boa e boa. Foram criadas novas áreas interdisciplinares.

Sempre estivemos presentes junto à sociedade esclarecendo e cooperando em temas técnicos de interesse geral, dos quais é um exemplo o racionamento de 2001, para o qual advertimos por ofício o presidente Fernando Henrique em 2000.

Instalamos uma incubadora de empresas de alta tecnologia e uma incubadora de cooperativas para geração de trabalho e renda. Esta surgiu de uma reunião que tive com o Betinho e se tornou modelo para constituir uma rede em todo o país.

Construímos com apoio da Petrobrás o Projeto I – 2000, que hoje abriga os mais modernos laboratórios, realizando estudos em cooperação com várias empresas nacionais e multinacionais. Estamos ultimando o maior tanque oceânico do mundo para testes em escala reduzida e simulações de plataformas de petróleo “off shore”, em águas profundas, a ser inaugurado em março.

Meu grupo na COPPE tem forte participação internacional nos estudos sobre emissões de gases do efeito estufa, que aquecem a atmosfera junto à superfície da Terra e podem provocar sérias mudanças climáticas. Temos colaborado com os Ministérios de Ciência e Tecnologia e de Meio Ambiente e com o Itamarati. Diversos professores da COPPE têm participado de grupos de trabalho do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas.

Meus alunos de tese, que ultimamente não pude assistir tanto quanto queria, realizam estudos inéditos sobre emissões de gases de efeito estufa por hidrelétricas, efeitos acumulados das emissões de países para o aumento da temperatura da Terra, fontes alternativas de energia, incluindo o biodiesel e a geração elétrica com biomassa, especialmente o lixo urbano e os resíduos rurais, como o bagaço da cana, pilhas a combustível, eficiência energética nas habitações, impactos de hidrelétricas em populações indígenas, riscos de acidentes nucleares, política energética e teoria do conhecimento. Agradeço a todos meus alunos que integram o Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais, fruto de um projeto da COPPE com a FAPERJ. Pretendo manter os laços de cooperação acadêmica com eles.

Tudo o que desejo é levar para a presidência da Eletrobrás este entusiasmo da COPPE para realizar coisas com eficiência e presteza.

As primeiras medidas que proporei à Diretoria serão:

1 – Criar um Grupo de Estudo no âmbito do Grupo Eletrobrás para cooperar com o Ministério de Minas e Energia, a cargo de minha amiga Dilma Rousseff, no planejamento e na reformulação do modelo do setor elétrico, dando continuidade ao trabalho que fizemos no Instituto de Cidadania, do qual participaram a própria Dilma, Tolmasquim, Ildo, Araujo, Sebastião, Joaquim, Carlos, Ivo, Agenor, Shaeffer e eu próprio. O Grupo de Estudo envolverá o CEPEL, que devemos prestigiar retomando seu papel histórico na construção de modelos e realizar previsões para o setor, além de universidades e representantes de empresas.

2- Criar uma Coordenação para Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social no âmbito do Grupo Eletrobrás, com as seguintes atribuições:

a) Cooperar no Programa de Combate à Fome e a Miséria, formulado pelo presidente Lula, em duplo sentido: (i) a inclusão social, usando os meios disponíveis a baixo custo nas empresas controladas pela Eletrobrás, como o uso de lagos de hidrelétricas para criação de peixes e de terras para plantação de alimentos ou criação de pequenos animais, como caprinos ou suínos; (ii) a inclusão elétrica universalizando a energia no Brasil, usando fontes alternativas locais onde for muito cara a extensão da rede.
b) Ouvidoria Pública para: (i) a qualidade do serviço do setor elétrico e o combate à improbidade administrativa e à ineficiência empresarial; (ii) articulação como os movimentos sociais, como o MAB, populações indígenas e quilombolas.
c) Atividades culturais e artísticas para a população em cooperação com o Ministério da Cultura.
d) Adicionar ou realçar funções das diversas Diretorias, para funcionarem com os seguintes escopos:
a) Diretoria de Engenharia e Meio Ambiente;
b) Diretoria de Projetos Especiais e Desenvolvimento Tecnológico e Industrial;
c) Diretoria de Administração e Gestão Corporativa do Grupo Eletrobrás
d) Diretoria Financeira e de Relações com o Mercado.

4 – Dar um novo caráter ao Conselho de Presidentes das Empresas Controladas pela Eletrobrás, para exercer uma coordenação efetiva do Grupo, destacando além dos pontos mencionados:

a) Eficiência empresarial incluindo lucratividade, transparência para os acionistas minoritários, atendimento do consumidor e respeito ao contribuinte; b) Planejamento e expansão setorial; c) Captação de recursos para investimentos na geração e transmissão; d) Mobilizar o Fundo Setorial de Energia Elétrica em um programa de desenvolvimento tecnológico, articulado com uma política industrial para o setor; e) Prioridade para projetos de conservação de energia, revitalizando o PROCEL, eficiência energética, co-geração e geração distribuída a gás natural nas empresas consumidoras; f) Prioridade para a área de meio ambiente, incluindo os impactos ambientais e sociais das barragens, a poluição atmosférica das termelétricas, o efeito estufa, os riscos dos reatores nucleares; g) Saneamento de empresas deficitárias para ajustar custos e receitas. As idéias para tirar tudo isto do papel fervilham e sou impaciente. Não conseguiremos fazer muito sozinhos eu e os membros da diretoria já aprovados pela ministra Dilma. Mas sinto-me fortalecido pela presença de todos vocês, das universidades e da área técnica – científica, da sociedade civil, dos movimentos social e sindical, das empresas e do governo., bem como pela confiança em nós depositadas pela ministra e pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Termino com trechos do movimento pela ética na política e do Betinho:

“Não se pode comer tranqüilo em meio à fome generalizada. Não se pode ser feliz num país onde milhões se batem no desespero do desemprego, de falta das condições mais elementares de saúde, educação, habitação e saneamento.”
“Há uma tremenda força de mudança no ar. Há um movimento poderoso, tecendo a novidade através de milhares de gestos de encontro. Há fome de humanidade entre nós...”.
“Todas as empresas públicas ou privadas, sejam grandes ou pequenas, nacionais ou multinacionais, só fazem sentido, só valem a pena, se elas contribuírem para construir um país onde todos possam ter o atendimento de suas necessidades fundamentais.” (Betinho)