/Os transportes melhorarão?

Data: 
07/10/2009
Autor: 
*Licinio da Silva Portugal

O Rio de Janeiro foi escolhido para sediar as Olimpíadas de 2016 e certamente fará uma bela festa, função da competência e da alegria de nosso povo. Mas talvez a cidade tenha que parar para que o evento se realize com êxito. Não é à toa que nas três tentativas anteriores, o ponto mais frágil relacionava-se às deficiências de transportes. Se, do muito que foi prometido, algo tivesse sido feito, atualmente teríamos que despender menos esforços para cumprir as metas.

Agora, um novo conjunto de medidas para o setor de transportes é recomendado pelos governantes para as Olimpíadas de 2016 (e em parte para a Copa de 2014). Entre as propostas submetidas ao COI, ressalta-se a construção de um anel de transporte de alta capacidade conectado ao sistema ferroviário renovado, com linhas de metrô reformadas e três novos sistemas de BRT (Bus Rapid Transit). Esse anel irá ampliar a utilização dos sistemas de transporte público (excluindo os ônibus) dos atuais 12% para até 40%. Esse sistema compõe parte importante dos US$ 5 bilhões que serão investidos no programa de transportes.

Mesmo reconhecendo as limitações da proposta, ela representa um avanço em relação à situação atual. Mas cabe questionar se, diferentemente do Pan, as promessas sairão do papel. Se novamente ocorrerão aumentos abusivos dos orçamentos originais e superfaturamento como denuncia o TCU.

A fim de dar maior credibilidade à candidatura do Rio, os governos federal, estadual e municipal concordaram em criar a Divisão de Transporte e Tráfego Olímpico (DTTO) - sob a supervisão da Autoridade Pública Olímpica (APO) - com a responsabilidade de garantir a entrega da infraestrutura de transportes. Apesar de a iniciativa ser louvável, fica a preocupação quanto ao respaldo político e técnico que a DTTO terá para cumprir a missão.

A inserção da atividade desenvolvida pela DTTO em um ambiente transparente e participativo, que fortaleça a interação com a população, será fundamental para se superar as possíveis restrições e se encontrar os recursos que garantam a implementação das medidas propostas, além de desestimular práticas escusas, que devem ser punidas quando identificadas. O plano de infraestrutura de transportes apresentado no Dossiê precisa ser mais bem detalhado através de um cronograma de desembolso que seja, ao menos, semestral. Portanto, em vez de se aguardar os anos de 2014 ou 2015 para sabermos quais obras efetivamente vingaram, torna-se necessário imediatamente especificar, para cada uma das medidas de melhoria, as etapas a serem cumpridas, os recursos necessários e as respectivas fontes, bem como as possíveis barreiras a se transpor. A cada seis (ou menos) meses, deveria ser apresentada a situação em que se encontra cada obra e divulgados as providências a serem tomadas e os possíveis ajustes no cronograma.

Se mostramos ao mundo que somos capazes de sediar uma Olimpíada, precisamos ter esse mesmo empenho para honrar o compromisso com a população que sofre cotidianamente com os transportes. Precisamos mostrar que somos capazes de implementar as transformações requeridas pela nossa gente, independentemente de Olimpíadas e motivações externas. E aproveitar a oportunidade para se construir um processo participativo, transparente, baseado no conhecimento e com respaldo técnico, que promova a integração entre as esferas de governo e as desejadas parcerias. Espera-se que com ele seja possível garantir o uso dos recursos da sociedade em sintonia com o interesse público. A construção deste processo, que deve se estender ao planejamento dos transportes de forma continuada, será outro legado das Olimpíadas. Talvez isto possa resgatar o exercício de cidadania, a crença da nossa gente de que é possível mudar e a sua capacidade de sonhar.

* Licinio da Silva Portugal é professor do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe

Artigo publicado em O Globo, na editoria Opinião, em 06/10/09.