/Especialistas defendem renovação e ajustes nas políticas de conteúdo local
As políticas de conteúdo local (PCL) têm sido alvo de calorosos debates entre críticos e defensores em todo o país. No intuito de contribuir com a discussão, a Coppe/UFRJ e o Instituto de Economia (IE/UFRJ) promoveram, dia 22 de março, o seminário Conteúdo local na indústria do Petróleo: problema ou solução. O evento, realizado no auditório da Coppe, reuniu especialistas com diferentes visões sobre o tema. Entre prós e contras, a percepção predominante entre os debatedores presentes é que elas devem ser revistas e aperfeiçoadas, porém não descartadas.
O debate, antes mais restrito aos especialistas da área, ganhou maior repercussão na sociedade, após o novo governo rever as PCL como forma de atrair investimentos para o setor. Segundo José Carlos Pinto, professor do Programa de Engenharia Química da Coppe e diretor do Parque Tecnológico da UFRJ, "as políticas de conteúdo local são inspiradas nos casos de sucesso de países como a Noruega, e mesmo os Estados Unidos. Muitas pessoas se opõem às PCL brasileiras, mas elogiam o que foi feito no norte da Europa, o que mostra a politização do debate".
De acordo com o professor, existem regras de conteúdo local no mundo todo, independentemente do continente ou do grau de desenvolvimento do país em questão. "Elas são definidas visando o impulso ao desenvolvimento tecnológico, à capacitação de recursos humanos, à geração de emprego e renda. É um debate legítimo e absolutamente necessário, tanto para as empresas quanto para a academia. Mas o que se discute são percentuais de manufaturas, se discute o quanto se faz, mas não o que se faz nem com que qualidade", critica.
"Não temos que jogar a política de conteúdo local no lixo. Temos 10 anos de uma experiência acumulada riquíssima. Se a cada crise, jogarmos fora o que foi produzido anteriormente, não chegaremos longe. Mas não se faz PCL forte se isolando do mundo. Precisamos de interação com os países desenvolvidos também", afirmou o professor Segen Estefen, do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe.
"Os chineses fizeram a PCL deles e inundaram o mundo com produtos made in China, agora estão desenvolvendo os seus próprios produtos, com a sua tecnologia, created in China. A nossa PCL está centrada no made in Brazil, não no created in Brazil. É uma política ultrapassada. É preciso mudar o paradigma", avalia o professor José Carlos Pinto.
Mudanças necessárias, preservação imprescindível
O professor Luis Eduardo Duque Dutra, da Escola de Química (EQ/UFRJ), ressalvou que o setor industrial não tem sido mais a ponta de lança da prosperidade nas economias mais avançadas e citou quatro países como exemplo. "A participação da indústria no emprego desabou de 1970 a 2009 na França, no Canadá, nos Estados Unidos e no Reino Unido. Nesses quatro países o PIB cresce mais do que a indústria. Não é mais o setor industrial que fomenta o crescimento econômico. Essa é uma tendência geral. A nova política industrial não deve se contrapor a essa mudança de paradigma e sim adaptar o país a essas transformações", avalia.
Para Dutra, a PCL precisa passar por mudanças para que dê resultados melhores. Sobretudo, a redução da burocracia, a informatização dos certificados e a transparência das informações, contudo não deve ser descartada. "Em política econômica e política industrial, a pior coisa é a mudança radical. Ela tem um custo que não é recuperável", afirma o professor.
O professor Carlos Frederico Leão Rocha, do Instituto de Economia, fez uma defesa das políticas de conteúdo local, demonstrando, com dados objetivos, que elas tiveram um impacto positivo na capacitação tecnológica das empresas do setor. "Diante do desastre que foi a política de inovação em nosso país, a PCL pode ser considerada um sucesso. A política de inovação baseada na demanda foi o instrumento mais bem sucedido dos governos Lula e Dilma em relação à inovação tecnológica", reconhece o professor.
"Mas as políticas de demanda não bastam por elas mesmas. Devem ser combinadas com políticas do lado da oferta. Deve-se pensar em um mix de instrumentos para a política industrial. Construindo esse mix, a PCL será fundamental", pondera Leão Rocha.
Exageros e equívocos
Crítico da forma como foram implementadas as PCL, o professor David Kupfer, diretor do Instituto de Economia, ressaltou que o cenário no qual foram desenhadas tais políticas era completamente diverso do atual. "Quando as reservas do pré-sal foram descobertas, o Brasil estava no limite do crescimento econômico, passando pelo ciclo exuberante das commodities, puxado pelo crescimento da China. Desse quadro não sobrou nem a moldura", alertou Kupfer.
Segundo Kupfer, o setor de petróleo - que responde, diretamente, por 4,5% do PIB e, indiretamente, por cerca de 10% - perdeu, desde 2014, 15% dos seus postos de trabalho, mais do que o dobro da média da indústria nacional. “As receitas do setor caíram 14%. No entanto, as PCL, no formato em que se encontravam não ajudariam a recuperar o setor”, avaliou.
Para Kupfer, a PCL é um instrumento de política industrial que foi utilizado em um diagnóstico equivocado e com um objetivo equivocado. “O resultado não foi o esperado, porque foi mal desenhada e mal implementada. É como se a indústria fosse responder, inexoralmente, a demanda gerada pela reserva de mercado, até emparelhar naturalmente, em competitividade, com as empresas estrangeiras. Foi utilizado o conceito de indústria nascente, no sentido de garantir a demanda para que a indústria se estabelecesse na base do "learn by doing". Isso não é viável em um setor tão complexo, sem um conjunto extenso de outros instrumentos de política industrial agindo concomitantemente. São dois objetivos incompatíveis (política industrial e política tecnológica) em um mesmo instrumento", criticou o economista.
De acordo com o professor Edmar Fagundes, também do IE/UFRJ, as regras de conteúdo local foram estabelecidas em patamares exagerados. "Não há como ter 80% de conteúdo local na produção onshore (em terra), pois não há fábricas de sondas terrestres que deem conta. Não há como a indústria local quintuplicar sua produção para atender a uma demanda que quintuplicou em 10 anos (os investimentos da Petrobras saltaram de 5 para 25 bilhões de reais em uma década)", avalia.
De acordo com Fagundes, as regras não são claras e a fiscalização das mesmas deixa a desejar. "Em 2012, o Tribunal de Contas da União constatou que a Agência Nacional do Petróleo demorou muito para fiscalizar os compromissos e usa método de aferição inadequado. Mesmo assim, já aplicou 110 multas por descumprimento de regras de CL", relatou o professor.
Inovação tecnoloógica e política industrial
A indústria do petróleo está passando por um ajuste de custos, segundo o professor Segen Estefen, e está tendo que se adaptar ao paradigma de preços baixos. Isso exige mais inovação tecnológica para que a exploração seja mais eficiente, aumentando a rentabilidade das jazidas do pré-sal. "A tendência é termos mais produção submarina e menos estruturas embarcadas. Mais sensores e robótica e menos mão de obra no local", antecipa Segen.
Na avaliação de Estefen, a despeito da necessidade de investimentos privados, o setor não prescinde do protagonismo do papel do Estado. "Não vejo nenhum país que faça política industrial a partir de suas empresas. Quem faz isso é o governo federal. Temos instrumentos para isso (BNDES, Finep, dentre outros) mas isso tem que ser coordenado pelo governo", enfatiza o professor.
O professor José Carlos Pinto lamentou a situação do Brasil nos rankings internacionais ligados à inovação e à proteção do conhecimento. No Índice Global de Inovação se encontra na 69ª posição, atrás até mesmo do Panamá, que a despeito de viver uma ótima situação econômica, é um país pequeno. No ranking de patentes, elaborado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual, o Brasil está em penúltimo lugar. "Mesmo esse péssimo resultado não reflete a produção de tecnologia nacional, pois a maior parte dessas patentes é depositada por empresas estrangeiras", acrescenta.
"Temos um preconceito atávico ao estímulo à iniciativa privada. Isso prejudica a própria academia. Na China, muita tecnologia tem surgido dessa parceria entre governo, academia e empresariado. O recurso público não é suficiente para fazer tudo", analisa o diretor do Parque Tecnológico.
Saiba mais sobre PCL
As PCL garantem uma reserva de mercado para a indústria nacional, na medida em que garantem um percentual mínimo de participação de empresas sediadas no país, nas aquisições de bens e serviços. Desde a primeira rodada de licitações, ocorrida em 1999, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) estabeleceu requisitos mínimos de conteúdo local em seus contratos de concessão com as operadoras vencedoras para investimentos realizados nas fases de exploração e desenvolvimento da produção.
Os índices de conteúdo local nas contratações de bens e serviços no setor de óleo e gás foram reduzidos em fevereiro deste ano, pelo governo federal, e essa redução vale para a 14ª rodada de leilões da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Confira nos links abaixo as apresentações dos especialistas que participaram do seminário.
Palestra do professor David Kupfer (diretor do Instituto de Economia da UFRJ)
Palestra do professor Luis Eduardo Duque Dutra (Escola de Química da UFRJ)
Palestra do professor Edmar Fagundes de Almeida (Instituto de Economia da UFRJ)
Palestra do professor Segen Estefen(Programa de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ)
Palestra do professor Carlos Frederico Leão da Rocha (Instituto de Economia da UFRJ)
- Publicado em - 28/03/2017