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/Ex-ministros propõem fórum para acompanhar políticas de CT&I

Preocupados com os cortes orçamentários drásticos e retrocessos na condução da Ciência brasileira, ex-ministros de Ciência, Tecnologia e Inovação lançaram um manifesto, dia 1º de julho, na Coppe/UFRJ, no Rio de Janeiro, e propuseram a criação de um Fórum de CT&I para o acompanhamento permanente das políticas públicas para o setor. 


No evento denominado “A Ciência brasileira em estado de alerta”, compareceram cinco dos dez ex-ministros que assinam o manifesto: Aloízio Mercadante, Celso Pansera, Clélio Campolina, Marco Antonio Raupp, e Roberto Amaral. Os ex-ministros Aldo Rebelo, José Goldemberg, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Ronaldo Sardenberg e Sérgio Machado Rezende não puderam comparecer.


No documento, os ex-ministros criticam as “recorrentes manifestações, por parte de autoridades do governo, que negam evidências científicas na definição de políticas públicas” e fazem um contundente chamado à sociedade brasileira.


Esta bandeira pelo conhecimento não tem partido e não pertence somente à comunidade científica, acadêmica e empresarial, mas deve ser levantada por toda a sociedade. A linha de continuidade é o entendimento de que o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia & Inovação constitui uma Política de Estado.”


Também defendem as universidades públicas e as empresas estatais: “desqualificar as universidades públicas que produzem mais de 90% da pesquisa brasileira e a privatização de empresas estratégicas são equívocos que podem custar caro à sociedade brasileira”.


O evento realizado no auditório da Coppe contou ainda com a presença do reitor da UFRJ, professor Roberto Leher, e o diretor da Coppe, professor Edson Watanabe, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Moreira, e o presidente da Academia Brasileira de Ciência (ABC), Luiz Davidovich.
 

Investimento público e política de Estado


Na opinião dos ex-ministros que atuaram em quatro governos diferentes, foi por meio do investimento público e de uma política de Estado que o país conseguiu, em três décadas, criar um Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. E a despeito de diferenças ideológicas e de prioridades de gestão, a política setorial era tratada como política de Estado. “Havia nos governos anteriores consenso quanto à relevância do desenvolvimento científico e tecnológico, sabíamos que uma base econômica sólida, precisava estar apoiada em um processo endógeno e dinâmico de geração de conhecimento e inovação, associado à expansão das universidades públicas e institutos federais”.
 

O ex-ministro Marco Antônio Raupp, escolhido por seus pares para ler o manifesto, alertou que o momento não é de luta pelo avanço da ciência no Brasil, e sim pela sua sobrevivência. “Mais de 90% da pesquisa em nosso país é produzida nas universidades e centros de pesquisa públicos. Ou seja, o orçamento público é fundamental”, destacou Raupp.


O diretor da Coppe, professor Edson Watanabe, advertiu para risco de perda de competitividade da indústria brasileira, justamente quando um novo acordo entre o Mercosul e a União Europeia é anunciado.


Segundo o presidente da SBPC, Ildeu Moreira, os ministros signatários representam diferentes governos, com os quais as entidades ligadas a C&T tiveram embates, “mas as divergências eram em torno de projetos de construção. Atualmente, temos de nos unir para evitar o desmonte do setor”.


No entanto, relembra Ildeu, “essa situação não é permanente. Esse governo vai passar, como os outros passaram. A situação da desindustrialização não é deles, é nossa. A situação da burocracia não é deles, é nossa. O momento é de resistência, mas como dizia Dom Helder Câmara, quanto mais negra a noite, mais carrega em si a madrugada”.


Para Luiz Davidovich, presidente da ABC, o manifesto toca questões cruciais para o Brasil. “Há uma fuga de cérebros devido à situação em que se encontra o país. Isso é difícil de recuperar. Estamos perdendo lideranças científicas. Os jovens que nos deixam são formadores de formadores. Isso é muito grave. A isso se soma a obsolescência dos laboratórios, devido à falta de investimentos”.

 

Ministros propõem criação de fórum para C&T


Aloizio Mercadante criticou o que qualificou como “liberalismo ultrarradical” de estar colocando em risco décadas de conquistas tecnológicas brasileiras. “O que a Coppe fez nas pesquisas para exploração das reservas do pré-sal, que hoje respondem por mais da metade da produção de petróleo do país, e todo o impacto que teve na cadeia industrial. É inaceitável que isso esteja ameaçado. Eles tentam tirar os recursos do FAT do BNDES, tentam tirar o FNDCT da Finep. Nós temos que resistir à ortodoxia fiscal permanente, imposta pela Emenda Constitucional 95, que instituiu um teto declinante para os gastos públicos”, conclamou.


Mercadante antecipou ao público presente uma proposta aventada pelos ex-ministros em reunião prévia ao debate realizado no auditório da Coppe. “Estamos criando um fórum estratégico de acompanhamento de ciência, tecnologia e inovação e pedimos à Coppe que abrigue esta iniciativa. Vamos trabalhar em conjunto com a ABC e a SBPC”.


Clelio Campolina destacou que a História mostra que os países que dominaram a ciência, a tecnologia e a educação prosperaram, e que “o mundo vive uma revolução sem precedentes nos mais diversos campos do conhecimento” e os países que a lideram vêm ampliando seus investimentos em C&T. Por isso, “engajar-se na defesa da ciência não é uma luta partidária, é do conjunto da sociedade”, enfatizou o ex-ministro.


Roberto Amaral foi além e acrescentou que esta luta também não se restringe às instituições e aos profissionais que trabalham com ciência e tecnologia. “Estamos na mais importante universidade federal do país, mas precisamos falar para fora desses muros. O ensino, a pesquisa e a tecnologia estão sob ameaça de um governo de lesa pátria. É um governo que escolhe como adversário a filosofia, a sociologia, o humanismo”, reforçou Amaral.


José Goldemberg ponderou, em mensagem gravada em vídeo, que “é possível interromper a construção de uma estrada e retomá-la mais à frente. Fazer isso com C&T é uma péssima estratégia”. Na sua avaliação, contingenciamentos orçamentários também foram feitos no passado, mas é preciso critérios para fazê-los, o que não estaria ocorrendo no atual governo.


“Mais grave ainda é a postura anticiência, que questiona o aquecimento global e mesmo a esfericidade do planeta. Esse obscurantismo pode ter impacto ainda mais grave que os contingenciamentos. Voltar à Idade Média não resolverá os problemas do Brasil”, alertou Goldemberg.


Confira o manifesto na íntegra
 

  • Publicado em - 03/07/2019