/Segurança na construção de barragens
Os resíduos de mineração têm de ser armazenados em algum lugar seguro, para não pôr em risco a população. A maneira como se costuma fazer isso, é com barragens de terra e há diferentes maneiras de construí-las. A convencional, usada em hidrelétricas e barragens para aproveitamento de água, é feita por método de compactação de solos ou enrocamento, e é segura. Este tipo de barragem também serve para armazenar rejeitos. Mas, as mineradoras querem gastar o mínimo possível, por isso costumam usar barragens por alteamento a montante, como era o caso da barragem que rompeu em Mariana (MG). É mais econômica, mas envolve muitos riscos, porque o próprio rejeito serve de base para outro dique, que armazena mais rejeito, que por sua vez serve de base para outro dique. Esses trechos ficam assentes sobre o próprio rejeito, que normalmente é arenoso e não é compactado, e com nível d’água elevado. Qualquer perturbação no estado de tensão desse solo fofo, como um tremor de terra, o torna sujeito à liquefação. Isso se chama ruptura hidráulica. O rejeito flui como um liquido viscoso. É o que pode ter acontecido em Mariana, cuja barragem foi feita pelo método ascendente e já estava com 80 metros de altura.
Esse tipo de barragem tem que ser muito bem projetada e instrumentada, para que possa ser confiável. Caso seja feita com bastante rigor, pode ser construída, mas qualquer descuido na construção, na falta de interpretação dos dados de instrumentação e na execução dos diques parciais pode levar a insucessos. Mas, não há garantia quanto à homogeneidade desse rejeito, que pode ser argiloso, fraquíssimo. Daí a necessidade de instrumentação e ensaios de campo e laboratório. O que era de custo baixo, no início, tem um custo de manutenção e observação bem maior.
Nos últimos dez anos, oito barragens romperam, só em Minas Gerais. Em 1972, o Chile sofreu terremotos muito fortes, e todas as barragens desse tipo se romperam. O governo chileno então proibiu esse tipo de barragem. Na minha opinião, o Brasil deveria fazer o mesmo, dado o grau de incerteza e insegurança. E ainda há cerca de 100 barragens desse tipo em Minas Gerais.
Outro aspecto importante é a cultura brasileira, que não expõe as causas de ruptura de barragens. Cada barragem que rompe é investigada pelo Ministério Público, mas os laudos periciais na maior parte dos casos permanecem em segredo, ou não são divulgados. Pois é o estudo das causas de um acidente que serve para aumentar nosso conhecimento, evitando assim novos acidentes. Um caso recente e ilustrativo é o que ocorreu no Canadá, numa situação semelhante à de Mariana.
Em 2014, ocorreu a ruptura de uma barragem, também de rejeitos, no Canadá, na mina Mount Polley, em British Columbia. A mineração de ouro e cobre depositava rejeitos de arsênio, selênio e outros metais pesados. A ruptura ocorreu em 4 de agosto de 2015, e cerca de 10 milhões de metros cúbicos de agua e 4,5 milhões de metros cúbicos de lama foram liberados. A lama contaminada atingiu o Lago Polley e o córrego Cariboo. Este córrego, com 2 metros de largura, transformou-se em um rio com 50 metros de largura, cobrindo a vegetação e tornando estéril toda a sua margem. A lama contaminou ainda as águas cristalinas do Lago Quesnel, afetando criadouros de truta e de salmão. Especialistas em mineração disseram que foi um dos maiores desastres ambientais da história moderna do Canada.
Este caso guarda muitas semelhanças com o ocorrido em Mariana, apenas o desastre de Mariana foi bem maior, com a lama atingindo o oceano Atlântico depois de causar estragos extraordinários ao longo de 600 km, no rio Doce.
No dia 18 de agosto, duas semanas apenas após o acidente, o Governo de British Columbia ordenou que se fizesse um relatório independente sobre as causas do acidente. Três dos maiores especialistas do Canada, chefiados pelo profesor Norbert Morgenstern, levaram cinco meses para elaborar um relatório, entregue em 31 de janeiro de 2015. Descobriu-se que a causa principal não foi a barragem em si, mas sim a fundação da barragem, contendo uma camada de “till“ glacial, negligenciada no projeto.
Esperamos que nossa cultura mude, e que o governo federal mire neste exemplo.