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/Aquilino Senra: da base à primeira divisão
A curiosidade demonstrada desde criança para compreender os mistérios do eletromagnetismo, da mecânica newtoniana, das reações nucleares e da gênese do universo levou Aquilino Senra Martinez, 63 anos, a optar pelas ciências exatas. No científico ficou dividido entre Física, Química e Matemática. Quando finalmente decidiu-se pela Física, já pensava em desenvolver um trabalho eminentemente teórico, como o faz até hoje.
Nascido na cidade de Pontevedra, na Espanha, chegou ao Brasil em 1958, aos 5 anos de idade. Os seus pais, Sara e Aquilino, instalaram-se em uma casa, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. Foi lá que passou a infância e parte da adolescência com seus pais e sua irmã Sara. Um período do qual guarda boas recordações.
Ao relatar sua trajetória, o professor titular da Coppe/UFRJ orgulha-se em dizer que só estudou em escola pública: iniciou os estudos na Escola Municipal Sussekind de Mendonça, cursou o Ensino Médio no Colégio Estadual Visconde de Cairu, no Méier, e graduou-se em Física na UERJ, em 1974.
Da Física à Engenharia Nuclear
Na UERJ foi aluno do professor Armando Dias Tavares, grande educador e figura marcante em sua vida, que foi seu orientador de Iniciação Científica. Em 1975, iniciou o mestrado em Engenharia Nuclear na Coppe, uma opção que mudou definitivamente sua trajetória. A virada ocorreu quando se preparava para o mestrado no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e descobriu que nos meses de janeiro e fevereiro haveria um curso de seleção na Coppe.
“Como o mestrado no CBPF só começava em março, decidi fazer o curso da Coppe, sem intenção de ficar. Mas no decorrer do curso, descobri que a Engenharia Nuclear se aproximava muito da Física”, revelou. Foi selecionado em segundo lugar, ganhou uma bolsa de estudos e acabou optando pelo mestrado em Engenharia Nuclear na Coppe. Sob a orientação do professor Luiz Pinguelli Rosa defendeu sua dissertação, em 1977.
Em 1978, ingressou por concurso no quadro docente da Coppe, no Programa de Engenharia Nuclear. “Nesta área mantive inicialmente uma estimulante colaboração com os professores Luiz Pinguelli Rosa e Zieli Dutra Thomé Filho. Fui bastante influenciado no início de minha carreira da Coppe pela grande dedicação à instituição e destacado espírito empreendedor destes dois docentes”, afirmou.
Participou da implantação do Programa de Engenharia Nuclear, onde também fez o doutorado, especializando-se em física de reatores (área que estuda a interação entre o neutron e a matéria no reator nuclear). Em 1979 iniciou o doutorado na Coppe, passando dois anos na Carnegie Mellon University,em Pittsburgh, Pensilvânia, EUA. Sob a orientação do professor da universidade americana,Yung-An Chao, defendeu sua tese em 1983, intitulada “O método da seção de choque background para o cálculo do espectro de nêutrons epitérmicos”. Foi a primeira tese defendida no Programa de Engenharia Nuclear da Coppe.
Até hoje Aquilino mantém contato com o seu orientador e sua família, que o recebeu com muito carinho quando chegou aos Estados Unidos com sua esposa, a fonoaudióloga Dianir, falecida em 2013, e seu filho Rafael, na época com três meses.
Na universidade, uma trajetória de sucesso
Em 40 anos na universidade, Aquilino construiu uma carreira bem-sucedida, assumindo cargos de direção, integrando importantes comitês científicos e recebendo premiações, entre elas o Prêmio Coppe Mérito Acadêmico Lobo Carneiro, em sua primeira edição, que lhe será conferido dia 3 de novembro.
"Comecei nas divisões de base até me transformar em jogador do time titular de profissionais. Sou cria da casa", brinca Aquilino, um admirador confesso da Coppe. "Falar da Coppe é como falar do meu filho ou do meu time de futebol, é minha segunda família". Este é mesmo um assunto sério para este botafoguense que se orgulha e defende de maneira intransigente a instituição. "A Coppe é o meu vício. Em nenhum outro lugar eu teria tanto prazer em fazer o que faço", confessa francamente. “É um modelo que deu certo na área de ciência e tecnologia. Quando alguém a critica, faço questão de revidar", adverte.
Doutor em Ciências da Engenharia Nuclear, Aquilino é bolsista do CNPq nível 1A e foi membro dos Comitês Assessores do CNPQ, da Capes, do Conselho Superior da Faperj e do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República. Em 2013, assumiu a presidência da empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que em nome da União exerce o monopólio do urânio no país. Permaneceu no cargo até 2016. Já recebeu várias premiações, entre elas a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico (2009), em reconhecimento a contribuição para o desenvolvimento tecnológico e científico do país.
Na Coppe, onde ingressou em 1978 e tornou-se Professor Titular em 1994, foi coordenador do Programa de Engenharia Nuclear (1984-1986), Presidente do Conselho Deliberativo (2002-2005), Diretor (2003) e vice-Diretor (2007-2012). Até o momento, orientou 38 dissertações de mestrado, 26 teses de doutorado e supervisionou quatro pesquisadores de pós-doutorado. Publicou 55 artigos em periódicos nacionais e internacionais e 106 trabalhos em anais de congresso. No que se refere às atividades de desenvolvimento tecnológico, participou de mais 30 projetos relacionados com a operação de usinas nucleares.
No momento o professor anda muito preocupado com a situação do país e da universidade. "A atuação da universidade é muito importante para a sociedade, mas com o corte nos investimentos não vamos conseguir manter esse trabalho. Nos países desenvolvidos o governo sempre coloca recursos em pesquisas a fundo perdido. Com esse modelo de importação de tecnologia o Brasil corre o risco de perder o trem da história. Precisamos passar de exportador de matéria prima para um país exportador de produtos com valor agregado. Para tornar essa transição uma realidade, a universidade tem um papel fundamental”, desabafa.
Atleta e gourmet nos fins de semana
Como nem tudo é trabalho, o lazer tem sua hora reservada na agenda do pesquisador. Se quiser encontrá-lo sábado e domingo pela manhã, basta ir ao postinho 9, na Barra da Tijuca, onde há anos ele joga vôlei de praia com um grupo de amigos.
Há dois anos casado com Elaine, matemática e doutora em Filosofia da Ciência, vem alternando os dias da semana entre o Rio de Janeiro e Teresópolis, onde ela é diretora do Centro de Tecnologia da Unifeso. Com ela divide a paixão pelas viagens, pelo cinema - é fã dos filmes clássicos - e pela literatura. No momento, está relendo “The Born-Einstein Letters 1916-1955”, de Max Born e “O Brasil”, de Mino Carta.
A prática do vôlei tem sido fundamental para manter a forma desse gourmet confesso, que é amante de cervejas artesanais, gosta de organizar reuniões gastronômicas e ainda se arrisca como chef. Durante a entrevista ele gentilmente nos ensinou uma de suas receitas favoritas, de origem espanhola, denominada tortilla, que compartilhamos aqui com os nossos leitores: corte quatro batatas, três cebolas e um salame (pequeno). Tudo em lascas assimétricas, como recomenda o chef. Coloque tudo em uma frigideira com pouco azeite e deixe cozinhar até que as batatas estejam macias. Bata três ovos e em seguida misture ao refogado. Frite dos dois lados usando, é claro, um bom azeite. Sirva com vinho e bom apetite!
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Publicado em - 02/11/2016
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Atualizado em - 02/11/2016