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/José Seixas: em busca da origem do universo
Carioca, José Manoel de Seixas nasceu em 1954. No mesmo ano, um grupo de pesquisadores europeus criou, em Genebra (Suíça), a Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (CERN), que hoje é mundialmente conhecida pela criação da web e pelas pesquisas sobre a origem do universo. Coincidentemente, 35 anos mais tarde, em 1989, Seixas tornou-se membro e, mais tarde, um dos coordenadores do grupo de pesquisadores brasileiros que participa desse ousado projeto que integra cientistas de vários países com um objetivo comum: descobrir o que houve após o Big Bang.
Mas enfrentar desafios e vencê-los foi uma constante na vida do professor que, em 1987, ingressou na UFRJ como professor da Escola de Engenharia e, dois anos depois, iniciou o doutorado no Programa de Engenharia Elétrica da Coppe. Por orientação dos professores Luiz Calôba e Ziele Dutra Thomé Filho, Seixas passou três anos no CERN para realizar seu trabalho de pesquisa e concluiu seu doutorado em 1994, ano em que se tornou professor do Programa de Engenharia Elétrica (PEE) da Coppe, onde até hoje atua. Em 17 de novembro de 2011, receberá o Prêmio Coppe Giulio Massarani – Mérito Acadêmico 2010, concedido aos docentes que se destacam pela produção acadêmica e pela formação de recursos humanos.
Como professor de Engenharia Elétrica da Coppe, José Seixas orientou 19 teses de doutorado e 19 dissertações de mestrado. Coautor na edição de dois livros, publicou 104 artigos em periódicos nacionais e internacionais e tem 320 trabalhos publicados em anais de congressos no Brasil e no exterior. Além dos estudos que envolvem o tema Large Hadron Collider (LHC), suas principais linhas de pesquisas abrangem de sistemas de energia a modelos para aperfeiçoar diagnósticos de doenças transmissíveis, agilizando o tratamento.
A experiência no CERN: em busca do pós-Big Bang
Na sede do CERN, em Genebra, Seixas realizava seus estudos em ótima companhia, na sala do professor Roberto Salmeron, um físico reconhecido internacionalmente. Na época, alguns cientistas iniciavam os primeiros estudos visando o LHC, enquanto boa parte dos pesquisadores se concentrava na colisão de matéria com antimatéria, operando o acelerador denominado LEP. O intuito era descobrir a origem do universo.
Dos brasileiros que chegaram ao CERN, Seixas foi o único que passou a fazer parte do grupo de calorimetria (de medição da energia das partículas), que reunia pesquisadores de 20 países, considerado por ele “o pontapé inicial” para o desenvolvimento do Atlas, o maior dos detectores do LHC, fundamental para os futuros estudos. “Na época, não havia tecnologia de detectores para atender os requisitos do LHC, e esse grupo se debruçou com afinco nas pesquisas para concretizar o projeto”, explica.
Como a maioria, Seixas confessa que não tinha noção da dimensão do desafio que assumia, mas abraçou a causa e se uniu à equipe que viria a desenvolver, sob o comando do seu orientador no CERN, Richard Wigmans, uma nova forma de detecção de calorimetria baseada em fibras óticas cintilantes que, a partir da interação de partículas com material dopante, produz e transmite luz. A técnica foi disseminada pelo mundo e, até hoje, a data da descoberta é comemorada.
Em 1991, o CERN, enfim, inaugurou um grande programa de pesquisa e desenvolvimento, e o grupo de Seixas foi o primeiro a atuar no processo, desenvolvendo os circuitos do calorímetro denominado Spacal, que, por sua vez, deu origem ao Atlas. O Atlas congrega cerca de 3.500 pesquisadores de 174 instituições sediadas em 38 países. Seu tamanho equivale a um prédio de cinco andares, formado somente por subdetectores, que abriga dezenas de milhões de canais de leitura. “Para se ter uma ideia, um CD caseiro é lido por apenas dois canais”, compara Seixas, que retornou à Coppe no mesmo ano para concluir o seu doutorado.
De volta para casa
No Laboratório de Processamento de Sinais (LPS) da Coppe, Seixas deu continuidade às pesquisas para o CERN, colaborando com os professores Calôba e Zieli. “Na época, a internet estava em sua
Mas a origem do universo é apenas uma das pesquisas que ocupam a mente do professor Seixas. Entre 1996 e 1999, com Paulo Sergio Diniz, seu colega do programa, participou de um projeto de sonar passivo (que envolve processamento de sinais e inteligência computacional) para a Marinha, onde já havia trabalhado no anos 80. A proposta era fazer com que os submarinos usassem tecnologia nacional para classificar navios somente pelo ruído. Em 1998, junto com Zieli e outros professores da Coppe, deu início ao sistema de inspeção, baseado em ultrassom, de Angra I, para garantir o bom funcionamento e a eficiência da usina. Eles desenvolveram um sensor para acompanhar as pastilhas com tecnologia 100% nacional.
Desde 2001, o professor também desenvolve projetos voltados para a área de saúde. Em parceria com o professor Basílio, do Programa de Engenharia de Produção da Coppe, começou a estudar a aplicação de redes neurais em medicina para detectar pessoas propícias a contrair hepatite. Em seguida, deu início ao desenvolvimento de um modelo computacional de apoio ao diagnóstico da tuberculose, denominado Sistema Neural TB, com interface via web. Após a triagem dos pacientes, os dados são disponibilizados para acompanhamento dos profissionais da saúde envolvidos. O sistema vem sendo desenvolvido, em parceria com os professores Afrânio Kritski e José Roberto Lapa, da Faculdade de Medicina da UFRJ, desde 2003, a partir da informação de 300 pacientes do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. Hoje, está em fase de testes no Rio de Janeiro e em mais seis municípios brasileiros, agilizando a identificação de pessoas com tuberculose e acelerando o início do tratamento. Só na Policlínica de Guadalupe (bairro carioca), a base de informação já chega a 4 mil pessoas, das quais 20% foram diagnosticadas com tuberculose.
Seguindo a risca os conselhos de dona Isabel
Filho de Alfredo Augusto, que trabalhava como barbeiro, e de Maria Isabel, Seixas teve uma infância pobre. Embora não tivesse completado o primário, sua mãe sempre o incentivou a estudar. “Ela dizia: estuda meu filho porque há de ter muitos doutores com anel no dedo varrendo as ruas”, lembra com emoção o professor, acrescentando que, curiosamente, o professor Salmeron que o acolheu no CERN também é filho de barbeiro.
Conselho dado, conselho seguido. Após concluir o ginásio no colégio municipal Mário da Veiga Cabral, em 1970, e o segundo grau técnico no Cefet, em 1973, José Seixas concluiu, no mesmo ano, em 1979, dois cursos de graduação pela PUC: Matemática e Engenharia Elétrica. No ano seguinte, tornou-se um “calobete”, um discípulo do professor Luiz Pereira Calôba, seu orientador no mestrado, que concluiu na Coppe, em 1983.
No Laboratório de Aferição de Instrumentos da Aeronáutica conheceu Leila Maria Pires, técnica em eletrônica, com quem se casou, em 1982, após oito anos de namoro. Para conquistá-la, inventou que era primo de Raul Seixas, o que não era muito difícil de acreditar, pois seu cabelo ia até a cintura e levava uma vida no estilo “maluco beleza”, o que o ajudou a superar as limitações financeiras e sociais.
Costumava andar a pé para economizar o dinheiro da passagem. O salário que ganhava na Aeronáutica bancava as idas ao cinema com Leila e uma parte reservava para completar os cursos de graduação na PUC, que conseguiu iniciar em 1975. Aderiu à militância estudantil no combate à ditadura militar e apaixonou-se pelo cinema. O envolvimento com a produção cinematográfica foi tão intenso que, quando estava concluindo a graduação, em 1979, chegou a pensar em dispensar ofertas de bolsas de mestrado oferecidas pela PUC e pela Coppe. Mas no ano seguinte, acabou ingressando na Coppe para iniciar o seu mestrado. Chegou a dar aulas de cinema e teve alunos ilustres como o músico Arnaldo Antunes, integrante da banda de rock Titãs, que ficou famosa a partir da década de 1980.
Viúvo duas vezes, foi com Leila Pires que Seixas teve seus únicos dois filhos, Vitor Augusto Pires de Seixas (1985), que cursa história no Instituto de História da UFRJ, e Breno Henrique Pires de Seixas (1987), que está concluindo Ciências Sociais no IFCS/UFRJ.
Hoje, além do cinema, o lazer preferido de Seixas é assistir aos jogos do Botafogo no Engenhão, muitas vezes acompanhado de seu filho mais novo. Mas sua maior expectativa é em relação ao CERN. Seixas acredita que a equipe do laboratório está prestes a descobrir a origem do universo. “Isso poderá mudar radicalmente o entendimento da existência de Deus e de sua criação”, ressaltou o professor, cuja própria vida é uma aula de que tudo é possível.
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Publicado em - 08/11/2011