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/Renato Cotta: prodígio na escola e mestre na arte de viver

Com 35 anos de idade, Renato Machado Cotta foi agraciado com o Prêmio COPPE Mérito Acadêmico, notabilizando-se como o professor mais novo da instituição a receber esta condecoração até o momento. A precocidade é, aliás, uma constante na vida do pesquisador, que já resultou em alegrias, mas também trouxe muitas dores de cabeça, principalmente para os seus pais, Enéas e Claudette Cotta, que passaram anos tendo que usar de mandados de segurança para que o filho pudesse ingressar nos cursos para os quais era aprovado sem, no entanto, ter idade suficiente para ser aceito nas instituições. Foram muitas batalhas travadas a três.

Nascido em Venda da Cruz, bairro situado na periferia de Niterói, Cotta começou cedo sua trajetória acadêmica: alfabetizou-se aos quatro anos de idade. No intuito de consolar o filho, que chorava para ir à escola junto com os primos mais velhos, Beth e Fernando, seus pais conseguiram convencer a diretora do colégio “Marília Mattoso” a aceitá-lo, dois anos antes da idade estabelecida. A idéia era deixá-lo ficar só por um tempo, mas Cotta acabou alfabetizando-se e, a partir de então, nunca mais deixou de freqüentar a escola, mesmo que para passar pelo portão fosse preciso ter, no lugar da caderneta, uma ordem expressa assinada pelo juiz. Foi assim que aos nove anos de idade começou a cursar o ginásio na melhor escola pública de Niterói, à época, o Liceu Nilo Peçanha.

Em 1975, mudou – se de Venda da Cruz para o bairro de São Francisco, na Zona Sul de Niterói. “Eu era CDF sem ser ‘Nerd’”, faz a ressalva o pesquisador, explicando que sempre conseguiu aliar responsabilidade e irreverência. “Não vivia somente para estudar. Gostava de praticar esportes, jogava futebol e vôlei, adorava cinema e, quando criança, gostava mesmo era de brincar na rua”, argumenta. Embora afirme que nunca teve anseios de liderança, o fato de ter sido sempre bom aluno e, ao mesmo tempo, popular, anualmente era escolhido pelos amigos para ser o presidente de turma.

Mas nem tudo fluía tão bem na adolescência. Dois anos mais novo que seus colegas, sofria com a indiferença das meninas que gostavam de tê-lo na equipe para os trabalhos escolares, mas o viam como um “fedelho” quando o assunto era namoro. “Se as meninas já costumam achar os garotos da própria idade muito criança, elas olhavam para mim como um pimpolho. Eu era tratado como irmãozinho mais novo”, lamenta.

Da diplomacia à engenharia

Sonhando em ser diplomata, começou a preparar–se aos sete anos de idade, estudando inglês e, mais tarde, francês e alemão. Não sabe dizer exatamente o que o levou a optar pela diplomacia. Talvez pelo fato de a profissão abrir portas para outros países e exigir poder moderador, um dom que, segundo ele próprio, o acompanha desde criança. “Tinha orgulho de minha capacidade moderadora. Vim brigar pela primeira vez na vida há pouco tempo”, revela.

Mas o desejo de ser diplomata foi superado ainda na adolescência. Cotta adquiriu uma espécie de gagueira e ciente de que a diplomacia lhe exigiria boa oratória, resolveu mudar de rota e escolher a Engenharia. Aos 15 anos, ainda no segundo ano do Segundo Grau, passou no vestibular para Engenharia Mecânica na Universidade Federal Fluminense (UFF). Mais uma vez, munido de mandado de segurança, chegou a cursar o primeiro semestre. Mas não quis continuar porque já estava seduzido pela Engenharia Nuclear, estimulado pelo pai de sua namorada e engenheiro nuclear de Furnas, que chegou a levá-lo para ver uma exposição no MAM sobre o Programa Nuclear Brasileiro, mostrando o projeto da usina de Angra I, que estava sendo construída à época. Foi ali mesmo que, aos 15 anos, encantado com a tecnologia, decidiu-se pela Engenharia Nuclear. Para abraçar sua nova opção, trancou a matrícula na UFF, ingressou no curso Bahiense para terminar o Segundo Grau e inscreveu-se no vestibular para a UFRJ, que oferecia o melhor curso do Brasil na área. No ano seguinte, prestou o vestibular, classificando-se em 5º lugar para a UFRJ, onde anos mais tarde passaria de aluno a mestre.

“Não me arrependo de não ter seguido a carreira diplomática porque na academia exerço mais atividades diplomáticas do que imaginei. Viajo constantemente, articulo convênios, negocio alianças, aproximo cientistas de diferentes países. Hoje, sou o diplomata que queria ser quando novo, só que inserido numa outra carreira”, consola-se.

Doutorado na Carolina do Norte aos 21 anos

No segundo ano da faculdade Cotta fez iniciação científica com os professores Luiz Pinguelli Rosa e João Lizardo, que ministravam uma disciplina no Programa de Engenharia Nuclear da COPPE. “Fui apresentado ao Pinguelli pelo Aquilino.Trabalhei com os dois professores num projeto cujo objetivo era montar cenários energéticos para o Brasil, com planejamento de oferta e demanda de energia para os próximos 20 anos. Escrevemos um programa de quatro mil linhas. Eu andava com aquelas caixas de cartão, cuja única leitora da universidade ficava no Núcleo de Computação Eletrônica (NCE). Fiquei até forte de tanto carregar aquelas caixas de cartão”, relata com humor.

Mas após trabalhar dois anos nesse projeto, Cotta confessou à Pinguelli que gostaria de atuar na área Nuclear. E assim o fez. Trabalhou um ano e meio com o professor Nilson Costa Roberty, do Programa de Engenharia Nuclear. Com ele desenvolveu o tema de projeto final de curso, estudando o comportamento das varetas de combustível nuclear. O trabalho foi tão bem recebido que por sugestão do professor Quassim, então coordenador da Nuclear, o fez pular o Mestrado, levando-o direto para o Doutorado. Assim, em 1982, aos 21 anos, podendo escolher entre uma bolsa do CNPq e outra da Comissão Nacional de Energia nuclear (CNEN), o pesquisador embarcou para os EUA, onde foi cursar seu Doutorado na Universidade da Carolina do Norte (NCSU), a primeira universidade americana a ter um reator para pesquisa e a formar o primeiro doutor brasileiro em Engenharia Nuclear, Presidente da CNEN na época.

Ao se apresentar no primeiro dia da faculdade, Cotta foi encaminhado pela recepcionista para uma fila imensa. Após uma hora e meia descobriu que estava no local errado: era a fila dos alunos de graduação. “Meus colegas do doutorado estavam sendo recebidos pelo subreitor de pesquisa da universidade, enquanto eu estava lá com a molecada”, conta rindo de si próprio. Ingressar no doutorado foi uma vitória. Mas o início não foi muito fácil. “Quando cheguei estava muito infeliz”, confessa. O pai foi visitá-lo 12 vezes no período em que morou nos EUA. Tinha deixado no Brasil a Márcia Cristina, com quem namorava há quatro anos e mais tarde viria a ser sua primeira esposa, com quem teve sua filha Bianca. Também foi vítima de um problema renal e sofreu duas cirurgias, a primeira nos EUA e a segunda no Brasil, do qual retornou já casado com Márcia, na época com 16 anos. “Enfrentamos família, tudo e todos. Disse que só retornaria com ela para concluir o Doutorado. Não me lembro de alguma vez na vida ter trabalhado tanto como naquele ano de 82. Quando retornei para a universidade, na Carolina do Norte, tive que recuperar o tempo perdido, concluir os créditos e começar a tese. Alguns professores foram compreensivos, outros menos, mas o fato é que consegui concluir os créditos, obtendo Grau A em todas as matérias”, relata orgulhoso o pesquisador, que neste período ainda estreou como pai, com o nascimento da Bianca.

Embora pretendesse trabalhar com um tema mais diretamente voltado para a área Nuclear, mudou de idéia por dois motivos: assim que chegou aos EUA, dois professores com quem pretendia trabalhar afastaram-se da universidade, um deles se aposentou e o outro assumiu um cargo no governo. Além disso, previa-se uma crise na área, devido ao baixo preço do petróleo. Cotta então optou pela Mecânica e foi orientado pelo renomado professor Necati Ozisik, nascido na Turquia e educado na Inglaterra, que mais tarde também foi orientador de seus dois colegas de programa: Nisio e Élcio. Em 85, Cotta defendeu, enfim, sua tese, um estudo fundamental em convecção de calor nos três regimes de tempo. A tese combinou métodos analíticos com numéricos nas áreas de térmica e de fluidos. A idéia era não deixar as idéias analíticas clássicas se perderem.

Volta ao Brasil e retorno à COPPE

Ao voltar para o Brasil, no ano de 85, foi trabalhar no ITA, em São José dos Campos. Considerou oportuno dar continuidade aos temas que dedicou - se no Doutorado, voltados para os setores aeronáutico e aeroespacial. “Meus grandes projetos iniciais foram construídos ali, na área aeroespacial”, declara.

Mas em 87 não resistiu ao convite de retornar à COPPE feito pelos professores Nísio e Figueiredo, do Programa de Engenharia Mecânica, e Pinguelli, à época diretor da instituição. Veio para a COPPE Mecânica e, em seguida, fez concurso para a Universidade. Trouxe na bagagem dois projetos de pesquisa que foram acolhidos pela instituição: o desenvolvimento de duas ultracentrífugas de enriquecimento de urânio, à cargo da Marinha e, anos mais tarde, instaladas em Resende, projeto com cuja simulação vinha trabalhando desde 86. Para realizá-lo, passou quatro meses literalmente internado na COPESP, em São Paulo, com o objetivo de validar os resultados experimentais com dados da simulação feita por ele. “Foi um desafio tremendo. Um dos mais importantes trabalhos que desenvolvi durante minha carreira e que, infelizmente, não pude publicar por tratar-se de um projeto voltado para o enriquecimento de urânio, usado como combustível para reator nuclear, uma área estratégica para o país”, ressalta. Neste projeto Cotta diz ter desafiado o método híbrido no qual trabalhou no doutorado. “Desafiei-o a resolver um problema que até então até mesmo os métodos computacionais clássicos não tinham conseguido. Tínhamos um problema de escoamento do gás nessa ultracentrífuga, que girava a 60 mil rpm , na qual é enriquecido o urânio. O desafio do país à época era enriquecer urânio com tecnologia nacional. Até então, o Brasil não dispunha dessa tecnologia”, explica o pesquisador da COPPE, que integrou a equipe daqueles que colaboraram para que o país superasse o desafio.

O outro projeto, voltado para análise térmica de veículos espaciais, foi desenvolvido em parceria com o Centro Técnico Aeroespacial (CTA) de S José dos Campos. Trata-se também de um projeto estratégico, voltado para a construção da primeira plataforma orbital brasileira. Cotta e sua equipe analisaram a proteção térmica para que o microsatélite SARA, que vai ficar em órbita 10 dias, com lançamento previsto para 2008, possa retornar à Terra trazendo intactos os experimentos realizados no espaço. O objetivo é proteger a cápsula, evitando, assim, o problema ocorrido há alguns anos com o Columbia, ônibus espacial americano.

Na COPPE, Cotta já orientou 22 teses de Doutorado e 30 dissertações de Mestrado. Com 310 artigos científicos publicados e cinco livros de sua autoria, exibe, aos 48 anos de idade, produção acadêmica e atuação que reflete a trajetória de um mestre.

Notívago, pianista e pizzaiolo de fama internacional

Neto de Archimedes Tavares de Oliveira, carpinteiro naval e músico autodidata, que tocava mais de dez instrumentos, foi o único dos três irmãos que deu continuidade aos estudos na escola de música, onde aprendeu piano clássico, embora hoje em dia prefira o popular. Ficou famoso em Niterói pelas ‘canjas’ que dava à noite numa churrascaria, no bairro de São Francisco, cujo proprietário é seu amigo de infância. Notívago, costuma trabalhar durante a madrugada e é apontado pelos amigos como um grande boêmio. Mas garante que o apelido é fruto de águas passadas. Hoje, casado com Carolina, prefere passar as noites assistindo a filmes como Homem Aranha e Era do Gelo, na companhia da mulher e de Víctor, com quatro anos, filho de Carolina.

É famoso como músico e também como chefe de cozinha. A receita de pizza que leva o seu nome ganhou fama internacional. Sua estréia ocorreu em Bolonha, cidade italiana onde morou em 91. Certo dia invadiu a cozinha do restaurante italiano, no qual costumava fazer as refeições, e inventou a receita. Desde então, a pizza ‘Renato Cotta’ encontra – se fixada no cardápio do restaurante, cujo proprietário tornou-se seu amigo. Hoje em dia, nem é mais preciso ir à Itália para apreciar a pizza do chefe. Para quem mora no Rio, basta atravessar a ponte. Hoje, a pizza é oferecida em dois restaurantes de Niterói e, a pedido da equipe do Planeta COPPE, o professor revelou a receita: a pizza leva molho de tomate, muzzarela, salame em rodelas, ovos de codorna, champignon e azeitonas pretas. Àqueles que apreciam a boa massa, bom apetite!

  • Publicado em - 21/06/2010