/Retornando à Questão do Preço do Petróleo

Data: 
13/08/2004
Autor: 
*Giuseppe Bacoccoli

Independentemente das oscilações de curta duração, absolutamente normais e atribuídas aos impactos mais efêmeros, na longa história das cotações internacionais do petróleo, estamos agora assistindo, com perplexidade, a uma persistente e renitente elevação dos preços.

De fato, desde 2002, última ocasião com cotações abaixo de US$ 20.00/bbl, este preço elevou-se quase que constantemente, mantendo desde final de 2003, e em todo o ano de 2004, valores acima dos US$ 28.00/bbl (limite superior da banda da OPEP: US$ 22.00 a US$ 28.00/bbl, média em US$ 25.00/bbl) e atingindo, já nos últimos meses, cotações recordes, em torno dos US$ 40.00/bbl. Aparentemente, já está se delineando o novo patamar de preço bastante mais elevado daquele preconizado por vários analistas, pela própria Petrobrás (Plano Estratégico 2015, recentemente divulgado) e pela própria OPEP. Uma alta tão contínua e persistente não mais nos autoriza a interpretá-la como mera flutuação especulativa do mercado, ao sabor dos sempre numerosos e variados eventos localizados do noticiário internacional. Guerras, atos terroristas no Oriente Médio, alarmes e medo de terrorismo nos EUA ou na Europa, greves dos petroleiros na Nigéria ou na Noruega, instabilidade política na Venezuela, problemas fiscais e de saúde financeira de empresas exportadoras russas e tantos outros acontecimentos poderão apenas ser invocados para justificar as relativamente pequenas oscilações especulativas localizadas, mas não todo um trend altista tão duradouro quanto persistente e renitente.

A bem da verdade, detrás deste conjunto de fatos aparentemente desconexos e aleatórios emerge toda uma lógica, própria da indústria do petróleo. Por um lado, países consumidores, em sua maioria ricos e desenvolvidos, carentes de petróleo em seu subsolo, com relativa estabilidade geo-econômica. Por outro, países produtores, em sua maioria pobres, periféricos e em desenvolvimento, com sérios problemas de instabilidade social e geo-econômica. No entanto, esta situação não é nova e persiste já há muito tempo.

A questão mais grave, neste momento, é a da séria instabilidade no Oriente Médio. Não nos referimos simplesmente à questão Israel x Palestina com antigos e já crônicos problemas, na prática, quase insolúveis. Referimo-nos sim à questão do Iraque e suas conseqüências diretas e indiretas cada vez mais graves e complicadas. Referimo-nos também à delicada questão da Arábia Saudita, com suas reservas superiores aos 260 bilhões de barris e uma estabilidade política já comprometida e, mesmo, ameaçada.
De acordo com alguns analistas, criaram-se situações que, no todo, suscitam nos países consumidores uma justificada sensação de “medo” de desabastecimento. Este medo seria capaz, por si só, de elevar em mais de US$10.00/bbl o preço da commodity no mercado internacional.

Quanto às questões estruturais de mercado, menciona-se com freqüência a pressão sobre a demanda relacionada principalmente a um discreto aumento de consumo dos EUA e a um notável aumento de consumo da China. Dessa feita, pretendemos analisar em maior profundidade estas questões estruturais, principalmente aquelas relacionadas ao aumento da demanda de países em desenvolvimento, com grande população, até hoje marginalizados quanto ao consumo energético.

Num retrospecto histórico, não especificamente abordado neste exercício, verificamos como as mais significativas anomalias do preço do petróleo, tanto as altas dos choques do petróleo (de 1973 e de 1979), quanto as baixas dos “contra-choques” que as sucederam, tiveram, na verdade, teriam causas estruturais subjacentes mais profundas daquelas geralmente divulgadas.

No primeiro caso, dos choques, a indústria do petróleo internacional precisaria praticar preços mais elevados para viabilizar a exploração de importantes novas províncias produtoras localizadas em áreas de fronteira como o Mar do Norte, o Alasca, as águas profundas da Bacia de Campos, da Costa do Golfo e da Costa Ocidental Africana, entre outras. No segundo, dos contra-choques, os preços deprimidos teriam sido formulados também para provocar a derrubada final da antiga URSS que tinha no petróleo um dos seus principais produtos de exportação numa economia centralizada e já extremamente debilitada.Além disso, como importante sub-produto desta derrubada, obter-se-ia também o enfraquecimento e esvaziamento da OPEP. De fato, com o fim da bipolaridade e da guerra fria, a OPEP, sem respaldo, deixaria de constituir o outrora poderoso cartel, capaz de promover os trágicos “embargos” no abastecimento do Ocidente, para se transformar numa organização burocrática e administrativa, relegada à mera fixação de cotas de produção e bandas de preço, sem ao menos ser capaz de fiscalizar e garantir seu cumprimento.

Para horror dos ambientalistas mais radicais e dos sempre presentes arautos do apocalipse petrolífero, tentaremos mostrar adiante que a commodity ainda não escasseia, está longe do seu fim e ainda representa um insumo energético abundante e relativamente oferecido, mesmo um século e meio depois da descoberta do Cel. Drake.Quanto a esta relativa garantia de suprimento, o petróleo ainda não deveria atingir patamares de preços tão elevados, não fosse o irracional, mas justificado, medo do desabastecimento dos países desenvolvidos e a prevista crescente pressão de demanda dos países em desenvolvimento, com elevada e crescente expansão demográfica dos “sem-energia”.

2. Um insumo energético ainda abundante

De acordo com os dados da BP e da ENI (BP Statistical Review of World Energy, June 2004 e ENI O & G – World Oil and Gas Review, 2004) as reservas provadas (ressalte-se a existência também de outras categorias como as possíveis e/ou prováveis) de petróleo no final do ano passado eram superiores a um trilhão e cem bilhões de barris, sendo capazes de assegurar a atual produção mundial, da ordem de 77 milhões de barris por dia, ainda durante 41 anos (configurando uma relação R/P, reserva sobre produção, da ordem de 41 anos).

Ao contrário do que alguns analistas mais pessimistas consideram, o ritmo de reposição das reservas produzidas e consumidas tem sido amplamente satisfatório, pelo menos nos últimos dez anos. De fato, entre 1994 e 2003, a produção diária de petróleo oscilou entre 67 e 76,7 milhões de barris por dia. Isto significa que, somente no ano passado, foram produzidos e consumidos das reservas mundiais em média 76,7 milhões de barris por dia. Em outras palavras, durante o ano de 2003 foram consumidos, das reservas existentes, cerca de 28 bilhões de barris, volumes equivalentes a cerca de duas vezes as atuais reservas petrolíferas do Brasil. Ao todo, na última década, entre 1994 e 2003, foram extraídos das reservas e consumidos 236,4 bilhões de barris de petróleo, equivalentes, na prática, as atuais reservas da Arábia Saudita (maiores do mundo, atualmente superiores aos 260 bilhões de barris). Apesar desses níveis muito significativos de produção e de consumo, as reservas provadas mundiais que, em 1994, eram de 1023 bilhões de barris atingiam, no final de 2003, os 1147 bilhões de barris. Se considerarmos a produção no período de 236,4 bilhões de barris e o acréscimo das reservas de 124,1 bilhões de barris verificaremos que a taxa de reposição dos volumes produzidos foi, durante a última década, de 1,52 barris por barril consumido. Significando que, para cada barril produzido e subtraído das reservas, foram apropriados e somados às reservas, mais um barril e meio através de novas descobertas, transformação de volumes possíveis e prováveis em reservas provadas e aumento do fator de recuperação dos campos antigos, já descobertos.

Considere-se, adicionalmente, a forte possibilidade de poder efetuar, na maioria dos principais países produtores, novas e importantes descobertas utilizando-se a experiência, a disponibilidade financeira e a tecnologia das grandes empresas internacionais (majors).De fato, seja pela presença de companhias nacionais (national oil companies) dominantes, seja pela existência de conflitos bélicos, seja pela persistente e crônica instabilidade política e social e, finalmente, seja pela própria inépcia de alguns governantes, durante décadas as majors não tiveram oportunidade de operar em muitos desses países. Constata-se que atualmente entre os principais produtores apenas dois paises ofereceriam condições “amigáveis” para as majors: Canadá e Noruega. Mesmos assim os custos e os riscos nestes paises são elevados. Assim, não tem sido possível, para as majors explorar o elevado potencial remanescente desses países produtores, muitos localizados no próprio Oriente Médio, o que certamente resultaria num substancial aumento de reservas. Somente no caso do Iraque existem estudos geológicos confiáveis indicando as possibilidades de dobrar, através do retorno da exploração, suas atuais reservas.

Sem a intervenção das majors, e com a falta de recursos próprios para a implementação dos projetos de E & P, os níveis de vazão da maioria dos grandes produtores mundiais já se encontrariam muito próximos das respectivas capacidades instaladas praticamente dentro das cotas ampliadas recentemente pela OPEP. Se, por um lado isto justifica a existência de um elevado potencial remanescente nestes paises, por outro também explica as dificuldades hoje encontradas pelas integrantes da OPEP em elevar ainda mais suas cotas para controlar preços. Somente em longo prazo, com muita tecnologia e elevados investimentos isto será possível.

Mesmo assim, resultados muito positivos estão sendo obtidos em algumas áreas de fronteira, de exploração sempre mais difícil, cara e arriscada, como, por exemplo, nas águas profundas da Costa do Golfo, do Brasil e das bacias da África Ocidental, em algumas regiões da Europa Central, notadamente no Cazaquistão e no Mar Cáspio, na Sibéria e, mesmo na América Latina como um todo.

Em resumo, os indicadores disponíveis mostram a existência de importantes volumes de petróleo e de uma elevada capacidade de reposição das reservas consumidas. A commodity continua abundante e oferecida muito embora, provavelmente, nunca mais volte a ser tão barata quanto há pouco tempo. Ressalte-se por outro lado, que esta situação de abundancia admite como pressuposto uma demanda mantida constante nos níveis atuais ou com crescimento futuro relativamente baixo. Um significativo aumento da demanda, pressionando a produção das reservas conhecidas, poderá ser o principal fator de desequilíbrio como veremos adiante.

3. Considerações sobre a demanda

Ressalte-se, em primeiro lugar, que o grosso da atual demanda concentra-se em poucos países, todos desenvolvidos. Os EUA respondem por mais de 25% do consumo, seguidos pela China, com 7,6%, o Japão com 6,8%, a Alemanha e a Rússia com 3,4% cada um, a Índia com 3,1%, a Coréia do Sul com 2,9%, o Canadá com 2,6% e o Brasil com 2,3%. A União Européia (15 países) responde por 17,6% do consumo e os países da OECD com 61,2%.

As variações da demanda registradas na última década apontam claramente para uma estagnação ou até redução da demanda nos países industrializados (desenvolvidos) contra o forte aumento da demanda dos países pobres, em desenvolvimento. Tentando traduzir em outras palavras, nos países ricos, já com elevado consumo, foi possível manter, aumentar relativamente menos ou até reduzir a demanda, com o uso simples medidas de racionalização. Ao mesmo tempo, nos países pobres com grande número de pessoas praticamente excluídas do consumo de energia, sem-energia, praticamente todo e qualquer incremento de renda traduziu-se imediatamente num aumento de demanda.

De fato, no período compreendido entre 1993 e 2003, o aumento do consumo de petróleo dos EUA foi de apenas 16,44% contra 34,19% no Brasil. É óbvio que neste mesmo período o crescimento do PIB brasileiro foi inferior ao do PIB norte-americano. Na Europa, neste mesmo período, o Reino Unido reduziu em 6,9% o consumo de petróleo que ficou praticamente estável na Itália, na França, na Noruega e na Suécia. Na Rússia, por razões muito peculiares, o consumo de petróleo diminuiu neste período, em 33,92% (queda da URSS, redução da máquina bélica, uso do gás natural e exportação de petróleo). Enquanto na Espanha e em Portugal, ainda em fase de industrialização e crescimento dentro do contexto da Europa Ocidental, o aumento de consumo foi respectivamente da ordem de 44% e 37%. Digno de nota é o caso da Alemanha que conseguiu reduzir, entre 1993 e 2003, seu consumo de petróleo em 22%, espelhando os resultados de um bem sucedido programa “verde” de redução e de racionalização do uso de energia.

Ao mesmo tempo, elevadíssimos incrementos da demanda de petróleo foram registrados na China, com 105,35%, e na Índia, com 84,77% espelhando o crescimento de renda destes gigantes em desenvolvimento.

Em termos de grandes regiões, a demanda da América do Norte aumentou apenas em 17%, da América Central e do Sul em 23%, do Oriente Médio em 21%, da Ásia e Pacífico em 41,5% e da África em 24%. A demanda do mundo, como um todo, entre 1993 e 2003, aumentou somente em 17,13%, certamente refletindo a elevada participação e o baixo crescimento da demanda dos paises ricos desenvolvidos. De acordo com cenários traçados pela SHELL (Energy Needs Choices and Possibilities - Scenarios to 2050, Exploring the Future, Global Business Environment, Shell International 2001), e estudos semelhantes realizados pela BP, somente existiria uma relação quase que direta do crescimento do PIB, ou da renda per capita de uma nação, com o aumento de sua demanda energética em paises de baixa renda, subdesenvolvidos. A partir de uma renda de aproximadamente US$ 15,000.00 per capita ao ano esta relação do crescimento econômico com a demanda energética começaria a desaparecer. A partir de uma renda per capita superior a US$ 25,000.00 o crescimento da economia não mais corresponde a comparável crescimento da demanda. Nestes cenários a SHELL apresenta um gráfico onde mostra que enquanto na Índia, na China, no Brasil, na Malásia e na Coréia parece ter se mantido nos últimos anos uma relação quase que direta entre o crescimento do PIB e a demanda de energia primária, esta relação tende a desaparecer em países como o Japão, a Austrália, os EUA e os países da União Européia quando a renda per capita (PIB per capita) atingiu valores acima dos US$ 15,000.00.

Podemos imaginar, numa comparação grosseira, o caso de uma família rica com muitos carros na garagem, uma grande casa cheia de eletrodomésticos, uma piscina aquecida, um barco e um avião. Esta família, já com demanda elevada, não terá mais como aumenta-la, mesmo em caso de elevação da renda. Provavelmente poderá até reduzir seu consumo energético executando simples programas de racionalização. Imaginemos agora, na mesma comparação, mas ao contrário, o caso de uma família de baixa renda, morando numa casa popular com poucos eletrodomésticos, sem carro e até economizando passagens. Neste caso, a cada elevação de renda haverá provavelmente um correspondente aumento da demanda de energia.

Nos países pobres, em desenvolvimento, onde ocorre ainda a mencionada relação direta entre o PIB e o da demanda energética, existe adicionalmente a questão da adversa distribuição da renda. Nestes casos, poderão até ocorrer incrementos no PIB sem correspondente crescimento da demanda de energia, caso estes crescimentos no PIB reflitam quase que unicamente aumento da renda das classes mais favorecidas que, pelos motivos acima expostos, não terão como aumentar ainda mais seu consumo energético. Em resumo, nestes paises em desenvolvimento os mais notáveis crescimentos da demanda nos só ocorreriam quando os aumentos do PIB fossem acompanhados também por uma melhor distribuição de renda para os menos favorecidos.

Outro fenômeno interessante a analisar é a incidência percentual dos custos da energia na renda de ricos e pobres. De acordo com os dados publicados por uma comissão do governo Bush nos EUA (National Energy Policy – Report of the National Energy Policy Development Group, May 2001) que analisou a questão de suprimento de energia, na classe média americana a percentagem da renda despendida com energia que já atingiu 8% nos anos 80 situa-se hoje abaixo de 5%, tendo registrado em 1998 um mínimo da ordem de 3,8%.

Mesmo não dispondo de informações mais concretas sobre esta percentagem de gasto com energia sobre a renda da classe média no Brasil, estimamos que esta deva se situar entre 10 e 15% podendo chegar, em casos extremos, a mais de 50% (caso de uma família de classe média baixa com um carro, mesmo modesto e uma casa relativamente bem equipada). Isto significa que o aumento do preço da energia “pesaria” relativamente bem menos no bolso da classe média dos países ricos do que no bolso da classe média dos países pobres em desenvolvimento.

Durante os anos dos choques (anos 70 e início dos anos 80) os preços do petróleo atingiram valores históricos da ordem de US$ 40.00/bbl que corrigidos a valores atuais corresponderiam a cerca de US$ 70.00/bbl. Em outras palavras, embora em valores históricos os picos recentemente atingidos pelo preço do petróleo tenham sido considerados como recordes estes estão ainda muito longe dos valores reais corrigidos daquele tempo. Com preços tão elevados todos os países industrializados empenharam-se em campanhas de economia e racionalização do uso de energia.

Coincidentemente ou não, também nessa época, década dos 70, surgiriam as primeiras importantes restrições ambientais ao uso da energia, criando forte resistência à utilização dos combustíveis fósseis. Por tudo isso o consumo de energia dos países industrializados caiu tanto em termos absolutos quanto em termos relativos, de consumo per capita. Nos gráficos apresentados pelo mencionado relatório da National Energy Policy, tendo como fonte na EIA, do Departamento de Energia dos EUA, verifica-se que o pico histórico de consumo de petróleo nesse país foi atingido no final dos anos 70 caindo em cerca de 25% no início dos anos 80. A partir daí o consumo cresceu até retornar aos níveis do mencionado pico somente no final do século passado. Da mesma forma o consumo per capita dos EUA que ultrapassara os 31 barris em 1978 caiu cerca de 20% situando-se hoje em torno dos 25 barris. Isto demonstra claramente que na fase de elevados preços de petróleo os norte-americanos aprenderam a economizar e a racionalizar o uso da energia. A partir desta fase conseguiram obter significativas elevações dos níveis de renda per capita sem a correspondente elevação do consumo de energia. Mesmo sem dispor de dados tão detalhados sobre os países da Europa Ocidental e do Japão podemos concluir, através das observadas e mencionadas reduções de consumo registradas na última década, que o mesmo fenômeno teria ocorrido também nos demais países desenvolvidos, em escalas até mesmo muito superiores a dos EUA.

Assim, podemos afirmar que os países desenvolvidos, e somente estes, estriam como que “vacinados” contra a elevação dos preços do petróleo, tanto em termos de peso no bolso dos consumidores quanto na própria capacidade de continuar crescendo em tempos de petróleo caro sem elevar substancialmente a demanda.

4. Algumas considerações sobre o crescimento da população e o consumo

Os dados utilizados nesse nosso exercício foram obtidos no site do Census Bureau dos EUA (US Census Bureau – International Population – Reports WP/02, Global Population Profile: 2002 – US Government Printing Office, Washington, DC – 2004). De acordo com esse trabalho, a população mundial ultrapassou os seis bilhões no ano de 1999. No último ano analisado – 2002 – verifica-se que a população mundial ultrapassava os 6.2 bilhões com o ritmo de crescimento superior a adição de duas pessoas a cada segundo.
Mesmo assim, o ritmo de crescimento já se encontra bem abaixo daquele registrado na década anterior. Em termos absolutos, cerca de 74 milhões de pessoas foram adicionadas à população mundial no ano de 2002 contra cerca de 87 milhões adicionados em cada um dos anos de 1989 e 1990, quando se registrou o pico histórico de crescimento.

Esta queda nas taxas de crescimento da população mundial é atribuída fundamentalmente ao declínio da fertilidade. Em 2002 as mulheres de todo o mundo tiveram em média 2.6 filhos, no seu período fértil de vida, o que representa ainda um nível de crescimento superior ao da taxa de reposição.

Quanto às projeções futuras, apesar de se considerar que em alguns países o nível de fertilidade ainda permanecerá acima da reposição, prevê-se que em termos globais no ano de 2050, a taxa de nascimentos estará abaixo do nível de reposição. Esse fenômeno da diminuição das taxas de crescimento, atribuído principalmente ao atraso na idade de casamento e ao uso generalizado de contraceptivos ocorre de forma bastante seletiva atingindo mais intensamente os países ricos e desenvolvidos e em menor escala os países em desenvolvimento.

O perfil da população mundial previsto para o futuro tenderá a ser diferente do atual com variações nos grupos etários e na proporção entre homens e mulheres, mas o efeito mais dramático será fatalmente o do fantástico crescimento das populações de países subdesenvolvidos quando comprado com as de países desenvolvidos. Em 1950, de uma população mundial total de dois e meio bilhões, 68% correspondia à população dos países em desenvolvimento e 32% à população dos países ricos e industrializados. Em 2002, com uma população mundial ultrapassando os seis bilhões, 80% desse total correspondia aos países em desenvolvimento. No ano de 2050 prevê-se uma população mundial pouco superior aos nove bilhões com nada menos do que 86% correspondente aos países em desenvolvimento.

Apesar da forte incidência de doenças como a AIDS e da violência, espera-se que em 2050 as maiores taxas de crescimento devam ocorrer na porção subsaariana da África que entre 2002 e 2050 deverá praticamente dobrar sua população. A população da Ásia no mesmo período deverá crescer cerca de 37%. Um dos menores crescimentos será o da China com apenas 10%. Mas a Índia apresentará um crescimento relativamente elevado com 55%.

A população da Europa deverá diminuir entre 2002 e 2050 cerca de 3,4 %. A da América do Norte crescerá 44,5% e a da Oceania crescerá 41.6%. A população do Oriente Médio deverá mais do que dobrar elevando-se em 122%. Finalmente a população América Latina e Caribe deverá se elevar entre 2002 e 2050 em 45,3%. A população do Brasil que em 2002 era de aproximadamente 180 milhões de habitantes deverá atingir em 2050 os 228,5 milhões com crescimento da ordem de 27%. A população do mundo deverá aumentar em cerca de 46%.

É interessante observar que o consumo per capita do mundo continuou praticamente estável entre 1992 e 2003, variando apenas de 4.64 bbl/pc (barris per capita ano) em 1992 para 4.67 bbl/pc em 2003. Os valores mais elevados de consumo per capita de petróleo no período foram de 4.71 bbl/pc em 1997, 4.72 bbl/pc em 1999 e 4.71 bbl/pc no ano 2000. De qualquer forma é impressionante observar a uniformidade desse valor no período.

Quanto às grandes regiões o consumo per capita da Europa (incluindo a Europa Ocidental, Central e Oriental) diminuiu de 9.6 bbl/pc para 8.69 bbl/pc. Da África permaneceu praticamente estável num valor bastante insignificante de 1.33 bbl/pc. Na Ásia Central o consumo per capita variou de 6.24 para 2.55 bbl/pc. No Médio Oriente ficou praticamente estável em torno de 10 bbl/pc. Em termos mundiais os países considerados desenvolvidos mantiveram um consumo per capita da ordem de 17 bbl contra 2 bbl/pc dos países em desenvolvimento e 4.4 bbl/pc das chamadas economias em transição.

Atualmente os maiores índices de consumo per capita são dos EUA (25.46 bbl), do Canadá (24.80bbl), da Arábia Saudita (24,26bbl), da Holanda (20.50 bbl), da Coréia do Sul (16,73 bbl), da Austrália (16.13 bbl), do Japão (15.53 bbl), Taiwan (15.10 bbl), da Espanha (13,22 bbl), da França (12.59 bbl), da Alemanha (11.65 bbl) e da Itália (11.55 bbl).

O consumo per capita do Brasil é da ordem de 4.32 bbl e foi de apenas 3.66 bbl em 1992. É interessante observar que a atual condição de auto-suficiência será atingida em breve com níveis tão baixos de consumo per capita que espelham tanto a baixa renda per capita quanto uma perversa distribuição de renda. Atingiremos, pois, uma condição de auto-suficiência com uma boa parte da população formada por sem-energia. Imaginando-se o Brasil com as mesmas condições econômicas de um país como a Espanha ou a Itália, a demanda de petróleo deveria ser da ordem de 6 milhões de barris por dia, três vezes mais da nossa atual demanda. A quantidade de petróleo hoje disponível pra suprimento não seria suficiente para atender tal desenvolvimento de um país como o Brasil e muito menos de países como a China ou a Índia. O consumo per capita da China evoluiu entre 0.83 bbl/pc em 1992 para apenas 1.55 bbl/pc em 2003 o que significa que apesar do significativo crescimento ainda se situa a menos da metade do consumo per capita do Brasil. Da mesma forma o consumo per capita da Índia evoluiu entre 0.53 bbl em 1992 para 0.79 bbl em 2003 situando-se hoje num nível equivalente a metade do da China.

5. Conclusões

1. Tudo indica que está sendo delineado um novo patamar dos preços do petróleo por ora em torno de US$ 40.00/bbl com tendências a se elevar mais ainda.
2. As oscilações de curta duração do preço do petróleo continuarão ocorrendo ao sabor dos impactos positivos e negativos do noticiário internacional. No entanto, a tendência altista deverá permanecer.
3. A primeira causa dessa elevação parece relacionar-se fundamentalmente ao medo generalizado de desabastecimento dos países ricos desenvolvidos assim como a profunda crise que está se configurando no Oriente Médio sem visualização de soluções definitivas em curto prazo.
4. A despeito dessa tendência altista o petróleo continua relativamente abundante e oferecido. As reservas atuais são suficientes para manter a atual produção durante mais de 40 anos e o nível de reposição das reservas é bastante satisfatório. As reservas mundiais poderão se elevar substancialmente caso as majors consigam investir em projetos de E & P na maioria dos principais países produtores.
5. A demanda dos países desenvolvidos está praticamente contida aos níveis atuais e não mais cresce numa relação direta com o crescimento do PIB.
6. A demanda dos países em desenvolvimento está crescendo numa relação direta com o crescimento da economia. Nos últimos 10 anos este crescimento foi superior a 105% na China, superior a 84% na Índia e 34% no Brasil. Ao persistir o processo de desenvolvimento e industrialização somente desses três gigantes a relação suprimento x demanda de petróleo no mundo poderá vir a se desestabilizar.
7. Nos estudos disponíveis sobre a evolução demográfica futura, verifica-se que, apesar dos esforços realizados em todo o mundo para o controle de natalidade, nas próximas décadas haverá uma contenção e mesmo redução relativa da população rica desenvolvida contra um forte aumento da população subdesenvolvida. Mesmo com a manutenção dos atuais baixos níveis de consumo per capita desta população mais pobre a pressão sobre a demanda será significativa. Caso esta população subdesenvolvida apresente, mesmo que em parte, elevadas taxas de crescimento econômico os reflexos sobre a demanda de petróleo no mundo seriam desastrosos para os atuais níveis de suprimento.
8. Nos países ricos e desenvolvidos o dispêndio com energia da população atinge somente cerca de 4 a 5% da renda da classe média, com tendência a diminuir, pois ao crescimento do PIB desses países não corresponderá igual crescimento do consumo de energia.
9. Nos países pobres e em desenvolvimento o dispêndio com energia da população atinge 10 a 15% do rendimento da classe média, com tendência a se elevar. 10. A manutenção de níveis elevados dos preços do petróleo impede a elevação da demanda dos países em desenvolvimento sem pesar muito no bolso dos países desenvolvidos, já “vacinados” para esta circunstância de mercado.
11. Ao mesmo tempo, esta manutenção de preços elevados, favorece a utilização de algumas fontes alternativas de energia e, sobretudo, supre as majors com os recursos necessários para investir maciçamente nos projetos de E & P de elevado risco em todo o mundo. Como conseqüência as reservas mundiais deverão se elevar substancialmente, tanto pelas novas descobertas quanto, e principalmente, pelo aumento do fator de recuperação dos velhos campos viabilizado por preços convenientes do petróleo.
12. Apesar da proximidade de uma eleição presidencial nos EUA, ainda não podemos vislumbrar qual o papel desse evento no tabuleiro de xadrez do mercado internacional do petróleo.
13. Parece bastante evidente nesse momento que a elevação dos preços do petróleo interessa à manutenção dos atuais níveis de abastecimento dos países industrializados.
14. O Brasil se encontra hoje em posição relativamente cômoda face à produção nacional de petróleo e à existência de numerosas fontes alternativas, como o gás natural, o álcool, o biodiesel, etc...
15. A administração dos preços dos derivados ora praticada no Brasil por interesses políticos do Governo está impedindo que a Petrobrás, e outras empresas que operam no Brasil tirem vantagem da presente elevação dos preços do petróleo inclusive para obter o capital necessário aos projetos de E & P no Brasil e conseqüente aumento das reservas e total eliminação da dependência externa.
16. Além dos mencionados prejuízos dessa administração de preços ao suprimento energético nacional futuro está sendo prejudicados os acionistas institucionais e privados da Petrobrás.
17. Um crescimento, sustentado no longo prazo, da economia brasileira seria capaz de provocar um aumento da demanda suficiente para pressiona significativamente o contexto internacional de suprimento dos países desenvolvidos, a não ser que seja possível obter estes volumes de petróleo do próprio subsolo nacional. Para isto, e desde já se necessitam elevados investimentos para os projetos de E&P no Brasil.
18. Em resumo, cremos que os preços do petróleo continuarão em patamar elevado simplesmente porque isto convém à manutenção do suprimento e contenção da demanda, particularmente dos países em desenvolvimento.

Artigo publicado, dia 6 de agosto de 2004, no Portal Petróleo e Gás de O Globo On Line (http://www.oglobo.com.br/petroleo).

*Geólogo, Pesquisador Visitante da COPPE – UFRJ (ANP – PRH 02).