/Uma Proposta para a Crise Elétrica e Furnas

Data: 
26/05/2000
Autor: 
*Luiz Pinguelli Rosa

O Brasil está entrando em uma crise de energia elétrica e já se prepara um plano de cortes seletivos por áreas. Haverá racionamento. Os investidores privados não tomaram a iniciativa no setor elétrico. As empresas geradoras estatais a espera de serem privatizadas foram proibidas de investir e de alavancar recursos, em decorrência de uma política econômica, hoje condenada até pelo novo presidente do FMI. Parcerias poderiam ser feitas, como em Serra da Mesa, por Furnas, cujo presidente, Luiz Carlos Santos, declarou que a empresa poderia investir R$ 20 bilhões nos próximos anos.

O programa de termelétricas, relançado, é uma confissão do fracasso da privatização do setor elétrico. O governo será obrigado a financiar grande parte do investimento, garantir a compra da energia e se comprometer a aumentar a tarifa para o consumidor. Estas são as condições dos investidores estrangeiros A tarifa elétrica residencial chega a 230 R$/MWh, superior a de vários países desenvolvidos. Entre 1993 e 1996 subiu de mais de 50% com o Real constante, para a privatização das distribuidoras elétricas, cujos lucros previstos ultrapassarão 15 bilhões de reais.

O "blackout" em março de 1999 foi um sintoma. A desculpa de que um raio caiu sobre uma subestação de transformadores em Bauru tinha pernas curtas. Nenhum raio fora detectado a menos de 50 km de Bauru. O ONS foi o bode expiatório, mas o sistema caiu porque está operando em situação precária, com falta de potência instalada pois não foram feitos os investimentos necessários em novas usinas. O risco de déficit subiu de 5% para 10% e vai disparar. Os níveis da água nas hidrelétricas caíram abaixo do indispensável para permitir a operação com risco aceitável, obrigando a operá-los à exaustão. Estão piores do que no início de 1999. As barragens foram projetadas para acumulação plurianual de água, de modo a compensar os períodos secos e dar estabilidade ao sistema interligado. Não é verdade que fossem necessárias termelétricas para compensar o ciclo hidrológico, embora elas possam fazer a complementação térmica já que se abandonaram as hidrelétricas. O investimento nestas é maior mas em geral o custo da energia é menor, pois independe do combustível cujo preço é repassado ao consumidor na tarifa. Com o gás natural a 2,2 US$/Mbtu o custo da energia termelétrica será maior que o custo de referência máximo da Aneel, que era de R$ 57/MWh e passou a R$ 65/MWh. Furnas gera a um custo médio de 20 R$/MWh e vende a 35 R$/MWh incluindo a geração e transmissão. A desvalorização cambial em 1999 inviabilizou o gás natural pago em dólares e vinculado ao preço do óleo, que aumento.

Perdeu-se a otimização energética. Aliás, o relatório da Coopers and Lybrand para privatização da geração elétrica esquecera que o Brasil tem 95% de geração hidrelétrica, que tem de ser otimizada. Privatizar Furnas significa insistir nestes erros. Uma vez privatizada os grupos compradores buscarão maximizar o preço da energia pelo custo marginal de expansão dado pelas termelétricas de energia mais cara. Contabilizando no fluxo de caixa descontado este preço futuro, caríssimo, da energia e o custo zero de geração pelas usinas amortizadas, o preço de Furnas inviabilizará sua venda. Vender sem contabilizá-lo será um escandaloso presente do governo a algum grupo estrangeiro. Até mesmo a Iberdola, que comprou distribuidoras elétricas no Brasil, manifestou -se contra isto, além do ex-presidente do BNDES Andrea Calabi.

É hora de parar e pensar. O programa de termelétricas não resolverá a crise pois só ficarão prontas daqui a três anos. Com poucas exceções, como a da Petrobrás, estatal, as empresas não iniciaram nada para valer. Uma proposta pode incluir: Estímulo e financiamento da geração elétrica a gás natural distribuída nas industrias, shoppings, supermercados e até em pequenas empresas usando cogeração e microgeradores que podem ser instalados em qualquer lugar; Conservação de energia, racionalização e eficiência energética com metas de curto prazo, usando o PROCEL; Energias alternativas, como bagaço de cana, biogás de lixo urbano, eólica, solar, de uso imediato onde for possível, usando o CEPEL e as universidades para apoio; Reequacionar o preço de gás importado e da energia elétrica da Itaipu binacional; Suspensão da venda de Furnas, usando-a para viabilizar um mix de custos de geração com um custo médio suportável, fazendo o mesmo com a CHESF e a Eletronorte.

Com estas premissas, pode-se buscar viabilizar as termelétricas que ficarão prontas após três anos, mas sem abandonar os projetos hidrelétricos melhores. Resolvida a crise poder-se-á rediscutir a privatização de Furnas em novos termos. No modelo francês um núcleo duro é fixado no acordo de acionistas. Poder-se-ia manter o controle nacional e o caráter de empresa pública, com o Estado associado a empresas privadas, Fundos de Pensão, sindicatos e associações de empregados e consumidores?

*Instituto de Mudanças Globais - COPPE/ UFRJ