Especialistas criticam política do governo para o petróleo

Planeta COPPE / Notícias

Data: 25/09/2018

Professores e especialistas debateram na Coppe/UFRJ, dia 18 de setembro, a política do país para o petróleo suas consequências para o financiamento da Educação, da Ciência, da Tecnologia e da Saúde. No momento em que a produção de petróleo das reservas oriundas do pré-sal alcança 55% do total de petróleo extraído no Brasil, houve consenso entre os palestrantes que as mudanças promovidas pelo atual governo nas regras de licitação e na política de conteúdo local, aliadas ao Teto de Gastos, colocam em risco o desenvolvimento autônomo do país.

Promovido pela reitoria da UFRJ e pelo Fórum de Ciência e Cultura, o evento “Política do Petróleo, Educação, Ciência, Tecnologia e Saúde” contou com a participação do reitor da UFRJ, professor Roberto Leher; do diretor de Relações Institucionais e professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe, Luiz Pinguelli Rosa; dos professores do Instituto de Economia (IE/UFRJ), Eduardo Costa Pinto e Esther Dweck; do vice-diretor do Instituto de Energia e Meio Ambiente da USP, professor Ildo Sauer; do diretor de Formação da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Arthur “Bob” Raguso; e do geólogo Guilherme Estrela, ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras.

Segundo o professor Eduardo Costa Pinto, do Instituto de Economia (IE/UFRJ), estudos feitos por pesquisadores da Uerj estimam a existência de 176 bilhões de barris de petróleo em reservas não provadas. Na atual cotação, isso equivale a 13,5 trilhões de dólares, ou nove vezes toda a riqueza que o Brasil produz em um ano.

“Os custos de extração do pré-sal estão em torno de sete dólares o barril, dependendo do poço. O chamado break event – o preço médio da cotação do barril tipo Brent, a partir do qual a exploração econômica se viabiliza – está entre 30 e 40 dólares (há outros custos operacionais além do custo de extração). Com a cotação de 77 dólares, o excedente varia entre 37 e 47 dólares. O pré-sal é uma fronteira produtiva importante e com custos decrescentes”, explicou o economista.

A comprovada abundância e viabilidade econômica das reservas do pré-sal não foi, contudo, um consenso no debate. Em grande parte, segundo os palestrantes, devido a um processo de rediscussão do tamanho e do papel do Estado, incentivado pela grande mídia. “Os meios de comunicação exercem uma hegemonia ideológica no debate sobre o pré-sal. Primeiro, tentaram desacreditar sua importância, depois lutaram para alterar a já frágil estrutura regulatória”, criticou Ildo Sauer, vice-diretor do Instituto de Energia e Meio Ambiente da USP.

Quem é o dono do petróleo?

O sentimento é compartilhado pela professora Esther Dweck, do Instituto de Economia da UFRJ. “Liberais estavam envergonhados com suas opiniões. Mas desde 2016 há uma estratégia liberalizante posta de uma maneira muito mais ampla, para rediscutir o papel do Estado, e a gente vê isso de maneira muito clara no atual debate eleitoral”, reforça a professora.

Para Ildo Sauer, há três pontos de vista principais no debate público acerca do petróleo. “O que tem prevalecido é a necessidade da Petrobras atender aos interesses de seus acionistas. O que é legítimo, ninguém nunca pensou em queimar capital, muito pelo contrário. Outra concepção é subsidiar consumidores. Esse é o ponto de vista que os caminhoneiros apresentaram na greve. O outro ponto, que mais me interessa, é saber quem é o dono do petróleo. A Constituição diz que é o povo, aquele que marchou para construir a Petrobras. O petróleo tem um papel histórico na elevação da produtividade social do trabalho e na geração de excedente econômico”.

O papel histórico da Petrobras foi destacado por Arthur “Bob” Raguso, diretor de Formação da Federação Única dos Petroleiros (FUP), que lembrou que, diferentemente de outras companhias, a Petrobras é fruto de campanha de mobilização popular, e colocou para si mesma o desafio de ser a quinta maior empresa de energia do mundo. “Do poço ao posto, do poço ao poste (setor termelétrico) e do poço ao pasto (fertilizantes nitrogenados)”, relembrou Arthur.

“Em 2015 tivemos enfrentamento muito grande contra o projeto do senador José Serra (Lei 13.365/2016, que revoga a obrigatoriedade da participação da Petrobras na exploração do petróleo da camada pré-sal). Este só conseguiu tramitar após o impeachment. É a primeira conquista desse grupo antipetista, o qual chamamos de golpista. É a primeira fatura do golpe. Depois, o Pedro Parente assume a presidência da Petrobras e institui uma política de preços que é uma verdadeira sabotagem, pois facilita para os importadores e para as refinarias americanas. Hoje, o plano de negócios diz que a empesa deve focar em óleo e gás e deve ser lucrativa para os acionistas. Perdeu-se o conceito de empresa integrada de energia”, contextualizou.

A crítica é corroborada pelo diretor de Relações Institucionais e professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe, Luiz Pinguelli Rosa, que relembrou que o novo Plano de Negócios e Gestão da Petrobras prevê a retirada integral da companhia do setor de biocombustíveis. “Todas as empresas do setor estão investindo em energia renovável. A própria Shell adquiriu participação na Cosan e na Raizen. A British Petroleum criou o programa Beyond Petroleum (Para além do petróleo). A Statoil mudou o nome para Equinor. Estamos na contramão da história”, alertou Pinguelli.

“O atual governo aumentou os preços dos derivados no mercado interno, o que estimulou a importação e levou as refinarias nacionais a terem 25% da capacidade ociosa, chegando a 500 mil barris por dia. O consumo de derivados de petróleo aumentou em velocidade maior do que a expansão da capacidade de refino da Petrobras. Com a crise da empresa, a situação piorou”, lamentou o professor Pinguelli.

Pré-sal, pesquisa e desenvolvimento

O reitor da UFRJ, professor Roberto Leher ressaltou que a política do petróleo e o protagonismo da Petrobras nesta política são elementos cruciais da política de ciência e tecnologia do país e da sua inserção na economia global. “Somos um país que se insere geopoliticamente com produtos de muito baixo valor agregado, desconectado das cadeias de valor global. Com isso, nós temos um cenário muito preocupante. Pois isso envolve soberania e projeto de nação. Como projetamos o futuro. Os EUA estão aplicando 530 bilhões de dólares (177 bilhões em dinheiro público) em pesquisa e desenvolvimento. A China, 280 bilhões de dólares. O Japão, 202 bilhões (equivalente 4% PIB). A Alemanha, 105 bilhões. Nós não passamos de dois bilhões de dólares”, criticou Leher.

Na avaliação do reitor da UFRJ, a Petrobras é uma empresa “que está na base da nossa economia, da nossa soberania, e as interconexões com as pesquisas tecnológicas em nossas universidades. Fundamental para o país contrarrestar essa tendência de brutal simplificação produtiva e desconexão das cadeias globais de valor”.

Para o geólogo Guilherme Estrela, ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras, o pré-sal dá a base energética para que seja feito um projeto de país. “É um problema ideológico, ético e político para superarmos todas as nossas dificuldades e nos tornarmos um país soberano. Somos a nona maior economia do mundo e temos o 50º maior consumo per capita de derivados de petróleo. Somos um país rico com um povo pobre. Mas, estamos sob um governo de ocupação estrangeira, esse governo é caudatário de interesses estrangeiros. Temos um dilema à nossa frente: sermos um país soberano ou submisso. Devemos anular tudo que foi feito pelo governo ilegítimo. Não é válida a compra do que é fruto de roubo e soberania não se vende, não importa o preço”, afirmou.

Concomitante à preocupação com a destinação dos recursos oriundos da exploração do petróleo está a discussão acerca do novo regime fiscal, que indexou o gasto público à inflação do ano anterior, instituindo o que a professora Esther Dweck chamou de “teto declinante dos gastos”, que prenuncia que em um futuro próximo o governo desembolse menos com Educação e Saúde do que o piso estabelecido pela Constituição.

“O gasto com Educação tem sido acima dos 18% (dos recursos orçamentários), mas com a correção apenas da inflação. A previsão é que o montante sofra cortes em termos nominais, já no próximo orçamento. Quando descobrimos essa grande riqueza, e discutimos como esses recursos poderiam ser o nosso passaporte para um futuro de nação, pensamos em um valor complementar ao que já era gasto com Educação. Mesmo que venhamos a ter uma exploração mais adequada do pré-sal, com a Emenda constitucional 95, não temos a garantia de que esses fundos servirão para ampliar o orçamento da Educação. Ocorrerá a simples troca de fontes orçamentárias”, previu a economista.

O evento contou com apoio do Diretório Central dos Estudantes (DCE Mário Prata); da Seção Sindical dos Docentes da UFRJ (Adufrj) e do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (Sintufrj).