Universidade debate teto declinante de gastos e adverte para ameaça de retrocesso na Educação e nos setores públicos

Planeta COPPE / Notícias

Data: 21/08/2018

Em debate realizado, dia 8 de agosto, no auditório da Coppe/UFRJ, representantes de Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) apresentam um prognóstico alarmante, porém realista, para o ensino superior em função da adoção do chamado “teto de gastos” das despesas primárias do orçamento federal. Promovido pela Pró-Reitoria de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças (PR3) da UFRJ, o debate teve como tema “Financiamento das IFES e os reflexos da Emenda Constitucional 95. Como consolidar a expansão do ensino superior?”

O evento contou com a presença do reitor da UFRJ, professor Roberto Leher; o professor Poty Rodrigues de Lucena, pró-reitor de Planejamento da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB); e a professora Esther Dweck, do Instituto de Economia (IE/UFRJ).

Aprovada em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional n° 95 (EC 95/2016), estabelece o Novo Regime Fiscal, também conhecido como “teto de gastos”, pelo qual as despesas primárias do orçamento federal ficarão limitadas à variação inflacionária, durante 20 anos.

Segundo a professora Esther Dweck, as despesas primárias do governo federal alcançaram 19,84%, em 2017. “Supondo um crescimento do PIB de 2% ao ano, que é um patamar baixo, a projeção indica que esse montante cairá para 15,9 % em 2026, e para 12,42% em 2036. É um teto declinante de gastos, não é congelamento. Os gastos vão cair, ano a ano, em proporção do PIB”, explicou.

Na avaliação de Dweck, a emenda leva a economia a um círculo vicioso de baixo crescimento e consequentemente de baixa arrecadação tributária. “Estamos fazendo a pior política fiscal possível. O argumento é o problema fiscal, mas o objetivo real é a redução do papel do Estado na Educação. Ela não é apenas uma política econômica equivocada. É a constitucionalização desse equívoco. É muito mais do que um novo regime fiscal, é um novo projeto de país”, criticou a docente do Instituto de Economia.

Segundo a professora da UFRJ, a implementação do Novo Regime Fiscal resulta de um diagnóstico errado – pois, em sua opinião, o maior problema do país é o baixo crescimento e não a situação fiscal – e de uma premissa igualmente equivocada, de que o nível de emprego deve depender exclusivamente do nível de confiança dos empresários.

Antes da aprovação da EC 95, o governo federal tinha como gasto mínimo com Educação 18% da receita corrente líquida (RCL). A partir de 2018, esse montante será corrigido apenas pela inflação (IPCA). “À medida que a economia volte a crescer, o gasto em Educação ficará abaixo da RCL. Como Educação e Saúde detêm as maiores verbas discricionárias dentro do orçamento da União, são as pastas nas quais há mais espaço para cortes. O Novo Regime Fiscal poderia ter sido aprovado por lei complementar. Foi passado como emenda constitucional, justamente para cortar verbas da Educação e da Saúde para abaixo do mínimo”, avaliou a professora.

Esther Dweck defendeu que a sociedade se mobilize contra o teto de gastos, pois ele traz uma ameaça de retrocesso não somente para a Educação, mas para todos os serviços públicos, e destacou que há ações diretas de inconstitucionalidade em tramitação no STF contra a EC95, pois a Constituição veda retrocesso na área social. “Em nossas análises, precisamos mostrar o pessimismo da razão e destacar as possíveis consequências desastrosas. É importante que, além das ações impetradas junto ao Supremo, a sociedade discuta a convocação de um referendo revogatório”, complementou o reitor Roberto Leher.

Estado realiza reforma à revelia da sociedade

De acordo com o reitor Roberto Leher, o montante de recursos efetivamente empenhados para a UFRJ chegou a 430 milhões de reais em 2016. Este ano, são apenas 344 milhões de reais liberados de um total de 380 milhões previamente orçados. “No orçamento de 2018, temos seis milhões de reais para investimentos. Isso não é nada. Não paga a manutenção vegetativa (conservação da estrutura) da universidade”, lamentou.

Segundo o professor Leher, a UFRJ perdeu 70 milhões de reais de seu orçamento em 2014 e 50 milhões em 2015. “Mas, era contingenciamento, não era um corte na própria lei orçamentária anual (LOA). Isso é importante destacar. A lei mantinha um estoque de recursos potencial para a universidade. Que não se realizava, é verdade. Mas a lei mantinha, potencialmente, um crescimento de recursos. Agora a lei reduz esses recursos”, comparou o reitor.

“A EC 95 está se provando uma reforma não consentida do Estado. É a desconstitucionalização das verbas para Saúde e Educação. Nós estamos em um quadro orçamentário, no qual operamos com déficit de 150 milhões de reais, e que não decorre de elevação de gastos nem da ausência de cortes de despesas”, alertou o reitor Roberto Leher.

Segundo o professor Poty de Lucena, os recursos destinados às instituições federais de ensino superior saíram de 25 bilhões de reais, em 2011, para 46 bilhões em 2017, mas enquanto as despesas com pessoal e custeio cresceram de maneira constante, os dispêndios com investimentos caíram a partir de 2014.

“Caso a EC tivesse aprovada em 2008, as verbas destinadas à Educação e Saúde, em 2016 – que atingiram 165 bilhões de reais – teriam alcançado apenas 117 bilhões de reais, o que dá a dimensão da gravidade do problema pelo qual estaríamos passando. Mesmo que o Brasil volte a crescer significativamente, não poderemos investir em Saúde e Educação nas dimensões necessárias à promoção do bem-estar social”, enfatizou o pró-reitor de Planejamento da UFOB.

Retrocesso na Educação e em todos os setores públicos

Na avaliação do reitor Roberto Leher, há alternativas ao corte draconiano de despesas, sobretudo se o governo não mais abrir mão de suas receitas. Como exemplos, o reitor citou o último Programa de Recuperação Fiscal (Refis), pelo qual a União deixou de arrecadar 176 bilhões. Além disso, segundo o Tribunal de Contas da União, o governo federal deixará de arrecadar, em 2019, 303 bilhões de reais, o equivalente a 4% do PIB, somente em renúncia fiscal.

“O estancamento brutal de investimentos sequer permite a manutenção do aparato técnico-científico do Estado. O governo deve ter capacidade de investimentos em C&T. Qualquer país com desenvolvimento científico relevante tem grande aporte de recursos públicos, inclusive a fundo perdido, como são os investimentos em tecnologia militar nos EUA. Estamos em descompasso com o que é feito no mundo. A ideia de encolher o Estado para arejar o mercado é algo que não encontra lugar na história econômica”, avaliou professor Leher.

“O economista polonês Michal Kalecki já dizia em sua obra “Aspectos Políticos do Pleno Emprego”, que o Estado pode sim garantir o pleno emprego. Mas, uma vez empenhado em fazer isso, despertaria forte reação, que o limitaria em duas de suas principais atribuições: a redistributiva e a estabilizadora”, citou a professora, que recomendou, ao público presente no auditório, a leitura do estudo “Austeridade e Retrocesso – Impactos da política fiscal no Brasil”, por ela coordenado, que foi lançado no dia 7 de agosto, em audiência pública  na Comissão de Direitos Humanos do Senado.

O professor Poty de Lucena lamentou que, em sua visão, o Estado esteja “nas mãos” do capital especulativo. “É o Estado pela lógica do credor. É como colocar o agiota para pagar suas contas e controlar os seus gastos”, criticou. Em meio ao desalento provocado pelo cenário adverso, Poty encerrou a sua fala relembrando o fundamental papel da Universidade, nas palavras de um dos maiores educadores do país, Anísio Teixeira:

“A vida humana é, sobretudo, a sublime inquietação de conhecer e de fazer. É essa inquietação de compreender e de aplicar que encontrou afinal a sua casa. A casa onde se acolhe toda a nossa sede de saber e toda nossa sede de melhorar, a Universidade”.

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