Juristas criticam impeachment da presidente da República em debate na Coppe
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Data: 05/04/2016
A Coppe/UFRJ promoveu na quarta-feira, 30 de março, o debate “Coppe em defesa da democracia”, que reuniu especialistas na área de direito sobre o processo de impeachment da Presidente República. Com críticas em relação à atuação da mídia e do Judiciário – que teriam tomado o papel de oposição ao governo em lugar dos partidos políticos oposicionistas, acuados por serem igualmente alvos de denúncias e investigações – os palestrantes foram unânimes no entendimento de que, não obstante impeachment seja um instrumento democrático, não há crime de responsabilidade que possa ser atribuído à presidente Dilma Rousseff.
Participaram da mesa de debate o vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Rio de Janeiro (OAB-RJ), Ronaldo Cramer; o professor da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, Geraldo Prado; e a presidente da Seção Sindical dos Docentes da UFRJ (Adufrj), Tatiana Marins Roque. O debate foi mediado pelo diretor de Relações Institucionais da Coppe, professor Luiz Pinguelli Rosa.
Na avaliação do jurista e ex-desembargador, professor Geraldo Prado, não há na conduta da presidente a caracterização clara do tipo penal, delimitado em lei. “Impeachment é um instrumento democrático, quando segue o que determina a Constituição Federal. Não é o caso, pois não há tipicidade para responsabilizar a presidente. É muito sério jogar uma pá de cal na vontade popular. Como dizem os portugueses: ‘com a verdade me enganas'”, analisa Prado.
O argumento de Geraldo Prado é endossado pelo vice-presidente da OAB-RJ, Ronaldo Cramer, para quem os crimes de responsabilidade são tipos legais “muito fechados”, cuja compreensão é quase literal. “O entendimento (destes crimes) não permite muita subjetividade. E, se há dúvida, que se respeite o voto popular”, enfatiza.
Na avaliação de Cramer, a crise política em curso sangra alicerces importantes da democracia contemporânea: o voto (ameaçado pelo processo de impeachment); as garantias processuais civis e penais (pelas operações judiciais) e o espaço de debate (pela concentração e partidarização da mídia). “O Direito é uma integralidade. Qualquer recuo nos direitos e garantias fundamentais não ficará restrito a um episódio. Isso vai alterar a jurisprudência e será ruim para todos”, avalia o vice-presidente da OAB-RJ.
Críticas ao Conselho Federal da OAB
Também foi alvo de críticas a decisão do Conselho Federal da OAB de protocolar um novo pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no dia 18 de março, com a aprovação de 26 das 27 bancadas de conselheiros, que representam as seccionais de cada estado da federação (somente os representantes da seccional do Pará votaram contra), e o pedido foi protocolado no dia 28 de março.
Na ocasião, o presidente da OAB, Claudio Lamachia, afirmou que a decisão demonstrava a união da advocacia em torno do tema e que demonstrava o compromisso da Ordem com a democracia. O relatório escrito pelo conselheiro Erick Venâncio, e aprovado pelo Conselho, embasou o pedido de impedimento em alegadas infrações à Lei Orçamentária e de Responsabilidade Fiscal, além de suposta tentativa de obstrução à Justiça, e indicou que nenhuma informação proveniente das interceptações telefônicas determinadas pelo juiz Sérgio Moro teria sido considerada.
Apesar do voto favorável de seus representantes, a OAB-RJ havia se posicionado publicamente contra o processo de impeachment. Cramer aproveitou a ocasião para explicar a aparente contradição. “A OAB-RJ se colocou contra o impeachment. No entanto, os representantes da seccional no Conselho Federal da Ordem contrariaram a orientação que receberam, e, de maneira inexplicável, votaram a favor”, esclareceu Cramer, que não considera a seccional como tendo uma postura dissidente. “É a OAB federal que se colocou de maneira dissidente em face de sua história”.
Geraldo Prado também não poupou críticas à decisão da Ordem. “A OAB federal usa elementos obtidos criminosamente para apear uma presidente da República. Isso é uma vergonha em qualquer lugar do mundo. A Ordem protagonizou um episódio ridículo”, reprova o professor.
Na avaliação de Prado, o novo pedido de impeachment parte da consciência de que o 1º pedido (formulado pelos juristas Helio Bicudo e Janaína Paschoal) é improcedente. “Pior ainda, esse segundo pedido se funda em provas obtidas ilicitamente”, critica o jurista.
Reação às políticas de esquerda
Na avaliação de Tatiana Roque, presidente da Seção Sindical dos Docentes da UFRJ (Adufrj) e professora do Instituto de Matemática (IM-RJ), o que está por trás do pedido de impeachment é a criminalização da política econômica e da política fiscal dos últimos governos.
Tatiana acredita que os indícios dessa reação estejam explícitos no documento “Uma ponte para o futuro”, apresentado pelo PMDB. “Na verdade está mais para ‘Uma ponte para o abismo’. É assustador. Na verdade, nem parece ter sido feito pelo PMDB, está muito bem feito para o padrão deles. Parece ter sido feito por economistas liberais, provavelmente do Insper”, avalia.
De acordo com a presidente da Adufrj, as propostas do plano pemedebista tiram poder do presidencialismo e reduzem a discricionariedade da ação do chefe de governo, em prol da ortodoxia liberal. “Não estou dizendo que a política econômica atual seja boa. Mas, as propostas encampadas pelo PMDB desvinculam receitas que devem ser destinadas à Saúde e à Educação. A visão desse grupo é que a universidade deva ser paga por quem possa pagar. Um modelo de política e economia baseado na solidariedade, e não na concorrência, está sob ataque”, alerta a docente.
“Não estou otimista. Acho que as forças da ortodoxia são ainda mais fortes do que imaginamos. Quando lemos esses documentos vemos que são pessoas muito articuladas, muito competentes, com produção de artigos para think tanks (instituições dedicadas a difundir conhecimento específico de modo a pautar o debate político em torno dessas ideias), sendo capazes de influenciar mídia, Judiciário e opinião pública”, lamenta a professora.
O argumento de Tatiana foi reiterado pelos demais debatedores. Citando pesquisa feita pelo grupo de estudos “Matrizes Autoritárias do Processo Penal Brasileiro”, o qual coordena, o professor Geraldo Prado relatou que houve 22 casos de impeachment na América do Sul. “A sua maioria, com o impedimento de governos populares, de esquerda. Isso é uma fenomenologia”, observa o ex-magistrado.
Para Ronaldo Cramer, o Judiciário e a grande imprensa assumiram o papel oposicionista que caberia à política partidária. “A oposição está agachada, se vê sem legitimidade, até porque também está implicada em denúncias e investigações. Por isso, o Judiciário entra em cena, inflamado pela mídia, em um jogral, no qual ambos se alternam no ataque ao governo. Essa é a oposição à democracia”, critica o vice-presidente da OAB-RJ.
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