As vulnerabilidades às mudanças climáticas das energias renováveis
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Data: 30/05/2008
As mudanças climáticas colocarão o sistema energético brasileiro em xeque. O alerta é dos pesquisadores do Programa de Planejamento Energético da COPPE Roberto Schaeffer e Alexandre Salem Szklo, coordenadores de estudo inédito, recentemente concluído, no qual apontam os impactos que o aquecimento global e as conseqüentes mudanças no clima terão sobre as fontes renováveis de energia no Brasil.
O trabalho constata que há vulnerabilidade na produção de energia de Norte a Sul do Brasil, seja a partir da água, dos ventos, da mamona ou da soja. “Em função do clima, toda a produção de energia vinda das fontes renováveis, salvo a oriunda de cana-de-açúcar, será menor. Por ser um país tropical, o sistema energético do Brasil será um dos mais afetados do mundo. O potencial de produção de algumas fontes cairá mais do que o de outras, porém, mais importante do que os números é o sinal amarelo que se acende, demonstrando que nossos modelos de projeção levam em consideração um clima que não se repetirá nos próximos 50 ou 100 anos. Isso precisará ser revisto”, diz Schaeffer.
O estudo mostra como o sistema energético brasileiro planejado para 2030 pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) responderá às novas condições climáticas projetadas para o período que vai de 2071 a 2100, tomando como base os cenários A2 (emissões altas) e B2 (emissões baixas) do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), da ONU.
O que se vê é um cenário de queda generalizada na produção das hidrelétricas – que hoje respondem por 85% da geração de eletricidade no Brasil –; redução de até 60% do potencial eólico brasileiro; redução ou mesmo inviabilização de culturas como mamona e soja, sobretudo no Nordeste e no Centro-Oeste, em função das elevadas temperaturas e da seca previstas para as regiões. De todas as culturas analisadas, a cana-de-açúcar é a única que não será afetada negativamente.
Para o diretor da COPPE/UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa, o trabalho deixa claro que, se a sociedade brasileira terá que investir – ainda mais intensamente do que já o faz – em energias renováveis, deverá também investir em estudos para utilizá-las com propriedade.
Impacto por regiões
A região Nordeste será, de longe, a mais afetada pela mudança do clima global, tanto em termos de energia hidrelétrica, devido aos impactos sobre a Bacia do Rio São Francisco, quanto em termos de produção de biodiesel. Enquanto o Sul, tradicionalmente mais rico, será o menos prejudicado. Segundo Schaeffer, as mudanças previstas para o Nordeste são tão significativas que podem inviabilizar o programa social de estímulo à produção de agricultura familiar, um dos alicerces da política do Governo Lula de combate à pobreza.
Geração hidrelétrica
Os resultados da modelagem do impacto da mudança do clima global nas hidrelétricas brasileiras indicaram que temporadas mais secas e chuvas fortes poderão provocar uma queda média de até 10,8% (Cenário B2) na vazão dos rios. As usinas mais afetadas serão as da Bacia do São Francisco, com quedas de 23,4% e de 26,4%. Já na Grande Bacia do Paraná haverá, apesar da queda na vazão anual média, vazões mais altas no começo da estação chuvosa.
“Para projetar nosso modelo de sistema hidrelétrico, os estudos levam em conta padrões de vazões ocorridos no passado, que talvez não venham a se repetir. Olhando apenas para isso, concluímos que haverá uma queda na geração de energia de 1,0% (Cenário A2) e de 2,2% (Cenário B2), respectivamente. O impacto mais significativo será nas usinas do São Francisco, com queda de produção de até 7,7%. Na nossa avaliação, esses números são conservadores. O que temos certeza é que toda a energia projetada hoje para ser gerada daqui a 30, 50 anos certamente será menor quando se chegar lá”, adverte Schaeffer.
Segundo ele, esse trabalho deve servir para uma reavaliação estratégica dos novos projetos. Com mais secas, por exemplo, reservatórios pequenos podem não conseguir armazenar água suficiente, e com chuvas mais fortes, poderá ser necessária a construção de vertedouros maiores, para que não haja rompimento de barragens.
“O mais importante é que possamos olhar para as simulações que tradicionalmente fazemos hoje e entender que elas não acontecerão dessa forma, em função do fator clima. E aí sim, pensar em alternativas”, diz o professor.
Biodiesel
Justamente por se concentrar no Nordeste, a mamona será possivelmente a cultura mais afetada. De acordo com o trabalho, nenhuma área com produção atual ou potencial terá uma variação de temperatura dentro do intervalo ideal para o cultivo. O mesmo deverá acontecer com a produção de soja no Nordeste e no Centro-Oeste, que será drasticamente reduzida ou mesmo inviabilizada nas duas regiões. Para o cultivo de girassol ou dendê, outras fontes de biodiesel, as projeções não são muito diferentes. No Sul, entretanto, o cenário é oposto: as novas condições climáticas da região estarão mais favoráveis à cultura da soja, o que poderá gerar a abertura de novas áreas de cultivo.
Geração eólica
A promessa de um Brasil com gigantesco potencial eólico, como desenhado hoje, também poderá cairá por terra no fim do século. Em função de menores ocorrências de vento com velocidade superior a seis metros por segundo – o mínimo considerado favorável para a produção de energia –, o potencial brasileiro de geração de energia eólica poderá ficar 60% menor na comparação de 2100 com 2001.
A perda acontecerá basicamente no interior do Nordeste. Em contrapartida, aumentará o potencial no litoral Norte-Nordeste, onde a ocorrência de vento em altas velocidades vai crescer, embora não o suficiente para compensar as perdas no interior. A mudança não chega a ser totalmente negativa, uma vez que, economicamente, a concentração desse potencial poderá favorecer projetos de geração de energia eólica offshore, a exemplo do que tem sido feito hoje na Europa.
Álcool
De todas as culturas analisadas, a cana-de-açúcar é a única que não será afetada negativamente. O estudo indica que as principais regiões produtoras no país continuarão dentro dos limites de temperatura propícios ao cultivo.
O estudo inédito “Mudança Climática e Seguranca Energética no Brasil” foi coordenado pelos professores Roberto Schaeffer e Alexandre Szklo, do Programa de Planejamento Estratégico da COPPE, e contou com a participação dos pesquisadores André Frossard, Raquel Rodrigues de Souza, Bruno Soares M. C. Borba, Isabella V. L. da Costa, Amaro Pereira Júnior e Sergio Henrique F. da Cunha. O estudo, realizado com o apoio da Embaixada do Reino Unido, está disponível no site www.ppe.ufrj.br.