Bustani na COPPE: desarmamento e bastidores da política internacional
Planeta COPPE / Notícias
Data: 06/11/2002
Com a serenidade que o exercício de 37 anos de atividades diplomáticas lhe confere, o Embaixador José Maurício de Figueiredo Bustani proferiu, no auditório da COPPE, a primeira conferência pública após ter sido destituído da presidência da OPAC – Organização para a Prescrição de Armas Químicas, órgão da ONU, por pressão do Governo norte-americano. Também participaram do debate, o professor Luiz Pingueli Rosa, Diretor da COPPE, o professor Godofredo de Oliveira Neto, Coordenador do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ e o Professor Emérito do Instituto de Física, Fernando Souza Barros, membro do Conselho Mundial do Pugwash.
Ao concluir sua exposição, Bustani foi aplaudido durante três minutos seguidos por uma platéia formada principalmente de estudantes e professores, que durante o debate fizeram questão de manifestar admiração pela atitude firme e coerente do diplomata diante das interferências do governo norte-americano na OPAC. “Vivenciamos a briga entre o Poder da Lei e o Império do Poder”, afirmou Bustani, referindo-se a atuação hegemônica do governo americano e a política unilateral de imposição de seus interesses em detrimento dos de outros países. Citando a recente vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, Bustani ressaltou que hoje o mundo apresenta duas ideologias caminhando em direção opostas: “Enquanto no Brasil, vemos a vitória do Partido dos Trabalhadores, nos EUA assistimos a confirmação de uma orientação conservadora, com a vitória do Partido Republicano no Congresso”. Bustani alerta que a luta pela multiplicação de organismos multilaterais e democráticos e pelo cumprimento de regras globalmente definidas, são um dos a ser enfrentado pelo presidente Lula. “Nota-se cada vez mais a relutância por parte de alguns setores dos EUA em cumprir convenções internacionais das quais participaram de sua elaboração” disse o Embaixador, cintando exemplos como o Tratado de Roma, com uma Corte Internacional Penal, o Protocolo de Armas Biológicas, a Convenção de Minas e o Protocolo de Kioto.
“O Brasil não tem escassez de poder”, afirmou Bustani, contestando o argumento que vem sendo usado pelo “ideário neoliberal” para justificar a ausência de ações mais contundentes na defesa dos interesses nacionais junto às grandes potências. “Um país com o tamanho, riquezas e grau de influência junto a seus vizinhos como o Brasil, tem capacidade de brigar pelos seus interesses de forma soberana,”, observa Bustani, destacando que as posições defendidas pelos diplomatas brasileiros devem refletir os anseios da sociedade. O Embaixador sugere que, no próximo governo, o Itamaraty adote uma política que possibilite o diálogo com representantes da academia, do Congresso e da sociedade civil, no intuito de que suas ações possam refletir os anseios e as opiniões dos brasileiros.
Tudo a declarar
Não frustrou-se quem foi ao debate com o objetivo de compreender melhor os reais motivos que resultaram na destituição de Bustani da presidência da OPAC. De forma pausada e tranquila, o Embaixador expôs com clareza o processo que culminou na sua saída do órgão da ONU. Entre as motivações que levaram ao descontentamento do governo americano em relação ao embaixador brasileiro, destaca-se o esforço para que o Iraque se tornasse membro da OPAC , restabelecendo o regime de inspeções de armas naquele país, suspenso desde 1998. Mas tal proposta enfraqueceria o principal argumento para um ataque àquele país, incentivado pelo governo Bush.
Segundo Bustani, a adoção de mecanismos, previstos pela Convenção da OPAC e estimulados durante sua gestão na Presidência, de favorecer a transferência de conhecimentos científicos e tecnológicos entre os países membros, por intermédio de acordos de cooperação técnica, também desagradaram os norte-americanos, que procuravam conter os recursos orçamentários da organização destinados para este fim. A intenção do Embaixador com este programa era ampliar o acesso de países com pouca industrialização a tecnologias no campo da indústria química úteis ao desenvolvimento, por exemplo, de fertilizantes, produtos farmacêuticos e de corantes para tecidos. Este mecanismo também fortalecia a adesão de países menos industrializados aos propósitos de não proliferação de armas químicas.
Eleito em 1997 para presidência da OPAC, Bustani ficou a frente da instituição até abril de 2002. O Embaixador foi responsável pela eliminação de cerca de 15% dos estoques mundiais destas armas e, ao longo de sua gestão à frente da instituição, conseguiu ampliar o número de membros, que saltou de 87 para 145. Em fins de abril de 2002, numa insólita votação comandada pelo governo americano, Bustani foi destituído deste importante cargo, sem que uma resistência efetiva do governo brasileiro fosse articulada pelo Itamaraty.
Críticas ao TNP
Crítico a assimetria do Tratado Não Proliferação que, segundo ele, praticamente não faz restrições ao poderio bélico de potências como EUA e Rússia, Bustani afirmou que o Brasil não precisava assinar o acordo, tendo em vista que a Constituição brasileira já possui dispositivos que restringem o uso de tecnologia nuclear para fins bélicos. Sua opinião sobre o TNP não foi endossada pelos físicos Luiz Pinguelli Rosa e Fernando Souza Barros, presentes a mesa de debate. Pinguelli, que coordenou o Programa de campanha do Presidente Lula na área de energia, discordou de Bustani, ressaltando que, embora o TNP não seja perfeito, o Brasil não deveria abrir mão de tê-lo assinado. “ Temos agora é que lutar para aperfeiçoá-lo”, afirmou o físico que, durante a conferência, confessou ter se emocionado com o relato feito pelo Embaixador, ressaltando em seu discursso a firmeza e postura ética que marcou a atuação do Embaixador neste caso.