Pesquisador da NASA Revela: “O Segredo do Efeito Estufa Está nos Oceanos”
Planeta COPPE / Notícias
Data: 16/11/1998
O aquecimento global entrou na pauta de prioridades da NASA. O físico Warren Wiscombe, 54 anos, anunciou na COPPE que em 1999 a NASA estará lançando a plataforma espacial AM-1 para detectar os principais fatores responsáveis pelo processo de aquecimento global. O pesquisador da NASA esteve no Brasil, no último mês de novembro, ministrando um curso sobre efeito estufa, no curso de pós-graduação em Ciências Atmosféricas da COPPE. Segundo Wiscombe, o segredo do processo pode estar nos oceanos.
Especialista nos efeitos das nuvens sobre o clima, Warren Wiscombe, que trabalha há 14 anos no Laboratório NASA, no Goddard Space Flight Center, em Maryland, deu uma entrevista exclusiva para o Planeta COPPE sobre as mais recentes revelações da Ciência sobre o aquecimento do Planeta.
Planeta – Que métodos o Sr. vem utilizando para estudar o aquecimento Global?
W.W. – Realizo pesquisas sobre a interação entre as nuvens e os raios solares. O quanto de luz as nuvens refletem e o quanto elas absorvem. E, é claro, a quantidade de radiação solar que é transmitida para a superfície da terra. Esta é uma importante área de estudo. As pesquisas sobre o aquecimento global, utilizando-se os grandes modelos climáticos, registram que a nuvem é o elemento variante.
Planeta – Até que ponto esta variação é relevante?
W.W. – Os modelos registram uma grande diferença nas previsões de mudanças de temperatura. São registradas variações entre 1.5° C a 4.5° C no aquecimento da Terra. E esta diferença se deve às nuvens. Aí entra o meu estudo que revela exatamente como as nuvens influenciam no aquecimento global. Em cada modelo as nuvens reagem de uma determinada forma. Portanto, nesse momento, conhecemos muito pouco do quanto as nuvens influenciam nas mudanças climáticas. Só podemos afirmar que influenciam. Para obter resultados com mais precisos necessitamos de computadores mais potentes e maior resolução dos modelos.
Planeta – Até agora o que se sabe realmente sobre o papel das nuvens no processo de aquecimento global?
W.W. – Este é o problema. Não sabemos se as nuvens afetam o clima da terra esquentando-o ou esfriando-o. As nuvens podem influenciar de duas maneiras. Elas refletem os raios solares, impedindo que eles cheguem a superfície, resfriando a Terra. Por outro lado, a presença de nuvens durante a noite tende a elevar a temperatura. Elas liberam radiação infra – vermelha captada ao longo do dia. Então, não se sabe o que prevalece: se o esfriamento provocado pelos raios solares refletidos pelas nuvens ao dia, ou o aquecimento pela liberação de radiação infra-vermelha à noite. É nesse ponto que os modelos climáticos diferem.
O Segredo do Aquecimento Global Está nos Oceanos
Planeta – De que forma o efeito estufa vem atingindo o Planeta?
W.W. – Primeiro, é preciso deixar claro uma coisa. Sem o efeito estufa a Terra estaria coberta de gelo. O efeito estufa faz parte de um processo natural que permite a perpetuação da vida na Terra. A questão hoje é o agravamento dessa tendência natural. Os cientistas estão de acordo de que, se há CO2 (dióxido de carbono) na atmosfera, a Terra irá, em algum momento, passar por um período de aquecimento. A questão se resume a quando se dará este aquecimento. Grande parcela da população mundial que vive próxima ao mar enfrentará sérios problemas, pois tem-se verificado o aumento do nível dos oceanos. E mesmo que parássemos de emitir os gases que formam o efeito estufa, o nível do mar continuaria subindo. O aquecimento do planeta já faz parte de um processo natural do sistema. A liberação do CO2 agrava o problema.
Planeta – Como será o processo de elevação do nível do mar?
W.W. – Pode levar centenas de anos até se completar. Isso se deve, em parte, ao lento aquecimento dos oceanos. Ao aquecer, ele se expande e isto não acontece de um dia para o outro. Provavelmente os oceanos são os principais agentes do aumento de temperatura na Terra. Mas de que forma este processo acontece ainda não conseguimos revelar. Mas é um processo natural e não podemos evitá-lo. Mesmo se os países deixassem hoje de emitir gases do efeito estufa, a liberação de calor pelos oceanos ainda pode durar 100 anos, como reflexo do que foi emitido até então. Estima-se um aquecimento médio da temperatura da Terra entre 2° C a 3° C. Embora ainda não se tenha um senso comum, alguns cientistas estimam que este aumento de temperatura se dará por volta de 2050.
Planeta – O que pode ser feito para evitar o efeito estufa?
W.W. -Nada pode ser feito. Até porque, no momento, ninguém vai parar de consumir combustível fóssil, assim como as queimadas não vão parar nos países que a utilizam. Portanto, não há chance de se interromper a emissão de gases poluentes para a atmosfera. Assim que nossas reservas de combustível fóssil se esgotarem, a quantidade de CO2 chegará ao máximo e levará aproximadamente mil anos para se dissipar. Caberá aos oceanos absorver o CO2.
Missão Espacial da NASA Permitirá Entender o Aquecimento do Planeta
Planeta – O que o Sr. acha de utilizarmos fontes alternativas de energia para amenizar o problema?
W.W. – Sou totalmente a favor do desenvolvimento de novas fontes renováveis de energia, como o Brasil fez com o álcool. A energia solar e o uso do hidrogênio como fonte energética também podem ser ótimas opções. É uma pena que não tenhamos insistido nesse caminho nos anos 70 – década em que os países produtores de petróleo aumentaram os preços do produto, desencadeando uma crise econômica mundial. Como mais tarde a gasolina voltou a ficar barata, não houve mais o interesse em se fazer investimentos nesse setor. O governo Reagan praticamente paralisou as pesquisas nesse sentido.
Planeta – Quais são os objetivos da missão espacial que lançará a AM -1?
W.W. – A plataforma AM -1 será lançada em junho de 1999. Ela nos permitirá entender melhor o processo de aquecimento global. Poderemos desenvolver modelos de mudanças climáticas mais eficientes. O objetivo é acrescentar mais dados para o aperfeiçoamento dos modelos climáticos, como a influência das plantas e das nuvens no aquecimento global e do aerosol, que são partículas sólidas em suspensão no ar, um fenômeno sobre o qual conhecemos muito pouco. O aerosol pode esfriar a temperatura na Terra.
1998: O ano mais quente dos últimos 500 anos
Planeta – De que forma?
W.W. – Veja o exemplo da erupção do vulcão Pinatubo, nas Filipinas, em junho de 1991. Nos dois anos seguintes, a temperatura média do planeta diminuiu em 0.3° C em relação ao período anterior. Após o efeito Pinatubo, o aquecimento global assumiu o índice que se esperaria caso a erupção não tivesse acontecido. Isto, de fato, convenceu as pessoas de que o aquecimento global é real. O que se tem observado desde o começo dos anos 70 é um aumento da temperatura de 0.1° C a cada 10 anos. O ano de 1998, por exemplo, foi o mais quente dos últimos 500 anos. Para se ter uma idéia, em 100 anos o índice de aumento da temperatura média do planeta se deu entre 0.5° C a 0.7° C.
Planeta – Na sua opinião o que aconteceu com o planeta a partir dos anos 70?
W.W. – Supomos que o aumento de temperatura a partir dos anos 70 faça parte de um ciclo natural. O que está acontecendo é o fenômeno natural associado ao aumento de CO2 na atmosfera causado pela emissão de gases pelas sociedades indústriais. Portanto, o que se constata é um duplo aquecimento. Os modelos estão prevendo mais calor do que nós temos observado. Não se sabe, ao certo, quando, nem como será esse aumento.
Planeta – O Sr. quer dizer então que os modelos previram um aumento de temperatura maior do que vem sendo constatado?
W.W. – Sim. Mas é possível que as previsões dos modelos se confirmem daqui a alguns anos. O aquecimento tem sido muito intenso. O problema está em não sabermos mensurar o aquecimento específico dos mares. O único lugar que poderia “esconder” o calor seriam os oceanos. O que deve está errado nos modelos é a representação dos índices de liberação de calor por parte dos oceanos. Os modelos têm previsto um aquecimento muito grande, porque têm contado com uma grande e rápida liberação de calor. Provavelmente, os oceanos estão retendo esse calor para liberá-lo mais tarde.
Planeta – Na 4° Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Buenos Aires, o Brasil apresentou o conceito de responsabilidade histórica dos países quanto a emissão de gases que formam o efeito estufa. Considerando os 200 anos de poluição causada pela Revolução Industrial e o efeito prolongado do CO2 na atmosfera os pesquisadores brasileiros defendem a criação de um fundo proveniente de multas cobradas aos países poluidores. O que o Sr. acha da posição brasileira?
W.W. – Eu concordo totalmente com o Brasil. Nenhum outro cientista poderia discordar. Boa parte do aquecimento global que presenciamos hoje é resultado do processo de industrialização dos países desenvolvidos. É resultado de todo o CO2 emitido na atmosfera durante esses anos, desde a Revolução Industrial. Eu entendo porque os países em desenvolvimento se sentem pressionados. Eles estão simplesmente passando pelo mesmo processo que os países desenvolvidos passaram. Não parece justo que estes países devam reduzir a emissão de gases e, consequentemente, o seu desenvolvimento quando estão ainda começando. Só espero que estes países não repitam a terrível experiência dos países desenvolvidos.
Planeta – Você teria alguma sugestão de como evitar os problemas sem comprometer o desenvolvimento?
W.W. – Os recursos renováveis de energia devem ser amplamente incentivados. Há duas coisas a se aprender com isso. A primeira é o desenvolvimento e aplicação de novas fontes renováveis de energia. Por outro lado, devemos lutar pela preservação das florestas. Não há razão para os países em desenvolvimento repetirem os erros dos países desenvolvidos na devastação de suas florestas.