Celebrar Betinho: evento emociona plateia na UFRJ
Planeta COPPE / Institucional Coppe / Notícias
Data: 10/08/2017
Auditório lotado, emoção e alegria marcaram o evento Celebrar Betinho, ontem, dia 9 de agosto, na Coppe/UFRJ. A homenagem ao sociólogo Herbert de Souza, que mobilizou o país no combate à fome e à miséria e na luta pela ética na política, reuniu admiradores, de dentro e de fora da universidade. Vinte anos se passaram, desde a morte de Betinho, e as causas que motivaram o “irmão do Henfil” a mobilizar milhões de pessoas, infelizmente permanecem atuais.
Promovido pela Coppe e pelo Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (Coep), o evento contou com a participação do filósofo, teólogo e professor emérito da Uerj, Leonardo Boff; o presidente do Coep, André Spitz; pró-Reitor de Pessoal da UFRJ, Agnaldo Fernandes, além do diretor da Coppe, professor Edson Watanabe, e do diretor de Relações Institucionais da Coppe, professor Luiz Pinguelli Rosa.
Leonardo Boff fez um breve relato de seu convívio com Betinho, quando ajudou a conseguir recursos para que o sociólogo criasse o Ibase, após seu retorno do exílio. Segundo o filósofo, Betinho voltou ao Brasil com a ideia de que a sociedade, desde que organizada e mobilizada, reunia as condições necessárias para mudar o país. “Ele sempre repetia: não podemos perpetuar essa história, que é perversa para as grandes maiorias”, recordou Boff.
De acordo com o teólogo, Betinho acreditava que a mudança não se daria a partir do Estado, nem dos partidos políticos, mas fundamentalmente pela sociedade civil, e a partir dela se a construção da democracia como valor de participação e de transparência.
“Betinho agia por coragem e indignação. Esta por não aceitar a realidade como ela se encontra e coragem para mudá-la. Elegeu o combate à fome como prioridade absoluta, porque como Gandhi dizia, a fome é um insulto. Ela desumaniza a pessoa, destrói seu corpo e seu espírito. Em função dessa luta, ele criou a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria, e pela Vida”, explicou o teólogo.
Segundo Boff, não havia um grito de sofrimento que não colocasse em ação Herbert de Souza e todos os que o acompanhavam. “Foi assim em 1996, após aquela grande tempestade, quando mobilizou a sociedade juntamente com a Coppe para apoiar os desabrigados. Foi assim em 1993 no Natal sem Fome, quando se dá conta de que há 32 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza em nosso país”.
“Betinho era uma pessoa que agregava, capaz de dialogar com todos, inclusive com liberais e empresários que mantinham visões distintas a respeito de quais seriam os melhores rumos para o país, desde que tivessem sensibilidade e compaixão com aqueles que sofrem, pois a solidariedade era para ele um valor fundamental.A campanha Ética na política resultou em eleições mais limpas e transparentes e no impeachment contra o Collor”, recordou Boff.
Indignação e coragem: as irmãs da esperança
“Betinho foi um cristão militante de comunhão diária”, afirmou Boff, que comungava da visão do sonho de Darcy Ribeiro de que o Brasil deveria ser refundado e tornar-se uma Roma tropical, mas não a do Império e sim a da compaixão. Em sua opinião, Betinho e Darcy comungavam da visão de que a grandeza do Brasil não era fortuita, ela servia à Humanidade. “O verdadeiro nome de Deus é compaixão, ternura, justiça, fraternidade e quem vive esses valores está no coração daquilo que chamamos de Deus”, ensinou o expoente da Teologia da Libertação.
Em sua fala, Leonardo Boff citou um dos principais teólogos cristãos. “Betinho dizia que temos que ter esperança porque não vivemos sem ela. Eu lembro um dos maiores pensadores do mundo antigo, que era africano, Santo Agostinho: A esperança tem duas belas irmãs: a indignação e a coragem. Acredito que hoje Betinho mostraria indignação contra essas reformas que estão sendo propostas pelo governo e coragem para enfrentá-las e mudar essa realidade. Devemos guardar como legado perene que dignifica o país. Creio que o Brasil e a Humanidade podem se orgulhar por terem produzido uma pessoa, como Herbert de Souza, o nosso querido Betinho”, enalteceu.
Lição de articulação em prol de causas comuns
Para o professor Luiz Pinguelli Rosa, o evento foi celebrado em um momento no qual a memória e o exemplo de Betinho se fazem muito necessários. “O descalabro da situação em que se encontra o País precisa ser combatido. Não é apenas o Temer, é todo esse grupo de poder, com essa política econômica de terra arrasada. Que possamos nos inspirar nas coisas feitas pelo Betinho e possamos fazer algo para que o Brasil não seja destroçado por esses neoliberais que tomaram o governo federal”, afirmou Pinguelli, para quem Betinho deu uma lição de diálogo e articulação de consenso em prol das causas justas, mas que teme que a insensibilidade dos atuais mandatários leve o país a uma convulsão social.
Segundo André Spitz, o país vive um grande retrocesso. “A agenda atual é a mesma de há 20 anos. Betinho se preocupava com questões que continuam prementes em nossa sociedade. Mas na época tínhamos uma sociedade muito mais mobilizada, que tinha saído das Diretas Já, da Constituinte. Agora a sociedade está apática, perdida”.
“Betinho faz muita falta porque era um craque na articulação. Ele sabia juntar pessoas que pensam de maneira diferente e buscava construir uma pauta comum. Como ele dizia, ‘a saída é pela frente’. Suas ideias continuam sendo inspiradoras. Que a gente possa fazer coisas inspirados pela sua memória. É preciso ousadia para sair dessa situação em que cada dia é um passo para trás”, exortou o presidente do Coep.
Para Agnaldo Fernandes, embora o engajamento de Betinho fosse pacífico e humanitário, ele trazia uma indignação que era traduzida em ação concreta, na luta pela reforma agrária, pela democracia, pela cidadania, pela vida propriamente dita, por aqueles que não conseguiriam enfrentar essa luta sozinhos.
O pró-reitor de Pessoal elogiou a Coppe pela organização do evento, o que para ele não foi uma novidade, pois “a Coppe tem essa tradição de trabalhar com a sociedade civil organizada para aproximar o desenvolvimento científico e tecnológico das necessidades da nossa nação. Esse é um preceito importante para a Reitoria, pois a universidade deve ser instada a cumprir o seu papel social”.
“Neste momento, em especial, é importante organizar o processo de resistência. É inimaginável o papel que o governo vem reservando às universidades. A ruptura do conhecimento e da pesquisa pode levar décadas para ser recuperada. Este é um evento de reflexão, mas também de organização para a ação e de reafirmação dos princípios nos quais a gente acredita, da emancipação humana que a gente pretende alcançar”, enfatizou Agnaldo.
Professor Watanabe recordou seu período como aluno de pós-graduação no Japão, para fazer uma comparação crítica entre o individualismo arraigado na sociedade brasileira e o sentimento comunitário das culturas asiáticas. “No Japão, o indivíduo não é tão forte quanto aqui. Lá, o grupo é sempre muito mais forte. Isso se reflete nas mais diversas situações, em que lá o sentimento de solidariedade é mais presente. Você vê nesta época de crise, grupos exigindo 16% de aumento. Temos que baixar o ego para permitir o crescimento da solidariedade”, contrapôs o diretor da Coppe.
Uma homenagem permanente à cidadania
Após as palestras, foi inaugurado o Jardim da Cidadania, no Espaço de Convivência do Centro de Tecnologia da UFRJ, com o descerramento de uma placa comemorativa e o plantio, pela esposa de Betinho, Maria Nakano, de mudas de manacá, a planta preferida do sociólogo.
O evento foi encerrado com uma apresentação de Passinho, estilo de dança ao ritmo do funk criado nas favelas cariocas, feita pelo dançarino Hugo Oliveira, idealizador do projeto “Desafio do Passinho”, implantado em escolas municipais de comunidades do Rio de Janeiro. A apresentação foi seguida por uma oficina de Passinho, em que o dançarino e professor de dança Igor Pontes (Iguinho Imperador) ensinou três movimentos: a rabiscada, o sabará e a pipa, com o auxílio dos dançarinos Yure da Silva e Anderson Nascimento (Tim).
Antes da apresentação, Hugo conversou com a plateia, apresentando um pouco sobre o estilo de dança e sobre sua história de vida. “Sou filho e neto de retirantes nordestinos e morador de favela, a minha mãe dizia filho meu não pode ser bandido´ e a partir de um ´não´ é que eu fiz a minha afirmação”, relatou.
“Hoje, o passinho já é reconhecido como modalidade de dança pelo sindicato, o que permite a inserção dos jovens no trabalho. Isso cria um modelo de negócios, com impacto social. São jovens que viajam para o exterior por causa da dança e servem de inspiração para outros jovens nas comunidades, que têm exemplos positivos para se inspirarem. Eles se tornam uma contranarrativa do que a sociedade, sobretudo a mídia, coloca sobre o jovem negro de favela. A minha mãe dizia ‘esse moleque é muito teimoso’. Hoje a gente entende essa teimosia como resistência: colocar esses jovens para acreditar que eles podem fazer coisas boas pelas suas comunidades. Então, eu convoco a todos para uma contínua teimosia, porque é de cidadania que a favela precisa”, explicou Hugo.
A data foi marcada ainda pelo lançamento do site Celebrar Betinho, que disponibiliza informações sobre a vida e a atuação do sociólogo. Também foi anunciado o Prêmio Betinho Imagens de Cidadania, que selecionará vídeos de até três minutos que celebrem cinco princípios da democracia: igualdade, diversidade, participação, solidariedade e liberdade. As regras para participar do prêmio e demais informações podem ser encontradas no próprio site recém-lançado.