Coppe ajuda a restaurar obras do Século XIX
Planeta COPPE / Engenharia Nuclear / Notícias
Data: 17/03/2011
O Museu Nacional de Belas Artes acaba de reabrir a galeria Século XIX, que ficou fechada durante três anos para restauração de obras do acervo. A sala contém trabalhos de importantes artistas brasileiros, como Eliseu Visconti e Pedro Américo. Por trás desses esforços, está uma metodologia e um aparelho portátil, ambos desenvolvidos nos laboratórios da Coppe pela pesquisadora Cristiane Calza, do Programa de Engenharia Nuclear.
O equipamento, um sistema portátil de fluorescência de raios-x, é fruto de tese de doutorado defendida pela pesquisadora e orientada pelo professor Ricardo Tadeu Lopes. Utilizando uma técnica chamada de fluorescência de raios X, o aparelho ajudou a identificar os tipos de pigmentos usados originalmente pelos artistas e os materiais utilizados em retoques durante os processos de restauro anteriores. Essas são informações importantes para apoiar o trabalho dos restauradores.
Das cerca de 200 obras restauradas na galeria do Século XIX, 33 passaram pela análise de Cristiane, dentre elas “A Primeira Missa no Brasil”, de Victor Meirelles , “O Último Tamoio” e “Estudo de Mulher”, de Rodolfo Amoedo; e “Gioventú” e “Recompensa de São Sebastião”, de Eliseu Visconti.
O acervo da galeria Século XIX do Museu Nacional de Belas Artes é o maior do gênero no Brasil. Além de trabalhos de Victor Meirelles e Pedro Américo (dois dos pintores preferidos do imperador Pedro II), contém obras de Eliseu Visconti e Henrique Bernardelli, entre outros renomados artistas brasileiros do período. Começou a ser montado quando a família real portuguesa veio para o Brasil em 1808 e D. João VI fundou no Rio de Janeiro a Academia de Belas Artes, embrião da atual Escola Nacional de Belas Artes. “Ele trouxe artistas franceses para atuarem como professores e os alunos, patrocinados pelo rei, aprendiam técnicas de pintura e retratavam o Brasil da época”, explica Cristiane. Quando o Museu foi criado, em 1938, herdou as obras dos antigos professores e estudantes, além de ter sido bastante enriquecido pelos trabalhos de artistas que viveram e produziram no Segundo Reinado.
Nova tese
Os bons resultados do trabalho desenvolvido por Cristiane inspiraram nova tese, que agora busca melhorar o desempenho do equipamento e é desenvolvida por Renato Pereira de Freitas. “Vamos incorporar ao nosso aparelho a técnica de difração de raios-x, a fim de complementar a técnica de fluorescência, que não é capaz de detectar elementos químicos de número atômico mais baixo, como carbono, oxigênio e outros, e consequentemente, não identifica a composição de pigmentos orgânicos e vernizes” – explica Cristiane, que é co-orientadora da nova tese, junto com o professor Ricardo Tadeu Lopes. Além disso, outras inovações deixarão o equipamento ainda mais portátil e dinâmico do que já é: os novos modelos de tubos de raios-x e detectores que serão adotados dispensam uma fonte de alta tensão de grande porte, facilitando o transporte e a movimentação do equipamento durante análises em locais de difícil acesso, como altares e abóbadas de igrejas.
O equipamento da Coppe também já foi utilizado na análise de obras do acervo de outras instituições. Dentre elas, uma imagem de São Sebastião do Rio de Janeiro, considerada a obra de arte sacra mais antiga do Brasil, o altar da capela-mor e imagens sacras do Convento de Santo Antônio, pinturas no teto do foyer e nas rotundas do Theatro Municipal e peças de ouro pré-colombianas pertencentes a dois museus no Peru.
Versatilidade
Criado a partir de conhecimentos combinados de química, física, engenharia nuclear e história da arte, o equipamento da Coppe é requisitado por diretores de museus e restauradores. O que mais os atrai para essa tecnologia é a mobilidade do aparelho, que elimina a dispendiosa necessidade de transporte da obra, a versatilidade para analisar superfícies planas, curvas e tridimensionais e a precisão dos resultados.
“Grande parte das técnicas de análise disponíveis exige o envio da obra a laboratórios ou locais específicos”, explica Cristiane. Não raro, isso inviabiliza a realização do trabalho, especialmente quando estão envolvidas obras que, por serem de grandes dimensões ou de alto valor artístico-cultural, exigem esquema especial de segurança e transporte. O quadro “Primeira Missa no Brasil”, de Victor Meirelles, é um exemplo: medindo 2,68 x 3,56 metros e avaliado em R$ 6 milhões, transportá-lo seria muito dispendioso e trabalhoso. Com o novo equipamento, a análise foi feita dentro do Museu, sem grandes dificuldades.
O aparelho tem ainda a vantagem de analisar as obras sem usar técnicas invasivas. Algumas técnicas convencionais exigem a retirada de fragmentos da peça para a análise. Outra vantagem é a capacidade de analisar quantos pontos da pintura forem necessários, o que dá informações mais precisas sobre os tipos de cores usados pelo artista e resulta em melhor qualidade de restauração.
Como funciona
A técnica empregada por Cristiane emite um feixe de raios X que bombardeia os átomos das tintas empregadas na obra de arte. Após um processo conhecido como “efeito fotoelétrico”, esses átomos emitem de volta raios-x característicos que são captados por um detector e convertidos em gráficos que apresentam picos em determinados valores de energia, exibidos na tela de um notebook. A interpretação dessas informações revela qual elemento químico está presente em cada pigmento. A partir daí, é possível saber qual o tipo de tinta usado originalmente na obra de arte.
Cristiane dispõe de uma extensa tabela, que ela mesma elaborou, na qual estão classificados diversos pigmentos com sua cor característica, composição química e o período histórico em que eram utilizados. Essas informações permitem estimar a época em que a obra foi feita e também identificar eventuais restaurações anteriores ou mesmo falsificações. “O branco de titânio, por exemplo, é um pigmento muito usado para dar a cor branca e só começou a ser utilizado no século XX. Sua presença numa obra de séculos precedentes é sinal de que o quadro pode ter passado por uma restauração anterior, ou é falso”, exemplifica Cristiane.