Especialistas da Coppe propõem soluções para a crise hídrica no estado do Rio de Janeiro
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Data: 24/01/2020
No primeiro mês de 2020, os cerca de nove milhões de habitantes da Região Metropolitana do Rio de Janeiro foram surpreendidos por uma crise: a água distribuída pela Cedae passou a apresentar odor e sabor desagradáveis, além de turbidez. Testes realizados pela própria companhia detectaram que a mudança no cheiro e gosto da água (não a turbidez) foi causada pela geosmina, uma substância que pode ser produzida por algas, cianobactérias e outros microrganismos.
“Embora não cause danos diretos à saúde, a geosmina é um bioindicador da presença de outros materiais orgânicos na água, alguns deles com toxicidade. Se a geosmina está passando pelos processos de tratamento da água e chegando às residências, outras substâncias orgânicas estão passando também”, alertou o professor Fabiano Thompson, do Programa de Engenharia de Produção da Coppe/UFRJ e do Instituto de Biologia da UFRJ.
Segundo a professora Márcia Dezotti, do Programa de Engenharia Química da Coppe, o sistema de tratamento de água fluminense é anacrônico, e a situação é agravada pelo déficit de coleta e tratamento de esgoto nos municípios por onde correm os afluentes do rio Guandu, nos quais o esgoto é despejado in natura.
“É preciso tratar os esgotos antes do ponto de captação de água do Guandu, fazer o saneamento da Baixada Fluminense com pequenas estações de tratamento de esgoto. Se o esgoto está chegando à estação de água do Guandu, o tratamento não pode ser o mesmo da década de 1960. Existem processos mais modernos como filtração em membranas, adsorção em carvão ativado, irradiação UV, ozonização, entre outros. A Cedae deveria evoluir na questão do tratamento”, critica a professora que coordena o Laboratório de Controle de Poluição das Águas (LabPol) da Coppe.
Márcia também alerta para a presença nos corpos hídricos (rios, lagos, lençóis freáticos) e também na rede de esgotos de substâncias e poluentes emergentes que não são adequadamente removidos pelas tradicionais técnicas de tratamento como, por exemplo, pesticidas, fragrâncias, fármacos, produtos de higiene pessoal, entre outras.
“Algumas dessas substâncias apresentam também atividade estrogênica, com consequentes danos à saúde humana e animal. Outras levam ao desenvolvimento de bactérias resistentes a antibióticos. Nos países reconhecidos pelo bom desempenho no tratamento da água, as empresas de abastecimento adotam em suas estações o conceito de múltiplas barreiras, de modo a remover esses poluentes e garantir a qualidade da água fornecida à população”, compara Márcia.
Em artigo publicado em O Globo, no dia 14/01, os professores Marcia Dezotti e Geraldo Lippel, também da Coppe, defendem que sejam discutidos novos critérios de potabilidade da água, pois na medida em que novos poluentes sejam constatados, tais critérios devem ser objeto de revisões periódicas. “No que se refere ao tratamento de esgoto, o anacronismo é ainda mais espantoso. Processos de tratamento utilizados ainda hoje no Estado do Rio de Janeiro são das décadas de 1960 e 1970. É preciso levar em conta que a composição do esgoto doméstico hoje é distinta, bem como são mais rigorosas as exigências de qualidade de tratamento”, alegam os professores.
Enfrentando o problema do saneamento
O professor Paulo Canedo, do Programa de Engenharia Civil da Coppe, chama atenção para um problema crônico do estado do Rio de Janeiro: a poluição dos rios Poços, Ipiranga e Queimados, afluentes do rio Guandu. “Há pouco tempo, os três rios se juntavam em um único curso e desaguavam a 250m da boca do rio Guandu. Essa região não tem coleta e tratamento de esgoto. O resultado é uma água negra, uma contaminação única, de aspecto e odor indescritíveis. Cerca 60% do fluxo desses três rios iam para a Estação de Tratamento (ETA) do rio Guandu. A estação recebia 60% da água mais poluída possível”, contextualiza o professor de Hidrologia.
“A geomorfologia desses rios mudou, eles já não se juntam mais e migraram para a margem esquerda, em um lugar difícil de penetrar no Guandu, uma enorme poça, uma lagoa de esgoto in natura. Na semana que antecedeu a crise houve uma grande tempestade na cabeceira de três rios. A tempestade arrastou essa matéria orgânica que fez proliferar algas e fez surgir a geosmina”, explica Canedo.
A enorme contaminação dos afluentes do rio Guandu traz outro fator inconveniente: ela sobrecarrega o rio Paraíba do Sul. Conforme explica Marcos Freitas, professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe, para que a vazão do Guandu seja suficiente para o abastecimento da região metropolitana, é feita uma transposição de água do rio Paraíba do Sul para o Guandu. “O bombeamento de 45 m³/s seria suficiente para isto, mas devido à contaminação dos afluentes Poços, Queimados e Ipiranga, que aportam 2m³/s de água extremamente contaminada por esgoto in natura, tornou-se necessário o bombeamento de 90 m³/s de água do rio Paraíba do Sul”, esclarece Freitas, que coordena o Instituto Virtual Internacional de Mudanças Climáticas (IVIG) da Coppe.
Segundo Marcos, há três possibilidades de enfrentamento para este problema. A mais onerosa e de longo prazo seria o saneamento dos municípios por onde correm os afluentes do Guandu. Esta seria a medida mais estruturante e traria dignidade a estes municípios, além dos benefícios para a saúde pública. “Outra possibilidade, a mais barata, que já foi estudada pela Cedae, seria transpor o curso de água contaminada destes três rios mais à jusante (em direção à foz), fazendo com que esta água não se misture ao fluxo que abastece a ETA do Guandu. Isto resolveria o problema no que toca ao abastecimento da região metropolitana, mas transferiria a questão da poluição para outro ponto. A terceira alternativa seria a instalação de uma central de tratamento de esgoto antes do encontro do fluxo dos afluentes com o rio Guandu. Isto reduziria a vazão necessária de água a ser bombeada do rio Paraíba e melhoraria a qualidade da água que chega à ETA do Guandu”, avalia.
Thompson destacou ainda a possível existência de outros problemas no tratamento e abastecimento de água no estado. “Algumas amostras coletadas pela cidade não indicaram a presença de cloro. Ele tem ação desinfetante, não deve ser usado em excesso, mas a sua ausência pode indicar a proliferação de micróbios”, relatou o professor, que também demonstrou preocupação com imagens aéreas da estação de tratamento de água do Guandu exibidas pela mídia que mostravam uma piscina de água verde fluorescente.
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