Indústria 2027: O Brasil na contramão do mundo

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Data: 27/06/2018

Como o Brasil e a indústria brasileira podem se preparar para as inovações tecnológicas que dominarão o mercado na próxima década? Segundo os autores do estudo “Indústria 2027: riscos e oportunidades para o Brasil diante inovações disruptivas”, cujos resultados foram apresentados e debatidos nesta segunda-feira, 25 de junho, na Coppe/UFRJ, há uma série de ações prementes que precisam ser tomadas para que o país possa se preparar para competir neste novo mercado.

No evento promovido pela Coppe e pelo Instituto de Economia da UFRJ, os resultados do estudo foram apresentados pelos coordenadores, os professores Luciano Coutinho, do Instituto de Economia da Unicamp, e ex-presidente do BNDES, e João Carlos Ferraz, do Instituto de Economia da UFRJ, e ex-vice-presidente do BNDES, que destacaram a necessidade do Brasil ampliar os investimentos em C&T, em proporção ao PIB, a exemplo de países; criar um ambiente regulatório e mecanismos de financiamento capazes de estimular uma cultura empreendedora; fomentar um “ecossistema” de inovação que permita às pequenas e médias empresas se integrar às cadeias produtivas dos setores industriais mais dinâmicos; debater e pactuar com a sociedade uma estratégia nacional de desenvolvimento.

Fruto de uma iniciativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o estudo avaliou as consequências que oito tecnologias potencialmente disruptivas trarão para dez setores da indústria brasileira, até 2027.

Segundo João Carlos Ferraz, inovações tecnológicas combinadas e sinérgicas estão transformando padrões de produção e consumo em todo o mundo e a indústria é o epicentro dessa transformação. Partindo dessa constatação, os pesquisadores se concentraram em três aspectos: o que acontece nas empresas, o que acontece no espaço de concorrência e o que acontece nas estruturas de mercado.

“Tecnólogos avaliaram as tendências tecnológicas, a partir daí economistas industriais fizeram uma avaliação de quais são as lideranças industriais desses setores, no mundo, e qual impacto isso está causando no mundo e no Brasil. Daí, fizemos uma pesquisa de campo, com foco na digitalização. Consultamos 750 empresas, de diferentes segmentos industriais e diferenciamos quatro gerações tecnológicas. Perguntamos: qual a probabilidade do G4 (com tecnologias integradas, conectadas e inteligentes) ser dominante em seu setor? 65% acreditam que essas tecnologias digitais avançadas dominarão seus setores, sendo que das 750 empresas, apenas 1,6% estão neste grupo, no momento”, explicou o professor.

Investimento em C&T: Brasil em direção oposta aos países desenvolvidos

De acordo com Luciano Coutinho, os pesquisadores fizeram uma varredura com a ajuda da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da Universidade de Cambridge para avaliar o que os países desenvolvidos estão fazendo para se antecipar a este cenário. “Estão todos fortalecendo seus sistemas de ciência e tecnologia”, relatou o ex-presidente do BNDES. “Os EUA aumentaram seus gastos com pesquisa e desenvolvimento de 2% do PIB para 2,7%; Alemanha aumentou; Japão e Coreia estão elevando seus gastos para 4%. China está em 2,4% mas caminhará para 3%. Se a gente fizer a análise do orçamento brasileiro, é bem provável que a gente esteja gastando menos de 1% do PIB com ciência e tecnologia. O nosso patamar deve estar próximo de 0,5%”.

Na avaliação de Coutinho, é a conscientização da sociedade acerca da importância da ciência e da tecnologia que explica a centralidade das mesmas no planejamento político destes países. “O Donald Trump entrou e cortou o orçamento de ciência e tecnologia, e de sustentabilidade ambiental. O que aconteceu foi que a sociedade se mobilizou e pressionou os congressistas, eles reverteram os cortes, e o Senado, por sua vez, aumentou o orçamento. Como resultado, o orçamento para C&T de 2018 é 12,5% maior que o de 2017. Isso reflete o consenso da sociedade. Os países que têm estratégias sólidas legitimaram essas estratégias no diálogo com a sociedade. Isso é importante para projetos de longo prazo. Não há nada que impeça o Brasil de chegar lá salvo a nossa própria capacidade de se organizar para isso. Talvez seja o último trem, mas a gente ainda pode entrar”, avaliou.

Para o diretor do Parque Tecnológico e professor da Coppe, José Carlos Pinto, uma evidência da dificuldade do país em colocar o tema na ordem do dia é a ausência da ciência e da tecnologia nos debates eleitorais. “Não estamos nos mostrando capazes como sociedade organizada para pautar esse tema no debate que o país mantém sobre suas necessidades. Uma obviedade se transforma em um desafio enorme, pois a sociedade não elenca a ciência como item prioritário”, lamentou o professor.

Para o professor Vicente Ferreira, da Coppead, o Brasil tem uma cultura pouco empreendedora, asfixiada por uma regulação que desestimula o empreendedorismo. “O risco e a chance de fracasso para o empreendimento de um pesquisador é tão grande que ele prefere seguir no laboratório. É uma questão difícil de mudar, mas que passa pelo ambiente regulatório”, criticou.

Luciano Coutinho destacou que nos países desenvolvidos há uma concertação público-privada, que garante a continuidade de políticas públicas e o compartilhamento de riscos entre Estado e iniciativa privada. “As regulações e poder de compra são usados em vários países de maneira muito efetiva. Uma coisa que no Brasil ainda usamos de modo limitado e mal compreendido pelos órgãos de controle”, comparou o coordenador do projeto.

O reitor da UFRJ, professor Roberto Leher, nas considerações finais do evento, concordou com o peso do Estado nas compras governamentais. “Atualmente trabalhamos numa articulação UFRJ-Fiocruz para desenvolvermos no Parque Tecnológico a produção de biofármacos. O Sistema Único de Saúde (SUS) é um grande comprador. Com garantia de compra pelo SUS não haveria risco para fazermos esse investimento”, ponderou.

Professor Leher ressaltou ainda a preocupação com a asfixia orçamentária que aflige as universidades e os institutos de ciência e tecnologia. “O orçamento para capital das 63 universidades federais em 2013 era cinco bilhões de reais, dos quais 55 milhões iam para a UFRJ. Atualmente, esse montante caiu para um bilhão de reais para o conjunto das universidades federais, a UFRJ sai para o patamar de seis milhões. Isso nos dá a escala de problemas que enfrentamos e a dimensão de qual é a vontade nacional em relação à pesquisa e desenvolvimento”, contextualizou o reitor.

Durante o debate, aberto ao público, o diretor de Relações Institucionais da Coppe, professor Luiz Pinguelli Rosa, questionou João Carlos Ferraz e Luciano Coutinho a respeito do impacto que essas tecnologias disruptivas trarão para o mercado de trabalho no país, uma vez que a adoção da automação, robótica e inteligência artificial permite supor a diminuição na oferta de postos de trabalho na indústria. Ferraz e Coutinho afirmaram que o estudo ainda não é conclusivo a esse respeito, e que a academia, de maneira geral, ainda precisa se debruçar o tema.

“É muito difícil mensurar o impacto no emprego, mas tenho certeza de uma coisa. Tecnologias avançadas podem destruir postos de trabalho, mas trazem a possibilidade de gerar empregos que nem sabemos que irão existir. O grande risco é ficarmos parados e retrocedermos. O pior é nós não acompanharmos essas mudanças em curso, o impacto virá, pois temos uma economia aberta, mas será atenuado se nos voltarmos, o quanto antes, para as novas atividades. A ideia de que preservaremos empregos nos isolando do mundo, esquece, não é uma ideia inteligente”, avaliou Luciano Coutinho.

Participaram do debate, além dos coordenadores do projeto, o reitor da UFRJ, professor Roberto Leher; o diretor da Coppe, professor Edson Watanabe; o diretor do Parque Tecnológico da UFRJ, professor José Carlos Pinto; Vicente Ferreira, professor da Coppead; e Orlando Ribeiro, gerente-executivo do Cenpes.

Professores da Coppe participaram do estudo

Os pesquisadores avaliaram oito segmentos tecnológicos potencialmente disruptivos: internet das coisas; produção inteligente; inteligência artificial; tecnologia de redes; biotecnologia; nanotecnologia; materiais avançados e armazenamento de energia. Também foram mensurados seus impactos em dez setores da economia: agroindústria; insumos básicos (siderurgia); química (química verde); petróleo e gás; bens de capital; complexo automotivo; aeroespacial e defesa; TIC´s; farmacêutica; bens de consumo.

Três professores da Coppe atuaram como consultores do projeto Indústria 2027: Ricardo Naveiro, do Programa de Engenharia de Produção, responsável pelo estudo do cluster tecnológico de Produção Inteligente e Contectada; Alexandre Evsukoff, do Programa de Engenharia Civil, que participou dos estudos referentes ao cluster tecnológico de Inteligência Artificial e Big Data Analytics; e Marcelo Werneck, do Programa de Engenharia Elétrica, que atuou nos estudos referentes ao cluster tecnológico de Tecnologias de Redes.

Saiba mais sobre o projeto Indústria 2027, no site da Confederação Nacional da Indústria (CNI): http://www.portaldaindustria.com.br/cni/canais/industria-2027/