Privatização da Cedae Reacende Debate Sobre a Água que o Rio Consome
Planeta COPPE / Engenharia Civil / Notícias
Data: 01/10/1998
Com a proximidade da privatização da Cedae surge a necessidade de uma discussão sobre as formas de gerenciamento do setor. Hoje a empresa gasta R$ 1milhão por dia em tratamento de água e, mesmo assim, não presta um serviço eficiente à população. A Cedae apresenta um dos índices de desperdício mais altos do país. Cerca de 50% da água tratada pela companhia é perdida em vazamentos e ligações clandestinas . No grande número de ligações sem hidrômetros, a cobrança é realizada pelo uso presumido, ficando na maioria das vezes inferior ao consumo real. Além disso, a Cedae apresenta um índice de 27% de inadimplência sobre o total das tarifas cobradas. A situação é agravada por uma série de restrições que a legislação prevê para os cortes de abastecimento de água.
Segundo o professor do Programa de Engenharia Civil da COPPE, Jerson Kelman, melhorar a qualidade dos serviços da Cedae não é uma tarefa difícil. Para isso basta tomar algumas medidas técnicas e seguir a cartilha do bom senso. “Uma medida simples, como por exemplo a instalação de hidrômetros nas residências, resolveria a questão da cobrança de tarifas, “- garante Kelman.
Principal problema
Mas o principal problema da Cedae está na deficiência da rede de esgoto. Apesar da premência, o edital de privatização concede aos compradores prazo de dez anos para ampliar o atual sistema. A política adotada para suprir esta carência prevê a construção de macro-estações de tratamento de água, que seriam “alimentadas” por grandes troncos coletores. Esses troncos são canos de grande dimensão que transportam quase o volume de um rio. O projeto exige obras complicadas e caras, porém facilita a operacionalidade por concentrar o tratamento de grande quantidade em poucos locais e resolver o problema da falta de espaço nos centros urbanos. No projeto definido pela Cedae estão em andamento as obras das macro – estações de Alegria, no Cajú, que será capaz de tratar do esgoto de 2 milhões de habitantes, e de Sarapuí, na Baixada Fluminense.
Para o professor Jerson Kelman, o ideal para a Cedae teria sido optar por um modelo menos concentrado, que concentrasse um número maior de estações de menor porte. Esta alternativa implicaria em menores gastos de investimento, principalmente com a construção de grandes troncos coletores . Hoje, apenas 20% das estações de tratamento no Rio são de pequeno porte, os outros 80% são de troncos coletores.
Má distribuição
Para Kelman a região metropolitana do Rio de Janeiro não sofre problemas de falta d’água, mas de operação de sistema. Apesar da vazão ser privilegiada, a distribuição é insuficiente. De acordo com o edital, o futuro concessionário deverá levar água, em um prazo de cinco anos, para 95% das áreas urbanas. Enquanto a população da zona sul e da zona norte são bem servidas, a Baixada Fluminense sofre a escassez. “Apenas 22% do contigente de água que abastece o Rio de Janeiro é destinado à Baixada Fluminense. Mesmo funcionando com sua capacidade máxima, o sistema da Cedae não consegue suprir a demanda desta área. Falta reservatórios d’água, adutoras e troncos coletores capazes de distribuir a água em toda a região. A maioria das casas não têm cisterna e o abastecimento funciona à base de manobras. Enquanto a água está sendo desviada para uma área, outra tem a distribuição interrompida.
Segundo o professor a privatização exigirá que o órgão regulamentador seja mais do que uma instituição “para inglês ver”. “O órgão deverá ter autonomia administrativa e financeira para fiscalizar o cumprimento de concessão, tanto por parte da concessionária quanto por parte do poder concedente” sugere o professor que cita como exemplo o caso da Feema, um órgão que por não ter esta autonomia sofre com o descaso e o esvaziamento do setor. Um problema que, para o professor, pode ser resolvido com a privatização é a alteração na lei de licitações das empresas estatais, que só atrasam e encarecem as obras.
S.O.S Paraíba do Sul
Mas a situação do rio que o Rio bebe é ainda mais grave. A água do rio Paraíba do Sul, que abastece a casa de 8 milhões de habitantes da região metropolitana do Rio de Janeiro, através do sistema Guandu, é de péssima qualidade e possui alta concentração de coliformes fecais. A bacia do rio Paraíba, contornada por 160 municípios e cerca de 4.800 habitantes, abrange uma das áreas industriais mais desenvolvidas do país. O complexo hidrográfico recebe, além do esgoto doméstico in natura, poluição industrial com metais pesados e substâncias tóxicas, lixões e agrotóxicos. A água captada pelo rio Guandu é proveniente de regiões industriais, como São José dos Campos, Barra do Piraí, Resende, Volta Redonda e Barra Mansa.
O estado do paciente é grave mas tem solução. E é neste sentido que um grupo de professores, pesquisadores e técnicos, que atua no Laboratório de Hidrologia da COPPE, vem trabalhando no projeto de recuperação ambiental e de gestão dos recursos hídricos da bacia do Paraíba. Este projeto é fruto de um convênio firmado pelo Governo Federal com as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O acordo, assinado em 1996, pemitiu a elaboração do Programa de Investimentos, organizado pelo Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul (Ceivap).
Segundo o professor Kelman, a bacia precisa da ação do comitê na liderança para a recuperação da qualidade da água do rio Paraíba. A Lei das Águas, promulgada em 1997, criou um “parlamento das águas” que congrega as empresas poluidoras, os gorvernos municipais, estaduais, e federal, e a sociedade civil para aplicar os instrumentos de gestão dos recursos hídricos da bacia. A concessão de direito de uso do rio e a cobrança pelo uso do rio são dois instrumentos da lei, destacados pelo professor como fundamentais. “Estes mecanismos visam internalizar os prejuízos causados a todos os clientes por cada usuário que capte água ou despeje efluente no rio . Os valores cobrados irão compor um fundo de investimento destinado a finaciar a recuperação da qualidade da água da bacia”. O projeto de recuperação do rio Paraíba do Sul começa em 1999. Financiado pelo Banco Internacional para o Desenvolvimento (BIRD), o projeto tem custo estimado em U$ 1,2 bilhões, só no Rio de Janeiro, e de U$ 3,2 bilhões em toda a bacia.