Tecnologia desenvolvida na Coppe analisa arte sacra do século XVI
Planeta COPPE / Engenharia Nuclear / Notícias
Data: 18/08/2010
A imagem de São Sebastião do Rio de Janeiro, considerada a segunda obra de arte sacra mais antiga do Brasil, será restaurada com base nos resultados de uma tecnologia de ponta. Trata-se do sistema portátil de fluorescência de raios X desenvolvido pela pesquisadora da Coppe Cristiane Calza, que ainda esta semana entregará os resultados da investigação. A técnica que permite identificar os pigmentos usados na época de execução da obra possibilitará a recuperação das características originais da peça trazida de Portugal para o Brasil em 1567 e entregue em 1842 pelo governo imperial aos cuidados dos frades capuchinhos, que a mantêm na igreja da ordem, na Tijuca.
O sistema desenvolvido por Cristiane no Laboratório de Instrumentação Nuclear da Coppe, sob a orientação do professor Ricardo Tadeu Lopes, também foi recentemente aplicado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Em dezembro de 2009, a pesquisadora analisou a pintura decorativa de Henrique Bernardelli, no teto das rotundas, e três painéis decorativos pintados por Eliseu Visconti no teto do foyer do teatro. “Foi um teste de equilíbrio. Tive que subir, com o equipamento na mão, por meio de escadas e andaimes, para analisar pinturas em locais com altura simular a de um prédio de três andares”, disse, em tom de brincadeira, a pesquisadora, que, durante o mês de dezembro do ano passado, teve uma rotina movimentada, finalizando o trabalho no teatro às vésperas do Natal.
O altar da capela-mor, no Convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca, também passou pelo crivo do sistema portátil. Com base na análise dos pigmentos originais, Cristiane observou que a talha, originalmente recoberta com folhas de ouro, tinha sido recoberta com tinta comercial, o que facilitará o trabalho dos restauradores na recuperação do dourado original da peça. Analisou também os pigmentos dos painéis pintados sobre madeira, nas paredes laterais e no teto da capela-mor, que retratam os milagres de Santo Antônio.
Não é por acaso que o equipamento vem despertando grande interesse por parte de restauradores, dirigentes de museus e instituições de pesquisa, dentro e fora do País. A eficiência da tecnologia – que possibilita identificar a época e a composição de cores de uma obra de arte, assim como posteriores retoques e possíveis falsificações –, aliada à praticidade do sistema portátil, que dispensa o deslocamento da obra, tem conquistado a preferência de especialistas. O sistema foi utilizado pela primeira vez na recuperação do quadro “Primeira Missa no Brasil”, de Victor Meirelles, que faz parte do acervo do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA).
A proximidade com o universo da arte mudou a rotina da pesquisadora da Coppe. Hoje, sua agenda alterna entre os dias dedicados ao laboratório, na Coppe, e as imersões nos museus. Em junho deste ano, a pesquisadora voltou ao Convento de Santo Antônio, onde passou 15 dias aplicando a técnica em 13 imagens sacras do período barroco, que também serão recuperadas.
Sobre a tecnologia
O sistema portátil de fluorescência de raios X é capaz de identificar a época em que um quadro foi pintado, a composição de cores utilizada pelo artista, a existência de retoques e possíveis falsificações. Os dados são obtidos no próprio local onde a obra está instalada e de forma não destrutiva, já que o aparelho fica a um dedo de distância do objeto, eliminando assim riscos de danificação e mantendo a integridade do quadro.
Outra vantagem da técnica é a versatilidade. O sistema permite analisar vários tipos de amostras, como biológicas, ambientais, minerais e de arqueometria. É possível identificar, por exemplo, além da composição, a procedência e o período histórico de artefatos arqueológicos, suas técnicas de manufatura e, ainda, revelar falsificações, a partir de uma análise dos elementos químicos constituem os artefatos.
O sistema portátil é fruto de quatro anos de pesquisa, que resultou na tese de doutorado defendida por Cristiane, em 2007, no Programa de Engenharia Nuclear da Coppe, sob a orientação do professor Ricardo Tadeu Lopes. A primeira obra restaurada com base nas informações levantadas pela pesquisadora foi “Primeira Missa no Brasil”, do pintor Victor Meirelles. Cristiane passou três semanas no MNBA, em 2006, e mais sete dias em seu laboratório, analisando detalhadamente os resultados. O esforço foi compensado: o quadro foi destaque na exposição do museu, inaugurada no final de 2006, e que percorreu diversos museus do país, como parte dos eventos comemorativos dos 300 anos da chegada da família real ao Brasil. Desde então, o sistema portátil foi aperfeiçoado e utilizado para analisar mais 32 obras do MNBA.
Associado à técnica de radiografia computadorizada, que contou com a colaboração dos pesquisadores da Coppe, Davi Oliveira e Henrique Rocha, o sistema portátil de fluorescência complementa as informações obtidas a partir das análises. Além da precisão e rapidez na obtenção dos dados – itens valiosos para o restauro de uma obra –, o fato de o sistema ser portátil, dispensando a locomoção de um quadro como “Primeira Missa no Brasil”, que mede 2,68 x 3,56 metros e está avaliado em R$ 6 milhões, foi um verdadeiro alívio em termos de economia e segurança para os dirigentes do museu.
“Grande parte das técnicas utilizadas, tanto no Brasil como no exterior, exige que a obra seja enviada a laboratórios ou locais específicos para ser analisada. Essa condição muitas vezes inviabiliza a realização do trabalho, seja no caso de um quadro de grandes dimensões ou de alto valor artístico-cultural que precisaria de todo um esquema especial de segurança e transporte”, afirma.