Crise atual do setor elétrico traz risco de blecaute, avaliam especialistas reunidos pela Coppe

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Data: 21/06/2021

“O ponto de atenção não é o racionamento, mas sim o risco de blecautes”, alertou o professor Maurício Tolmasquim

A Coppe/UFRJ promoveu nesta quinta-feira, o seminário Clima, Água e Energia: Potenciais Conflitos Socioeconômicos e Ambientais. O evento, realizado de maneira remota e disponível no YouTube, reuniu os professores Luiz Pinguelli Rosa, Marcos Freitas e Maurício Tolmasquim, do Programa de Planejamento Energético da Coppe, dentre outros especialistas que avaliaram a gravidade da nova crise hídrica pela qual o país atravessa e os riscos de racionamento, aumento de preços, aumento de poluição atmosférica e até mesmo de blecaute nos horários de maior consumo de energia.

O professor Maurício Tolmasquim avaliou que a atual crise hídrica traz um risco maior de blecautes do que de racionamento. “O ponto de atenção não é o racionamento, mas sim o risco de blecautes, tanto pelo fato de no horário de pico poder não ter o fornecimento, como pelo uso intenso das linhas de transmissão, pois qualquer acidente poderia ter grandes repercussões, já que estão muito carregadas”, afirmou o professor, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Tolmasquim explicou que embora o déficit não seja preocupante nos subsistemas Norte e Nordeste, ele é maior nos subsistemas (Sul e Sudeste/Centro-Oeste) que respondem pela maior parte da capacidade do Sistema Interligado Nacional. “A caixa d´água grande (70%) está mais vazia (30,8%) que as caixas menores. Então, o geral está 41% o que é muito baixo, sobretudo pensando que estamos no começo do período seco”.

Na avaliação do ex-presidente da EPE, “as usinas hidrelétricas do Norte estão sendo muito importantes em um momento em que os subsistemas Sul e Sudeste/Centro-Oeste estão deficitários. Mesmo as usinas de Belo Monte, Santo Antonio e Jirau sendo a fio d´água”.

De acordo com Maurício Tolmasquim, o subsistema Nordeste tem exportado energia gerada pelas usinas eólicas neste período de maio a novembro, período mais seco no Sul e Sudeste e com mais ventos no Nordeste. A energia eólica tem custo variável menor que a térmica e reduz a necessidade de despachar essa fonte de energia, que ainda traz o problema de uma maior emissão de CO2.

Além disso, alerta Tolmasquim, “o saldo na conta bandeiras está deficitário. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) propõe reajustar as bandeiras vermelha 1 e 2 em mais de 20%, com o impacto correlato na inflação. Mas, não tem muito jeito, se aumenta o despacho térmico, tem que pagar por isso. Caso nada fosse feito, chegaríamos em novembro de 2021 com 7,5% dos reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste”, lamenta o professor da Coppe.

Setenta milhões de brasileiros em risco

O coordenador geral de Ciências da Terra, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Gilvan Sampaio, alertou que o déficit de precipitação nas regiões central e no sul do país hoje é maior do que os registrados durante o período do racionamento de 2001, e que o volume de chuvas previsto para os meses de junho, julho e agosto não serão suficientes para recuperar os níveis dos reservatórios.

Gilvan afastou a possibilidade de que a baixa pluviosidade seja consequência de fenômenos climáticos sazonais. “Nós saímos do La Niña e até o final do ano estaremos em neutralidade, sem El Niño ou La Niña. Há uma conexão entre aquecimento global e ciclo hidrológico. Isso modifica a forma como as nuvens se formam. Nas regiões costeiras, a evaporação mais rápida leva a chuvas mais intensas e enchentes. Chuva intensa e concentrada não ajuda os reservatórios, o prolongamento dos dias secos tampouco”, explicou.

O diretor da Área de Regulação Agência Nacional de Águas (ANA), Oscar Cordeiro, por sua vez, indicou que há uma tendência de diminuição da segurança hídrica do país nos próximos anos. Para ele, é importante dar atenção a temas como o uso mais eficiente da água e da energia.

Segundo Oscar, o total de água retirada das bacias hidrográficas brasileiras chegou a 2.083 m³/s, sendo quase a metade (49%) destinada para irrigação (sendo oito milhões de hectares de área irrigada no país, segundo o Atlas da Irrigação da ANA). Com isso, a crise pluviométrica/hidrográfica, coloca “73 milhões de pessoas em risco e pode gerar perdas econômicas associadas a déficit hídrico de 518 bilhões de reais em produção industrial ou agropecuária”.

Reservatórios são ativos importantes na gestão do sistema

Professor Pinguelli criticou a escassez de projetos de hidrelétricas nos últimos anos

Na avaliação do professor Luiz Pinguelli Rosa, a atual crise expõe problemas tanto no planejamento quanto na expansão do sistema. “Somando as pequenas parcelas mostradas (das possíveis intervenções para minimizar a crise), o resultado é relativamente pequeno, não chega a 10% do déficit apresentado. A importação de energia, por exemplo, tirando a do Paraguai, que já é prevista, aquela vinda da Argentina e Uruguai é muito pequena”.

“Não houve construção significativa de usinas hidrelétricas nos últimos anos. Os projetos como duplicação de Tucuruí, Belo Monte e Jirau, são dos governos Lula e Dilma. O governo Temer foi pouco ativo, embora haja a justificativa da crise econômica. A falta de potência é o mais grave, porque não tem de onde transferir e afeta o momento de pico, podendo levar a interrupções de fornecimento no horário de maior consumo. Nossa perspectiva não é muito boa”, critica o ex-presidente da Eletrobras.

Professor Marcos Freitas destacou que os lençóis freáticos também correm risco

O professor Marcos Freitas alertou para um problema que não tem recebido muita visibilidade no debate público. “A gente pode estar jogando para frente problema com lençóis freáticos, pois este monitoramento não é feito pelo governo federal e sim para os estados. As usinas térmicas usam água subterrânea e pode não faltar carvão, mas faltar água para a sua operação”, ponderou o coordenador do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig), da Coppe.

“A vida seria mais fácil se a gente fizesse reservatórios”, ponderou o professor Maurício Tolmasquim, para quem não apenas as barragens, mas os novos projetos de hidrelétricas estão com os dias contados. “Com essa restrição, temos que pensar como operar. Poderíamos usar os reservatórios já construídos para firmar as renováveis que são intermitentes. São ativos muito importantes que outros países não dispõem. Usar o reservatório com mais parcimônia e deixá-los encher mais nos períodos em que eólica e solar estiverem mais produtivas, e assim deixarmos as usinas termelétricas como um recurso, em stand by”.

O evento foi coordenado pelo Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig), Programa de Planejamento Energético (PPE), ambos da Coppe, e pela Sub-rede de Energias Renováveis da Rede Clima e Coordenação de Compensação Ambiental e Sustentabilidade da UFRJ (CCAS-UFRJ), e contou com a participação da reitora da UFRJ, professora Denise Pires.

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