Pesquisadores apontam que o mundo precisará quadruplicar o esforço para reduzir emissões de gases
Planeta COPPE / Planejamento Enérgico / Notícias
Data: 04/03/2020
Uma década de ação política insuficiente para o combate às mudanças climáticas. Isso significa que os países precisarão empenhar quatro vezes mais esforços do que fizeram até o momento – ou três vezes mais rápido – para conseguir cumprir o Acordo de Paris, que visa conter o aquecimento global em até 2ºC acima dos níveis pré-industriais, com ambição de limitá-lo a não mais que 1,5ºC. Essa é a conclusão de artigo assinado pelo professor Roberto Schaeffer, da Coppe/UFRJ, e outros quatorze cientistas, publicado nesta quarta-feira, 4 de março, no site da revista Nature.
No artigo, os pesquisadores apontam que, para limitar o aquecimento global em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, os países deverão cortar acima de 7% ao ano suas emissões, ou em cerca de 3%, para limitar o aquecimento em 2ºC.
As emissões anuais globais cresceram 14% entre 2008 e 2018. Isso significa que a redução terá que ser mais rápida, pois o aquecimento global de longo prazo se dá pelo carbono acumulado na atmosfera. A comunidade internacional agora concorda que o aquecimento deve ser contido em 1,5ºC e não mais em 2ºC, pois os riscos do aquecimento global são muito mais bem compreendidos atualmente.
Segundo os autores, em 2010 estimava-se em 30 anos o tempo necessário para cortar pela metade as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Hoje, para obter a mesma meta, é preciso reduzir o tempo de ação de 30 para até dez anos.
A janela de oportunidade para cortar as emissões globais de GEE pela metade também encurtou: “dez anos (em vez de 30) para conter o aquecimento em 1,5ºC e 25 anos para contê-lo em 2ºC. A diferença é tão grande que os governos, setor privado e comunidades deverão trabalhar com um cenário de crise, tornar suas demandas ambientais mais ambiciosas e focar em ações preventivas mais agressivas”, destacam os autores. No caso do Brasil, as emissões hoje esperadas para 2030 são ainda maiores do que aquelas que o país se comprometeu em 2015 para aquele ano no futuro.
“Se a comunidade internacional tivesse levado mais a sério os seus compromissos assumidos já desde Paris em 2015, o esforço hoje para manter o mundo hoje dentro de uma trajetória compatível com um mundo de 1,5ºC seria muito menor, e provavelmente muito mais factível também”, ressalta Schaeffer, que é o sexto autor mais influente do Grupo de Mitigação (Grupo 3) do IPCC, segundo estudo publicado na Review of Policy Research.
As conclusões apresentadas no artigo se baseiam nas dez edições do Emissions Gap Report (relatório que explora o descasamento entre emissões prometidas e cumpridas), produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Ao longo da última década, pesquisadores produziram relatórios revelando a diferença entre os compromissos assumidos pelos países para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e o que seria necessário fazer, coletivamente, para cumprir as metas globais.
Bons exemplos
Apesar do cenário nada animador, alguns países, estados e cidades têm dado lições de sustentabilidade. Segundo o artigo, 76 países e regiões e 14 estados e comunidades instituíram como meta zerar suas emissões líquidas de carbono (quando o balanço entre emissão e captura de carbono se torna nulo). Para encurtar o “gap”, os autores ressaltam que é fundamental ampliar a escala dessas histórias de sucesso, tornando-as exemplos para os demais.
Costa Rica, Shenzhen (China) e Copenhague mostram avanços no uso de energias renováveis e na eletrificação de transporte. A Califórnia e o Reino Unido fixaram metas ambiciosas para atingir a neutralidade nas emissões de carbono até 2045 e 2050, respectivamente. “Pela dimensão dessas economias, trata-se de um forte sinal para o setor industrial. Mas ainda não é algo implementado, está no campo das intenções”, avalia Schaeffer. “Alguns estados, regiões e mesmo empresas estão tomando iniciativas próprias, indo além da inércia dos governos nacionais. Isso gera um bom sinal para descarbonização progressiva da economia”, complementa o professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe.
Os custos das energias renováveis estão caindo mais rapidamente do que se esperava. A geração solar ou eólica se tornará financeiramente mais competitiva do que as termelétricas a carvão já implementadas nos últimos anos. Os custos decrescentes, incluindo de baterias de armazenamento, abrem possibilidades para a eletrificação de baixo carbono, em larga escala.
O artigo contém uma tabela na qual são avaliados os sete maiores emissores de GEE do mundo: China, Estados Unidos, União Europeia, Índia, Rússia, Indonésia e Brasil. Apenas Brasil e Indonésia aparecem com perspectivas de retrocederem em seus compromissos e emitirem ainda mais carbono do que se comprometeram no passado. E o motivo é o mesmo: aumento no desmatamento. Esse cenário foi antecipado por Roberto Schaeffer e três professores do PPE: André Lucena, Alexandre Sklo e Pedro Rochedo, além dos pesquisadores Alexandre Koberle e Regis Rathman, em 2018, na revista Nature Climate Change.
Conforme relembra o professor da Coppe, faz parte do Acordo de Paris que as partes signatárias revisariam, a cada cinco anos, suas Contribuições Nacionalmente Determinada (NDCs). “Em novembro, em Glasgow (Reino Unido), será realizada a próxima COP. Cada país deverá apresentar NDCs no mínimo tão ambiciosas quanto as que foram apresentadas em Paris. O Brasil, lamentavelmente, não dá sinais de que fará isso”, critica.