Especialistas criticam privatização do setor elétrico e estratégia de resistência à agenda econômica

Planeta COPPE / Planejamento Enérgico / Notícias

Data: 07/10/2019

O Brasil perde competitividade tecnológica e soberania ao optar por uma agenda excessivamente liberal, não adotada nem por países ricos nem por nações em desenvolvimento. Foi esse o consenso entre os especialistas que participaram do debate sobre o “impacto das privatizações no setor de energia”, dia 2 de outubro, no auditório da Coppe. Promovido pela Coppe/UFRJ e a Adufrj (Seção Sindical dos Docentes da UFRJ), o evento reuniu cinco especialistas em economia e planejamento energético para debaterem o tema: Luiz Pinguelli Rosa; Luis Eduardo Duque Dutra; Esther Dweck; Ildo Sauer; Roberto D´Araújo.

Na opinião do professor Luiz Pinguelli Rosa, do Programa de Planejamento Energético da Coppe, mediador do seminário, a esquerda comete um erro de estratégia ao concentrar suas críticas no presidente Jair Bolsonaro e em suas frequentes e lamentáveis declarações públicas. “Colocamos pressão no Bolsonaro, enquanto o Paulo Guedes segue solto. Há muito pouca pressão sobre ele, que é quem executa a política de privatização. Acho que deveria se formar um grupo, sindicalistas, estudantes, que fosse atrás dele onde estivesse, e pusesse pressão. Ele não é o único responsável por essa agenda privatizante, mas é o executor”, sugeriu o professor.

Na avaliação do professor Pinguelli, a esquerda coloca pouca pressão sobre Guedes, o executor da agenda privatizante

O professor Ildo Sauer, da Universidade de São Paulo (USP), endossou a opinião de Pinguelli. “Das frentes que encaramos, estamos nos concentrando no Cacareco, o Macaco Tião que ganhou a eleição. Mas, o enfrentamento mesmo se dá no plano econômico, é o coração do debate e da luta e quem comanda é o Guedes, e infelizmente estamos com dificuldade de aglutinar a resistência”.

Para a professora Esther Dweck, do Instituto de Economia (IE/UFRJ), o “show” de declarações absurdas de Bolsonaro e seus ministros faz parte de um projeto de destruição. “Já que o governo não dá pão, ele dá circo para passar essa agenda econômica. Nem as reformas feitas pelos presidentes Collor e Fernando Henrique foram neste ritmo de destruição. A privatização associada à desnacionalização é instrumento de desmonte do modelo de desenvolvimento gestado há 100 anos”, critica.

Segundo Esther, o país vive a recuperação pós-crise mais lenta de sua história. “Neste ritmo, apenas em 2024 teremos o PIB que tínhamos em 2014. E a recuperação é lenta para forçar narrativa e propor medidas absurdas”. Como exemplos destas medidas, a professora enumerou: “reforma da previdência; teto de gastos que implica em ajustes fiscais permanentes; desvinculação de receitas, o que o Guedes chama de ‘quebrar o piso’; abertura comercial unilateral, em contexto de guerra comercial e cambial entre Estados Unidos e China; privatizações; fim dos bancos públicos e regras de conteúdo local; continuação da reforma trabalhista, visando equiparar o trabalho formal e o informal”.

Um país que privatiza sem saber privatizar

Para Roberto D´Araújo, o Brasil não sabe privatizar.

Roberto D´Araújo, diretor do Instituto Ilumina, foi além, questionando não só a conveniência de privatizar as empresas estatais do setor elétrico, mas o fato de o país saber executar privatizações. “De 1990 a 2006 arrecadamos 106 bilhões de dólares com privatizações. Bastam dois anos de renúncia fiscal e já dá esse valor. A dívida pública subiu de 35% do PIB, no início do governo FHC, para quase 80%. Privatizou-se uma economia que ficou mais endividada, e o investimento público que já foi 9% caiu para 5%. Além disso, a Agência Internacional de Energia apresentou estudo no qual a tarifa brasileira é a terceira mais cara do planeta, de acordo com a paridade do poder de compra. Apesar de o País contar com a hidrologia favorável para geração de energia”.

A professora Esther Dweck concordou com D´Araújo que as privatizações feitas no Brasil são mal feitas, fugindo mesmo à racionalidade econômica da maximização de valor. “Não se vende ativos em baixa. Para além da discussão do que é estratégico ou não, não faz sentido vender empresas quando o valor de mercado está em baixa. Neste cenário de juros baixos, como ocorre nos países desenvolvidos, o capital internacional precisa de ativos para manter sua lucratividade e o Brasil virou um grande mercado de ativos fixos”.

Para Esther, não faz sentido a Petrobras abrir mão de refinarias para focar na exploração, quando a maior parte das empresas do setor mantém atividades de exploração e também refino, e citou como exemplo de falta de lógica o interesse do governo em vender uma das mais famosas refinarias do país. “A refinaria de Abreu e Lima se envolveu em polêmica devido ao custo de construção ter excedido em muito o previsto, mas é uma refinaria com alta produtividade e com maior automação e tecnologia da Petrobras, além de contribuir para a produção de derivados, um dos maiores problemas da balança comercial”.

“Enquanto isso, a China lança a iniciativa Made in China 2025, política industrial para tornar o gigante asiático líder global nas indústrias do futuro. Vinte agências governamentais com 150 especialistas durante dois anos para formular uma estratégia de longo prazo para transformar a indústria chinesa. Apoiada sobre princípios como apoiar a inovação, priorizar qualidade x quantidade, tornar o desenvolvimento ecológico, e valorizar o talento chinês”, compara a professora de Economia.

Paulo Guedes: incoerente e inconsistente

Segundo Luis Eduardo Duque Dutra, o radicalismo de Paulo Guedes não encontra respaldo significativo entre os economistas.

Na avaliação do professor Luis Eduardo Duque Dutra, da Escola de Química (EQ/UFRJ), o objetivo do governo é privatizar a joia da Coroa, a Petrobras, e a orientação da direção atual da empresa é enxugá-la de modo a facilitar sua futura venda. “A estratégia deles é vender ativos, focar no pré-sal de forma a reduzir a dívida e aumentar o fluxo de caixa. Para daqui a quatro anos vender a empresa para o capital internacional”.

Economista de formação, Duque enfatizou que o radicalismo do ministro da Fazenda não encontra respaldo significativo entre os economistas. “Tenho que sublinhar que a corrente de pensamento ultraliberal que o Guedes chefia no país é minoritária e ultrapassada na Ciência Econômica. O fato de não distinguir estrutura de mercado é erro básico de microeconomia. O mundo hoje presencia guerra comercial e cambial, e o governo promove abertura unilateral sem fazer leitura da conjuntura. É incoerência teórica e inconsistência histórica”.

“Eu sou economista, mas aprendi política com o embaixador Sebastião do Rego Barros e o deputado Haroldo Lima, um liberal e outro comunista. Os dois me ensinaram que em momentos assim a conduta deve ser objetiva e pragmática. Resistir ao máximo, mitigar as perdas e semear o futuro. É isso que tento propor”, afirmou o professor.

Segundo Ildo Sauer, “o ataque brutal ao setor elétrico e a nossa maior conquista, a Petrobras, mostra que está encarniçada a disputa pelo excedente econômico e controle tecnológico gerados pelas empresas estatais. Buscam a usurpação do valor econômico dos recursos que elas controlam e o empoderamento dos usurpadores”.

“O governo anuncia para o mês que vem a entrega de seis a quinze milhões de barris da cessão onerosa. Governadores de todos os matizes estão se refestelando como hienas, pelos restos do banquete que os compradores do recurso terão no futuro. Caso sejam 15 milhões (de barris) a 40 dólares cada, isso dá 600 bilhões de dólares, ou 2,4 trilhões de reais ao longo de 20 anos. E estão brigando por 100 bilhões de reais. É uma demonstração cabal de não sermos capazes de construir consciência pública do valor da Petrobras e da Eletrobras”, critica Sauer.