Nassif critica a desestabilização de governos progressistas e defende regulação da mídia
Planeta COPPE / Institucional Coppe / Notícias
Data: 28/06/2017
A Coppe/UFRJ recebeu na sexta-feira, 23 de junho, o jornalista Luis Nassif, na terceira edição do Ciclo Brasil e suas perspectivas. Nassif indicou que o combate à corrupção tem sido usado pelos Estados Unidos para desestabilizar governos progressistas e clamou por uma nova política de conciliação social, que avance na regulação da mídia e do mercado financeiro.
Na opinião do diretor-superintendente da Agência Dinheiro Vivo e colunista do portal GGN, com as redes sociais, a multiplicação das fontes de informação e a facilidade de acesso às mesmas, tornou-se possível acompanhar, em tempo real, o que antes pareceria ser apenas uma teoria conspiratória.
Nos anos 1990, foram erigidos mecanismos de cooperação internacional, em torno do combate ao crime organizado. Conforme explicou Nassif, após os atentados de 11 de setembro de 2001, esses mecanismos se fortaleceram e foram voltados ao combate ao terrorismo. A ideia era que só com cooperação internacional seria possível enfrentar crimes transnacionais.
“Quem conduz o jogo da cooperação internacional é quem está mais aparelhado tecnologicamente”, explicou. No caso, o condutor, de acordo com o jornalista, seriam os Estados Unidos, que passaram a cruzar as informações, captadas por suas agências de inteligência, para desestabilizar governos social-democratas.
Os “golpes” engendrados sob influência dos Estados Unidos dependem de três atores, segundo Nassif: um juiz cúmplice, movimentos sociais financiados por ONGs americanas, e uma empresa hegemônica de mídia.
Segundo Nassif, com a operação Banestado, o juiz Sergio Moro e procuradores passaram a ter contato informal direto com a Secretaria de Estado norte-americano. “Essa semana, o coletivo Jornalistas Livres revelou que Moro autorizou atuação controlada no território brasileiro, sem sequer comunicar ao Ministério Público. O que antes era um indício, agora se torna um fato concreto. Isso mostra a forma de atuar de um magistrado que a partir de um pequeno episódio, envolvendo posto de gasolina, daí o nome Lava Jato, conseguiu derrubar uma presidente da República”, afirma o jornalista.
Corrupção revelada, outra escondida
Em seguida, Luis Nassif comentou uma reportagem, publicada em seu blog na véspera da palestra, que expõe a sincronia entre a denúncia de corrupção envolvendo a CBF e a Rede Globo, e o início de uma série de reportagens da emissora, motivadas pela delação de Joesley Batista, dono da empresa JBS, envolvendo o presidente da República, Michel Temer.
A delação de Joesley foi divulgada pelo jornal O Globo no dia 17 de maio. Uma semana depois, é preso o ex-presidente do Barcelona, Sandro Rosell, acusado do desvio de recursos de patrocínios em jogos da seleção brasileira. “O escândalo envolvendo a CBF e a rede Globo foi abafado pela superexposição do escândalo JBS”, avaliou Nassif.
“A cronologia da prisão de Rosell é a cronologia da Globo mergulhando na derrubada de Temer. Ninguém cai de cabeça em uma denúncia, para derrubar o presidente que ela mesma colocou. Por que, da noite pro dia, ela (Globo) resolve derrubar o Temer? Não que ele não mereça. Mas, a denúncia chega às 17h e o Jornal Nacional, mesmo improvisado, dedica 1h a isso”, questionou.
“Mãos Limpas foi um poço de legalidade perto da Lava Jato”
Antes da palestra, Nassif embarcou no Maglev-Cobra e conheceu a nova sala de controle do veículo de levitação magnética da Coppe/UFRJ. O jornalista visitou ainda o LabOceano.
Na avaliação de Luis Nassif, a vulnerabilidade institucional, que dentre outros fatores é causada pela contaminação feita pelo financiamento das campanhas eleitorais, sempre foi aproveitada pelo que há de pior na política nacional. “Esse grupo do Michel Temer, Eliseu Padilha, Moreira Franco, Geddel Vieira Lima (todos do PMDB). Quando FHC se fragiliza em 99, eles assumem uma parcela de poder e passa a chantagear todos os governos quando se enfraquecem. Com o afastamento da Dilma, sai alguém que tinha visão de país e entra esse grupo em seu lugar. Ela perde o rumo a partir de determinado momento, mas havia um projeto de país complexo e que estava caminhando”, afirmou.
Nassif retomou, então, o argumento de que é o interesse geopolítico americano a fragilização de governos e empresas os quais percebe como competidores no cenário internacional. “Os Estados Unidos passam a usar o combate à corrupção como peça central para impedir o desenvolvimento dos demais países e vão cozinhando uma a uma as lideranças social-democratas. Liquidaram politicamente José Sócrates (ex-primeiro-ministro) em Portugal, sem levantar uma prova contra ele”.
Para o jornalista, é evidente que as empreiteiras têm histórico de corrupção, pois, segundo ele, em todos os países, o desenvolvimento é marcado pela cumplicidade entre as empresas nacionais e quem ocupa o poder. “Estou citando a corrupção política como um dado de desenvolvimento. A Siemens quando se espalhou pelo Terceiro Mundo, o fez por suborno. Não estou defendendo a prática, mas é uma realidade dos países quando passam a conquistar mercados externos”, ponderou.
Em um paralelo entre a operação Lava-Jato e a operação Mãos Limpas, realizada na Itália, a partir de 1992, e que lhe serve como referência, Nassif relembrou que a “caça às bruxas” promovida na ocasião levou à desagregação de setores da economia italiana e do esfacelamento do establishment político daquele país.
“Em 2005, o juiz Sérgio Moro publicou um estudo sobre a Mãos Limpas, e tudo que ele fez na Lava Jato, e tudo que ele fez na Lava Jato estava lá. Articulação com a imprensa, vazamentos seletivos, conquista da opinião pública. Mas, a Mãos Limpas foi um poço de legalidade perto do que foi feito aqui na Lava Jato”.
Segundo Nassif, a mídia se vale de características do “cidadão médio”, como o medo do imprevisível, da instabilidade social e política, e usa a escandalização como parte da estratégia. “Lembrem que a imprensa gastou uma semana falando da tapioca que o ministro Orlando Silva comprou com o cartão corporativo. Todo adversário meu tem que ser demonizado. Isso independe da linha política, a mídia escolhe os inimigos – pode ser José Dirceu, Jader Barbalho, Fernando Collor e Paulo Maluf – e os torna super poderosos”, analisou.
O papel da mídia e a defesa da sua regulação
No caso de Dilma Rousseff e do PT, a imprensa, segundo Nassif, teria apelado ao anticomunismo. “Não há nada mais antibolivariano do que a Dilma, mas não adiantou. O monstro foi criado e prevalece a opinião de quem tem mais poder de fogo. A política de conciliação levou ao golpe. Foi o golpe mais fácil da história. Dilma tinha uma ótima visão no começo do governo, é uma mulher fantástica, mas achou que como não era culpada, a Lava-Jato tiraria todos os bandidos e a deixaria em paz”, lamentou Nassif.
Da mesma forma que desconstrói a imagem de adversários, a imprensa, na opinião do jornalista, trabalha positivamente a imagem de algumas personalidades públicas, como Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Ayres Britto (ministros e ex-ministros do STF), ou dos senadores José Serra e Álvaro Dias. “Veja o caso do Temer, qualquer batatada que dizia, era ‘nossa, como se expressa bem, usa mesóclise’”, ironizou o jornalista.
“Quando o país não é institucionalmente maduro, basta pegar um juiz cúmplice, o maior grupo de mídia, cria o discurso da corrupção, um grupo de burocratas (Ministério Público) que perdeu completamente a noção de sua função pública. Com isso consegue-se derrubar um presidente”, criticou Nassif, que ressaltou ter sido, em sua opinião, o primeiro golpe parlamentar no Brasil o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Pensando em 2018, Nassif disse acreditar que o país, apesar dos pesares, tem boas perspectivas, pois há diagnósticos e propostas para todas as áreas. Elogiou a visão política de dois presidenciáveis: Lula e Ciro Gomes, mas fez ressalvas. “Ciro tem uma visão muito grande, mas é estourado. Dá uma entrevista brilhante e no meio dela diz que receberia o Moro à bala, e estraga tudo”.
“O Lula sabe como falar para a alma do povo. Identifica os pontos centrais de desenvolvimento. Ele tem visão integrada, tem um discurso completo. É como se fosse o Mike Tyson, só é abatido à bala. No caso, alguma decisão judicial. A Lava Jato comprometeu o Lula como ativo de conciliação nacional”, analisou o jornalista.
Para que o Brasil descortine melhores perspectivas de desenvolvimento, Nassif defendeu que seja feito um projeto de regulação da mídia, diminuindo a concentração do setor (“a Globo tem um poder tão avassalador que é uma ameaça à nacionalidade”), e que o governo não se curve ao que chamou de “falsa ciência de política fiscal e monetária” do mercado financeiro. “O que se gasta com juros poderia cobrir o país com obras de infraestrutura”, enfatizou.
Nassif criticou ainda o “liberalismo de boutique”, que, em sua opinião, tem como melhor representante o ministro do STF, Luis Roberto Barroso, o qual apoiaria mudanças sociais, mas com recorte de classe. “Massificação de políticas sociais? Não, tem que ter responsabilidade fiscal, teto de gastos”, ironizou. Mas o jornalista mantém o otimismo pelo que viu nas recentes mobilizações de alunos do ensino médio. “A reconstrução será profunda, mas a energia que vem da rapaziada e a visão objetiva de Brasil me impressionam. É uma geração como nunca vi nesses movimentos estudantis”.
Sobre o Ciclo
Promovido pela Coppe/UFRJ, o Ciclo é aberto ao público e tem como objetivo promover debates com personalidades, intelectuais, jornalistas e líderes sociais sobre a crise do país e maneiras de superá-la. Nas edições anteriores, os convidados foram Ciro Gomes, ex-ministro da Fazenda (no governo Itamar) e da Integração Nacional (no governo Lula), e Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração Federal e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (ambos no governo Fernando Henrique).