Coppe debate crise hídrica e de energia elétrica
Planeta COPPE / Engenharia Civil / Notícias
Data: 04/02/2015
Tomar medidas urgentes para racionalizar o uso de água e de energia elétrica e ajustar a formação de preços do setor de energia foram algumas das recomendações feitas por especialistas que participaram do seminário “A Crise Hídrica e a Geração de Energia Elétrica”, promovido pela Coppe, nesta segunda-feira, 2 de fevereiro.
O evento, coordenado pelo diretor da Coppe, Luiz Pinguelli Rosa, contou com a presença do professor Paulo Canedo, coordenador do Laboratório de Hidrologia da Coppe; do engenheiro Roberto D´Araujo, diretor do Instituto de Desenvolvimento do Setor Energético (Ilumina); do professor Pedro Dias, diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC);e do engenheiro Mário Veiga, presidente da empresa de consultoria em eletricidade e gás natural PSR.
Os especialistas ressaltaram que as hidrelétricas que fazem parte do sistema interligado só têm capacidade de geração de energia para um mês de consumo (60 GW médio), caso não chova o suficiente para renovar os reservatórios que, no momento, estão com menos de 20% de sua capacidade máxima.
O professor Pinguelli começou o debate refutando os argumentos de que esta seja a pior estiagem ocorrida no País. Segundo ele, a crise de energia é resultado do mau uso dos reservatórios das hidrelétricas, que deveriam ter sido poupados desde que iniciaram as previsões de escassez de chuva. “A capacidade de produção das mesmas é afetada pela altura da lâmina d´água, e, consequentemente, níveis baixos nos reservatórios diminuem essa capacidade”, afirmou.
Pinguelli também alertou para o fato de que “uma das consequências das mudanças climáticas é o aumento na frequência de eventos severos, que é o que vivemos no momento”.
A culpa não é do clima
Ao apresentar as causas da crise de abastecimento de água e energia que afeta sobretudo o Sudeste, os especialistas Roberto D´Araújo e Mário Veiga têm a mesma opinião: o problema não se restringe a falta de chuva. De acordo com Veiga, 2011 foi o 4º ano mais chuvoso da série histórica. Além disso, o sistema foi planejado para enfrentar o pior cenário: 67% abaixo da média histórica (percentual registrado em 1953).
“Não houve maldade de São Pedro. Têm ocorrido mais anos chuvosos do que secos. Ainda que 2014 tenha sido um ano seco- o 9º pior da série histórica-, não houve uma sequência hidrológica severa nos últimos anos.”, avalia D´Araújo.
Segundo Veiga, o ano de 2011 legou ao sistema o maior armazenamento da história e o triênio 2012-2014 não foi dos piores, mantendo os reservatórios com 88% da média histórica. “No entanto, encerramos 2014 com o pior armazenamento já registrado. O sistema esvaziou por quê? Excesso de demanda? Não, porque a demanda foi menor do que a prevista. Demoramos a acionar as usinas termelétricas? Também não, desde 2012 todas as térmicas foram acionadas quase ininterruptamente”, questiona.
Na opinião de Veiga, o sistema está esvaziando de maneira anômala. “Fizemos um backcasting (método para desenvolvimento de cenários) e o nível dos reservatórios deveria estar em 65% em dezembro de 2013, e, no entanto, estava em apenas 43%. Itaipu teve um esvaziamento inédito em 2013 e 2014, e o modelo do ONS -Operador Nacional do Sistema Elétrico – sequer previa essa hipótese. Nós perdemos nossas linhas de defesa com o esvaziamento de reservatórios no último triênio. Combinamos um janeiro seco com condições péssimas de armazenamento”, analisa o engenheiro.
Veiga também chama atenção para o quadro particularmente adverso da hidrologia no sistema Cantareira, que teve em 2014 o seu pior ano, com apenas 25% da média pluviométrica histórica. O pior registro até então era 56%. “Esse triênio é o pior da história de São Paulo. Realmente, São Paulo passa por uma crise hídrica”, afirmou.
Mercado fora da realidade
A precificação da energia, em desacordo com as práticas de mercado, foi objeto de críticas por parte de Roberto D´Araújo. Segundo ele, as tarifas foram fixadas, artificialmente, em cerca de 1/3 da cotação internacional pela Eletrobras.
“Em comparação com o de outros países, nosso mercado de energia é bizarro. Passamos de irrisórios quatro reais por megawatt/hora em 2004, para R$16 por MW/h em 2010, e de R$12 por MW/h em fevereiro de 2012, para 822 reais por MW/h. O preço disparou. Houve uma variação de 7000%. Há indícios de que o modelo de formação de preços não é sensível às mudanças estruturais do sistema de reservas. É preciso reconhecer que nosso ‘termômetro’ está quebrado. Nosso mercado não é real, não reflete oferta e demanda”, criticou.
Na opinião de Paulo Canedo, o aumento tarifário se impõe, pois a escassez de um bem gera aumento no preço do mesmo. “Mas, poderia haver bônus para quem poupasse água, energia. Quem não colaborasse, seria duplamente penalizado: pela tarifa mais alta e por uma multa pelo aumento de consumo”, defende Canedo, argumentando que desta forma penalizaria menos os consumidores de baixa renda.
Pedro Dias, por sua vez, acredita que não há como correlacionar a crise hídrica atual e a estiagem no Sudeste do país às mudanças climáticas globais. Segundo ele, o último relatório do IPCC (Painel Intergovenamental sobre Mudanças Climáticas) não indica alterações no clima dessa região e sim na região Sul, onde haveria aumento nas temperaturas e na pluviosidade. “Também não se pode afirmar que a seca atual tenha a ver com desmatamento, vide anos chuvosos recentes, como 2010 e 2011”, pondera o diretor do LNCC, baseado em simulações que preveem para cenários de maior desmatamento da Floresta Amazônica o aumento de chuvas no Sudeste do Brasil e Norte da Argentina.
Dias buscou contextualizar a seca de 2014 com outros fenômenos climáticos pouco usuais ocorridos em outros países. Conforme lembrou, houve enchentes na Grã-Bretanha e França, nevou no Vietnã, e em plenas Olimpíadas de Inverno, a cidade russa de Sochi experimentou uma atípica temporada de calor. “Há conexões entre as anomalias climáticas e precisamos buscar qual fonte de calor é responsável pela anomalia”, avaliou.
Estado de emergência
Para o professor Paulo Canedo, o governo deveria decretar estado de emergência.“Há dezenas de obras que poderiam ser feitas para combater a crise de água potável, cujos prazos de execução são incompatíveis com a urgência das mesmas, em função da legislação que a administração pública está obrigada a cumprir, exceto em caso de emergência. Deveríamos decretar estado de emergência, imediatamente, e iniciarmos as obras”, propõe o especialista.
De acordo com o professor da Coppe, a Agência Nacional de Águas (ANA) deveria rever outorgas concedidas para irrigação e diminuir o uso de hidroeletricidade no Sudeste. \”A Ana demorou a agir e não o fez de maneira firme e independente. O maestro precisa reger a orquestra. O governo tem que dar as ordens. Tudo indica que o Rio de Janeiro poderá passar por 2015, mas e 2016, se tivermos outro ano com poucas chuvas? Precisamos de reserva, de poupança para o futuro”, orienta Canedo.
Segundo o professor da Coppe, a racionalização do uso da água não passa apenas pelos consumidores, deveria partir dos próprios fornecedores do serviço de abastecimento. \”As empresas de saneamento declaram perdas de 33%, e essa perda é autodeclarada. O gasto de água per capita no Rio de Janeiro é de 654 litros por dia, quando o consumo estimado é 250 l/dia. Ou seja, não tenho provas disso, mas estimo que as perdas possam ser superiores a 50%. Para efeitos de comparação, o desperdício de água em Cingapura é de apenas 6%”, compara o professor.
Mesmo cenários de crise trazem oportunidades de reflexão e correção de rumos, acredita Pedro Dias. “É o momento de redefinir o papel do Estado e da iniciativa privada, a articulação dos entes federativos, a atribuição das agências e evitar sobreposição de competências”, recomenda. O especialista Roberto D´Araújo concorda com Dias, mas se mostra pessimista: “ou fazemos uma reforma profunda ou daqui a dez anos faremos outro seminário para discutirmos os mesmos problemas. Soluções existem, mas dado o nosso histórico dos últimos 20 anos, há dúvidas se elas serão examinadas”.