Pesquisa pode melhorar diagnóstico e tratamento de leucemias
Planeta COPPE / Engenharia Elétrica / Notícias
Data: 29/04/2011
Todas as pessoas com mais de 70 anos de idade tem no organismo células idênticas às células de um tipo de câncer, denominado Leucemia Linfocítica Crônica (LLC). A descoberta, que pode tornar mais eficiente o diagnóstico e o tratamento de leucemias, representa uma mudança no conceito médico que até então considerava esse tipo de célula como, necessariamente, tumoral. Fruto de três anos de trabalho coordenado pelo hematologista Alberto Orfao, professor do Centro de Investigação de Câncer da Universidade de Salamanca, com a colaboração do professor Carlos Eduardo Pedreira, do Programa de Engenharia Elétrica da Coppe/UFRJ, o estudo que associa medicina e engenharia já resultou em um artigo publicado na edição de abril de “Leukemia”, publicação especializada em leucemias da prestigiosa revista científica “Nature”.
O objetivo da pesquisa, que envolveu a participação de 639 doadores voluntários, era entender e quantificar a presença desse tipo de célula leucêmica em indivíduos sadios com mais de 40 anos. O professor Alberto Orfao conta que o resultado – a presença das células tidas como tumorais em 100% das amostras colhidas em pessoas com 70 anos ou mais – surpreendeu a própria equipe. “A expectativa era de que o percentual ficasse próximo ao obtido por especialistas em trabalhos anteriores, que apontavam para a ocorrência de células leucêmicas em apenas 5% dos casos analisados”.
O estudo trouxe outra contribuição ao mostrar que, para identificar a presença de células da Leucemia Linfocítica Crônica (LLC) no organismo, é necessário coletar, no mínimo, 50ml de sangue. Com menos do que isso não é possível detectar as células.
“Isso explica a significativa diferença de percentual obtida nos resultados de pesquisas anteriores. Como há poucas células tipo LLC no organismo saudável, uma amostra com menos de 50 ml de sangue não contém o número mínimo suficiente para que sejam detectadas pelos exames laboratoriais”, explica o professor da Coppe, Carlos Eduardo Pedreira. Foi ele quem elaborou os modelos matemáticos utilizados na pesquisa e que, entre outras coisas, permitiram estimar a quantidade mínima de sangue necessária para as análises.
Para o professor Alberto Orfao, a descoberta é um primeiro passo para o entendimento da doença. “Antes, células cancerígenas eram tratadas como necessariamente tumorais. Nosso trabalho mostrou que, na verdade, elas podem ser células normais” – explica. Segundo o professor da Universidade de Salamanca, as próximas etapas da pesquisa buscarão entender melhor como a doença se desenvolve no organismo, possibilitando no futuro a descoberta de fármacos mais eficientes no combate à doença.
A pesquisa, que analisou amostras sanguíneas de moradores da região de Castilla Leon, no nordeste da Espanha, contou com a participação de 11 pesquisadores da Universidade de Salamanca e de integrantes da rede hospitalar local. Os médicos parceiros pediram o consentimento de alguns pacientes para colher as amostras de sangue que foram utilizadas no estudo. Os mais de 600 voluntários foram selecionados de acordo com critérios físicos e geográficos, de modo que representassem a população do lugar.
Engenharia e medicina: parceria com resultados
Dos 11 pesquisadores envolvidos na pesquisa liderada por Alberto Orfao, o professor de Engenharia Elétrica da Coppe, Carlos Eduardo Pedreira, era o único não médico. Os programas de análise e previsão que ele desenvolveu permitiram à equipe de Orfao trabalhar com os dados colhidos.
Os programas desenvolvidos pelo professor da Coppe tornaram possível trabalhar com dados estatísticos em um ambiente simulado de experimentação. Para garantir a confiabilidade das informações, os modelos matemáticos calculavam uma projeção de resultados dentro de uma determinada margem de erro. Como explica o professor Pedreira, esse cálculo funciona como se “o mesmo experimento fosse repetido várias e várias vezes, estabelecendo um limite de confiança entre o melhor e o pior caso”. A esse procedimento estatístico, dá-se o nome de “intervalo de confiança”.
A aplicação dessa técnica nos dados colhidos dos mais de 600 pacientes permitiu estimar a projeção do número de casos em que a célula cancerígena do tipo LLC estará presente no organismo saudável. As informações foram divididas entre três faixas etárias: dos 40 aos 59 anos, dos 60 aos 69 e de 70 anos em diante. Quanto maior a faixa etária, maior a quantidade de casos que apresentaram células cancerígenas: 18% no primeiro grupo, 36% no segundo e 100% no grupo de doadores com 70 anos ou mais. Os modelos matemáticos também estimaram a quantidade mínima de sangue necessário para indicar a presença de células cancerígenas no organismo: 50 ml.
A fim de confirmar os resultados encontrados nas projeções, nove pacientes que se enquadravam na terceira faixa de idade – a partir dos 70 anos – foram convidados a voltar a doar, desta vez 50 ml de sangue. A segunda análise comprovou as predições: oito destes indivíduos, embora permanecessem saudáveis, apresentavam células tipo LLC no organismo.
Entenda a doença
A leucemia é um tipo de câncer que afeta os glóbulos brancos ou leucócitos, células que defendem o organismo contra a ação de microorganismos. Esse tipo de câncer altera o material genético existente no núcleo das células, desregulando as funções que elas desempenham. Quando a anomalia genética afeta o ciclo de vida celular, há um acúmulo indesejado de células não-funcionais no organismo e, a isso, dá-se o nome de câncer. Quando os atingidos são os leucócitos do sangue, esse câncer é chamado de leucemia.
A alteração do DNA no núcleo dos leucócitos pode mudar a vida celular de duas maneiras: a primeira é fazendo com que os glóbulos brancos se reproduzam de maneira desordenada, e a segunda é cancelando a apoptose, a chamada “morte programada” das células. No primeiro caso, conhecido como leucemia aguda, as células leucêmicas se espalham com velocidade pelo organismo, a doença se agrava rapidamente e pode se instalar também na medula óssea. No segundo caso, o acúmulo de células é lento, já que, ao invés da produção excessiva, há apenas uma não-mortalidade.A doença é então chamada de leucemia crônica, ou seja, tem evolução lenta.
As leucemias são subdivididas de acordo com o tipo de célula cancerígena. A leucemia linfocítica crônica é, quase exclusivamente, uma doença que se manifesta em pessoas mais velhas e ataca um tipo específico de leucócitos chamados de linfócitos. Dificilmente essa doença causa problemas muito graves à saúde ou atinge pessoas com menos de 40 ou 50 anos. O tratamento é mais brando e, geralmente, visa apenas a controlar o acúmulo de células alteradas.
Segundo dados do site do Instituto Nacional do Câncer (Inca), em 2010 foram registrados 9.580 novos casos de pessoas com leucemia, sendo 5.240 homens e 4.340 mulheres. Ao todo, entre homens e mulheres, a taxa de morte ficou em pouco mais de 5 mil vítimas (2008).