Pesquisadores debatem na Coppe ética na pesquisa
Planeta COPPE / Engenharia Química / Notícias
Data: 10/12/2010
No momento em que o Brasil assume um papel de destaque na produção científica mundial, especialistas estrangeiros e brasileiros reúnem-se na Coppe para discutir a necessidade de estabelecer mecanismos mais efetivos de combate à fraude na ciência. Entre 2005 e 2008, o Brasil passou do 19º para o 13º lugar no ranking de países com maior produção científica no mundo. Nos últimos 30 anos, foi registrado no Brasil um crescimento médio anual de 10,5%, três vezes maior que a média mundial, na publicação de artigos em publicações científicas. No ano passado, foram 38,8 mil mestres e 11,4 mil doutores titulados.
O I Brazilian Meeting on Research Integrity, Science and Publication Ethics (I Brispe) teve início, dia 10 de dezembro, na Coppe. Na cerimônia de abertura, o vice-diretor da Coppe, Aquilino Senra, ressaltou o papel de vanguarda da instituição na busca da adoção de regras mais efetivas de combate à fraude e à falsificação. “Esse é um tema de grande importância para o País e que interessa particularmente à Coppe, onde há um foco especial na publicação. Queremos nos antecipar, aprender com a experiência internacional no estabelecimento de ações preventivas e de controle da incidência de problemas desse tipo na instituição.”
O diretor de Assuntos Acadêmicos da Coppe, Edson Watanabe, falou sobre as medidas já implementadas na instituição. “Há dois anos a Coppe vem dando tratamento preventivo ao tema. Nossos alunos que concluem o mestrado e o doutorado assinam uma declaração de não violação de direito de terceiros ao entregar suas dissertações e teses”, explica o diretor, que também costuma abordar o tema em sua palestra na cerimônia de recepção aos novos alunos. Muitos jovens chegam à universidade influenciados pela cultura da internet, na qual copiar e colar é uma prática natural que não implica punição. Precisamos fazê-los compreender que, na pesquisa, isso é inaceitável”, explica.
Após a abertura, três pesquisadores proferiram conferência: Nicholas Steneck, professor da Universidade de Michigan; Elizabeth Wager, presidenta do Committee on Publication Ethics (Cope); e Jerson Lima, diretor científico da Faperj. No dia 13 de dezembro, foram realizados na Coppe três workshops sobre os temas “Desenvolvimento de políticas de integridade e pesquisa em universidades e centros de pesquisa”, “Políticas atuais para o cancelamento de publicações científicas” e “Práticas de citação na comunicação científica e plágio na academia”.
Cerca de 1% dos cientistas comete casos de má conduta científica
O evento contou com a participação do professor Nicholas Steneck, diretor do Programa de Pesquisa em Ética e Integridade Científica do Instituto de Pesquisas Clínicas da Universidade de Michigan (EUA), que proferiu a primeira conferência do evento, dia 10, no auditório da Coppe. Steneck, que há 25 anos trabalha com integridade científica, participou de diversas discussões colaborando com o Office of Research Integrity nos Estados Unidos e outros órgãos internacionais para a tomada de decisão sobre o tema.
“Nos Estados Unidos, existe controle apenas para os projetos de pesquisa financiados pelo governo. Mas isso não ocorre com a pesquisa conduzida pelo setor privado. A má conduta na pesquisa em áreas essenciais como produção de medicamentos pode ser bastante perigosa, colocando em risco a vida de pessoas”, afirma.
Segundo dados do US Office of Research Integrity, estima-se que 1% dos cientistas comete casos de má conduta científica, como plágio, falsificação ou fraude, com cerca de 50 casos divulgados por ano somente por esse órgão. “Estudos mais recentes sugerem que essas práticas podem ultrapassar os 10%. Entre os pesquisadores entrevistados, de 30% a 40% dizem conhecer casos de má conduta, mas não comunicam esses fatos”, lamenta Steneck.
Para o professor da Universidade de Michigan, é fundamental o estabelecimento de regras claras e objetivas com ênfase em um programa de treinamento de pesquisadores e alunos, orientando sobre as boas práticas de pesquisa. “Quando falamos em má conduta na pesquisa, todos concordam sobre a necessidade de normas, mas sempre para seus colegas. Integridade é sempre para o outro. Mas os pesquisadores devem entender que integridade é bom para todos”, afirma.
Segundo o pesquisador, o sistema ainda não está preparado para aqueles que denunciam fraude ou casos de má conduta na pesquisa. Steneck relatou um caso ocorrido em uma universidade americana em um grupo de pesquisa formado por um coordenador e seis alunos. Os pesquisadores detectaram uma discrepância nos resultados obtidos e comunicaram o fato à direção da universidade. Após a análise do caso, o coordenador foi considerado culpado, o que acarretou o fim do grupo de pesquisa. “No final todos saíram perdendo. As pessoas costumam assumir responsabilidades quando sabem que receberão tratamento justo”, acredita.
A pesquisadora Elizabeth Wager, presidente do Committee on Publication Ethics (Cope), que também proferiu conferência no primeiro dia do evento, afirmou que hoje é mais fácil detectar casos de fraude por meio de softwares antiplágio que chegaram ao mercado nos últimos anos. A fraude envolvendo o físico dos Laboratórios Bell, Jan Hendrik Schön, por exemplo, teria sido mais rapidamente detectada hoje em dia.
Ao longo de quatro anos, Schön havia falsificado resultados de pesquisas em diversas áreas, como supercondutores e nanotecnologia. Entre 1999 e 2001, teve oito artigos publicados na revista Science, seis na Physics Review e sete na Nature. A fraude só foi descoberta em 2002, e Schön perdeu seu título de doutor. Com apenas 31 anos de idade e considerado um físico promissor, Schön já havia recebido dois prêmios internacionais e publicado cerca de 70 artigos científicos.
“O que nos chama atenção é como as publicações não foram capazes de identificar mais rapidamente a fraude”, ressalta a pesquisadora, que tem liderado a formulação de políticas para controle de má conduta em publicações científicas.
O I Brispe foi promovido em parceria com o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Universidade de São Paulo (USP), com o apoio da Faperj, da National Science Foundation, do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e do Programa de Pós-graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS).
Evidências de fraudes alertam a comunidade científica
Nas últimas décadas, casos de má conduta e fraude científica em países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Alemanha, Japão e China chamaram a atenção da comunidade científica internacional sobre a incidência e as formas de evitar esses casos. A criação de órgãos reguladores, além de mudanças nos critérios de avaliação de projetos de pesquisa, na concessão de fomento e na submissão e revisão de artigos científicos, tem sido uma das iniciativas adotadas por instituições como a National Science Foundation (NSF), The American Association for the Advancement of Science (AAAS), US Office of Research Integrity, The European Science Foundation (ESF), The International Council for Science (Icsu) e do Committee on Publication Ethics (Cope).
Entre os casos mais rumorosos de fraude na divulgação de resultados científicos, estão aqueles que envolvem os nomes do sul-coreano Hwang Woo Suk e do alemão Jan Hendrik Schön. Em 2005, a Universidade Nacional de Seul confirmou a falsificação de resultados das pesquisas coordenadas por Suk em clonagem de células-tronco de embriões humanos. Das 11 linhagens de células-tronco que Suk alegava ter obtido, pelo menos nove foram fabricadas. Eleito “Cientista ilustre do país” pelo governo sul-coreano e “Pesquisador líder de 2005” pela revista Scientific American, Suk teve o resultado de sua pesquisa publicada pela Science, uma das mais renomadas revistas científicas do mundo. O escândalo provocou a retratação pública dos editores e a revisão dos procedimentos de seleção e aceitação de artigos adotados pela revista.
No Brasil, a discussão sobre integridade científica ainda é incipiente. Entretanto, à medida que se observam no país significativo avanço tecnológico e o crescimento da produção científica, a preocupação com o aspecto ético da pesquisa parece ser um caminho natural.
Segundo uma das organizadoras do evento, a pesquisadora Sonia Vasconcelos, do Programa de Engenharia Química da Coppe, o evento atingiu seu principal objetivo, de estimular o envolvimento da comunidade científica brasileira, tornando-a mais participativa e colaborativa nas áreas de ética e integridade científica no cenário internacional. Especialista na área de ética na ciência, Sonia desenvolve projeto pioneiro nessa área no Brasil, por meio de uma colaboração entre a Coppe e o Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ.
“Nosso intuito é estimular ações afirmativas que possam efetivamente reduzir práticas antiéticas na pesquisa científica, como a falsificação, a fabricação e o plágio. Certamente essas ações terão um impacto positivo, especialmente na formação de jovens pesquisadores”, ressalta a pesquisadora da Coppe.