As vulnerabilidades do litoral do Rio na mira da ciência
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Data: 30/05/2007
Pesquisadores da COPPE vão diagnosticar as vulnerabilidades das áreas costeiras do estado do Rio de Janeiro. O estudo foi encomendado à COPPE pela Secretaria de Estado do Ambiente e tem como objetivo identificar os potenciais problemas nos sistemas costeiros, como praias, dunas, lagoas, baías e estuários, e propor medidas de adaptação para proteger as zonas que serão mais afetadas pela elevação do nível do mar, face aos impactos das mudanças climáticas.
Coordenado pelo professor Paulo Cesar Rosman, o estudo contará com uma equipe de pesquisadores que tem entre seus integrantes os professores, Enise Valentini e Claudio Neves, do Programa de Engenharia Oceânica da COPPE, e o professor Dieter Muehe, do Instituto de Geociências da UFRJ.
O diagnóstico realizado pelos pesquisadores será uma importante ferramenta para definir estratégias para minimizar os impactos decorrentes das mudanças climáticas. Apesar de possuir uma extensa costa de 635 quilômetros de extensão, banhada pelo Oceano Atlântico, o Estado do Rio de Janeiro até hoje não possui um sistema de monitoramento e dados de médio e longo prazos de dados de ondas e perfis de praia. O projeto está sendo implementado através da Superintendência de Clima e Mercado de Carbono da Secretaria de estado, sob a coordenação da professora Suzana Kahn Ribeiro.
Os efeitos das mudanças climáticas sobre os ecossistemas litorâneo e das regiões estuarinas do Estado do Rio foi debatido pelos professores da COPPE Paulo Rosman, do programa de Engenharia Oceânica, e Paulo Canedo, do Departamento de Hidrologia – em recente seminário organizado pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas logo depois da divulgação do 4ºRelatório do IPCC sobre Mitigação.
Segundo o professor Paulo Rosman, o aquecimento global terá dois efeitos persistentes: a elevação lenta e gradual, porém permanente, do nível médio do mar – a qual, segundo o IPCC, chegará a cerca de meio metro até 2100, e os eventos meteorológicos severos, como secas prolongadas, chuvas intensas, ressacas com ondas acima de três metros de altura e marés metereológicas elevadas, que potencializarão esses impactos em toda a zona costeira. Há ainda um efeito ocasional, que é a mudança nos padrões de circulação atmosférica, com alteração no regime das ondas.
Engordar a praia é a melhor solução para proteger o litoral
A tendência de realinhamento do litoral devido à mudança na direção de propagação das ondas.
As mudanças climáticas terão diferentes impactos sobre cada ecossistema. No caso do Estado do Rio de Janeiro, afetará tanto as praias litorâneas como as regiões estuarinas no interior, como áreas de baías e sistemas de lagunares. O mar mais elevado provocará o recuo das praias. Nas áreas urbanas, onde isto não é possível, a solução de engenharia é o aumento do estoque de areia, da maneira como já foi feito em Copacabana na década de 60. A praia de Ipanema, segundo Rosman, já precisa há muito tempo ser “engordada”, principalmente nas extremidades, Arpoador e Leblon.
– Nada protege o litoral de maneira mais eficiente do que a praia. Ela dissipa a energia das ondas, através da arrebentação, e fornece areia para ser transportada, o que por si só consome grande quantidade de energia – diz Rosman. Segundo o professor, o problema da crescente urbanização é que os calçamentos, as ruas e as avenidas geralmente ocupam o primeiro cordão de dunas, roubando o estoque de areia necessário para amortecer os futuros impactos.
No caso de praias extensas, onde é mais difícil aumentar simplesmente a faixa de areia, a solução ideal seria a segmentação em várias enseadas. Assim, a praia da Barra da Tijuca, com extensão de 18 quilômetros, poderia ser dividida em três ou quatro enseadas menores, limitadas por estruturas apropriadas transversais à linha de costa, onde em caso de perda seria aplicada a solução do engordamento para garantir a retenção.
Segundo Rosman, os fenômenos meteorológicos severos potencializarão os efeitos da elevação do nível do mar, resultando em ressacas mais intensas. “As mudanças na direção das ondas provocadas pela alteração nos padrões de circulação atmosférica podem significar a necessidade de realinhar as praias em busca de um novo equilíbrio”, prevê o especialista.
Interior do estado será mais afetado que área costeira
Para os especialistas, a engenharia costeira já conhece as soluções para os impactos na região litorânea, e elas não são caras. O problema é bem mais complexo no interior, nas áreas de sistemas lagunares e nas baixadas. Assim, as sucessivas baixadas do Estado do Rio de Janeiro – Sepetiba, Jacarepaguá, Baixada Fluminense, região dos Lagos (Marica, Araruama, Saquarema) – são densamente habitadas por uma população pobre, que já sofre hoje perdas enormes com enchentes periódicas.
A elevação do nível do mar terá um efeito perverso duplo sobre essas áreas. Ao mesmo tempo em que o escoamento de águas pluviais fica mais difícil por causa da elevação do nível do mar e das chamdas marés meteorológicas, aumentando o risco de enchentes, a intrusão salina avança para o interior, dificultando a captação de água doce para a agricultura e provocando a salinização de alguns lençóis freáticos, mudando a fertilidade e a vegetação.
As soluções de engenharia, como diques em áreas de urbanização organizada (estradas, construções), são caras. A desocupação dos locais de risco significará um custo político, econômico e social alto, a não ser que haja uma mudança no comportamento político.
Este custo deveria ser capitalizado em ganho político, social e ambiental, se os prefeitos destas regiões fossem capazes de remanejar a população afetada, transformando os locais suscetíveis de serem inundados em áreas de lazer, diz Rosman.
População carente será a maior vítima das mudanças do clima
O professor Paulo Canedo, do Departamento de Hidrologia da COPPE, defende que seja dada prioridade urgente ao drama vivido já agora pela população pobre das baixadas.
– A população carente será a maior vítima das mudanças climáticas em uma escada de grandeza cem vezes maior do que os impactos sofridos pelos habitantes da área litorânea – diz Canedo. – A catástrofe anunciada é tão enorme que o nível de preocupação dos governantes deveria ser cem vezes maior.
Canedo gerenciou de 1991 a 1996 um projeto de US$ 10 milhões , financiado pelo Banco Mundial, para a realização da maior obra de contenção de cheia urbana, na região da cabeceira dos rios Sarapuí e Pavuna. O processo de construção, de envolvimento e de conscientização da população local mudou a vida do engenheiro, que se emociona ao descrever como funcionou o Comitê de Acompanhamento do Projeto Iguaçu.
Só na região no rio Sarapuí, um dos vários que deságuam na baía de Guanabara, vive uma população pobre de 1,5 milhão de pessoas que já briga hoje com o mar, antes do esperado aumento do nível do oceano, sofrendo um processo de empobrecimento crônico e de falta de esperança.
– Para reverter a corrosão econômica, moral e financeira causada pelas perdas por inundação, os governantes devem constituir hoje grupos para mapear o que é preciso fazer e começar desde já a agir no sentido de minorar os prejuízos – adverte Canedo.