A conquista do mar
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Data: 10/12/2007
As décadas de 1980 e 1990 assistiram a sucessivas quebras de recordes de produção em águas profundas pela Petrobras. A cada patamar de aumento da lâmina d´água – de 100 para 200 metros, para 300, 400, até os atuais 2 mil metros – novos desafios eram encontrados. Em quase todos, havia pesquisadores da COPPE participando.
Em 1985, já havia em operação 33 plataformas fixas projetadas com base no trabalho da COPPE. Estavam instaladas em águas de dez a 48 metros de profundidade, no Nordeste, no sul da Bahia e no Espírito Santo. No mesmo ano, estava em andamento o projeto das sete primeiras plataformas inteiramente nacionais da bacia de Campos. Iam operar em torno de 100 metros de profundidade.
A essa altura, a cooperação COPPE/Petrobras tinha se diversificado muito e ia de vento em popa. Dezenas de professores e alunos do Programa de Engenharia Civil e de outros programas participavam de projetos para a empresa nas mais diferentes áreas. Alguns passavam grande parte do tempo dentro do Cenpes, o Centro de Pesquisas da Petrobras. Ali, os profissionais da COPPE chegaram a ter uma sala e uma secretária só para eles. Mas eram tantos que não havia espaço para todos. Os mais jovens do grupo, como Luiz Landau, tratavam de ocupar as mesas de funcionários do Cenpes depois que estes encerravam o expediente. Entusiasmados, varavam madrugadas rodando programas de computador e discutindo soluções para os desafios que se sucediam.
Um desses desafios ficou conhecido como “o caso das estacas”. Aconteceu que as estacas que sustentariam as tais sete plataformas da Bacia de Campos tinham sido projetadas pela Petrobras com características um pouco diferentes do habitual, com o objetivo de economizar aço. Quando foram fazer o detalhamento do projeto de construção, verificaram que a capacidade de resistência das estacas, em relação ao solo da região, não era exatamente o que se esperava. Com isso, se fosse empregada a tecnologia que se pretendia usar quando foi feito o pré-projeto, o custo do estaqueamento iria mais do que triplicar, inviabilizando economicamente a instalação das plataformas.
Foi aí que os profissionais da COPPE ajudaram o Grupo de Desenvolvimento e Métodos do Cenpes a encontrar uma solução diferente, uma nova concepção de estaqueamento. As novas estacas tinham a ponta cônica, como um lápis, que permitia maior contato com o solo. Sob a coordenação do Cenpes, a COPPE participou dos estudos experimentais, fazendo testes e medições; e depois que as plataformas foram construídas, fez a monitoração do desempenho de todas elas. As estacas de ponta cônica tornaram-se uma patente da Petrobras.
O pesquisador Ney Roitman, um dos participantes do projeto, lembra-se de que havia interesses econômicos poderosos contra a nova concepção. A empresa que iria executar o serviço de cravação das estacas para a Petrobras estava interessada em usar uma solução própria, que já havia vendido para outros países. Os profissionais do Cenpes e da COPPE sabiam que o sucesso das estacas de ponta cônica dependia muito da forma de cravação. Se fosse aplicada uma carga muito grande, elas poderiam fissurar embaixo. Por via das dúvidas, trataram de monitorar cuidadosamente o trabalho da empresa, para garantir que não exagerasse na força aplicada.
Quando a profundidade das operações no mar de Campos alcançou a casa das centenas de metros, foi preciso abandonar as plataformas fixas cravadas no fundo do mar e recorrer a estruturas flutuantes. Primeiro, foram as plataformas semi-submersíveis e as chamadas TLPs (Tension Leg Platforms). Mais recentemente, começou-se a usar navios-plataforma (antigos petroleiros convertidos). Nesse processo, aumentou a participação dos pesquisadores do Programa de Engenharia Naval e Oceânica da COPPE, que se juntaram aos pioneiros da Engenharia Civil. Traziam com eles o conhecimento da hidrodinâmica do mar e, sobretudo, ajudavam a ampliar o conhecimento específico sobre o mar brasileiro.
As estruturas flutuantes são mantidas em posição por linhas de ancoragem que somam vários quilômetros. Os risers, tubulações que trazem o óleo do fundo do mar para a plataforma, também percorrem muitos quilômetros para chegar à superfície. Quanto maior a profundidade, mais longos e pesados se tornam os cabos, maior a pressão e o desgaste a que são submetidos, maiores as dificuldades de instalação e monitoramento.
Exemplo típico de desafio vencido pela Petrobras com a ajuda da COPPE foi a substituição do aço por poliéster nas linhas de ancoragem. Mais leve, o poliéster permitiu à estatal ultrapassar a barreira dos 600 metros de lâmina d´água (uma plataforma operando nessa profundidade precisa ser ancorada por 12 linhas lançadas a 1.800 metros de distância na horizontal, formando uma teia que, se fosse de aço, ocuparia quase toda a capacidade de flutuação da plataforma). A COPPE fez a análise de confiabilidade do novo material, o que permitiu à Petrobras convencer as agências classificadoras de risco a aceitá-lo.
A partir daí todas as linhas de ancoragem passaram a ser de poliéster, o que viabilizou e resolveu o problema da ancoragem. Como explica o professor Edison Prates, o maior problema hoje está nos risers. Esses cabos precisam suportar grandes pressões no fundo do mar (o peso da coluna d´água, que tenta esmagá-los) e ao mesmo tempo grandes trações, pois ficam pendurados a até 2 mil metros (as atuais profundidades de operação em Campos). Além disso, têm que ter flexibilidade, porque a plataforma se move com as ondas e se forem rígidos demais podem se romper por fadiga. Então, o grande desafio hoje é construir risers com a dose certa de rigidez e flexibilidade, a custos economicamente aceitáveis.
Uma parte importante do trabalho da COPPE é justamente monitorar o comportamento das estruturas para informar os projetistas da Petrobras. Um dos projetos mais inovadores monitorados pela COPPE foi o do riser rígido da plataforma P-18, no começo dos anos 2000. Como conta o pesquisador Carlos Magluta, foram quase dois anos monitorando a resposta da plataforma e do riser rígido que estava sendo utilizado pela primeira vez. Esse projeto faz parte de um esforço da Petrobras para encontrar alternativas aos risers flexíveis utilizados atualmente, de tecnologia basicamente francesa e de custo muito alto.
Não raro um mesmo problema é atacado a partir de várias frentes. No Programa de Engenharia Naval e Oceânica, a equipe de Sergio Sphaier está analisando uma concepção desenvolvida pela Petrobras, batizada de Mono BR. Trata-se de uma estrutura cilíndrica, uma monocoluna, para armazenar o óleo extraído antes de enviá-lo ao continente. Tem uma espécie de piscina no meio, que se espera ser capaz de minimizar os movimentos verticais dos navios utilizados atualmente e que exigem muito esforço dos risers. A idéia é criar uma interferência de movimentos da água dentro da coluna com a água do mar que a circunda, de tal forma que, no resultado final, ela se mova pouco.
Outro tipo de problema com que a indústria offshore tem que lidar é a corrosão dos equipamentos. Nos anos 80, José Cláudio de Faria Telles, da COPPE, desenvolveu um sistema computacional, batizado de Procat, que faz a simulação numérica de sistemas de proteção catódica. Esta é feita por anodos que emitem uma corrente elétrica absorvida pela estrutura que se quer proteger. O potencial na estrutura vai então para uma faixa onde não ocorre a oxidação que provoca a corrosão. O Procat permite simular o trajeto da corrente pela água do mar até a estrutura. Está até hoje em plena utilização pela Petrobras. Tem sido aplicado também por outras empresas e não apenas sob a água. Recentemente, José Cláudio adaptou-o para um estudo sob a terra: a corrosão das fundações de torres de transmissão de energia elétrica.
A experiência acumulada pela COPPE desde aqueles primeiros trabalhos em análise dinâmica hoje é aplicada também na chamada manutenção pró-ativa ou preditiva. Trata-se de monitorar um equipamento ou conjunto de equipamentos, para identificar um problema numa fase inicial e acompanhá-lo para detectar o momento em que é preciso parar a operação para providenciar o conserto. No Programa de Engenharia Oceânica, o pesquisador Tiago Lopes e sua equipe desenvolveram um sistema completo para monitorar os turbocompressores, enormes máquinas cuja função é comprimir o gás natural extraído do fundo do mar antes de enviá-lo ao continente.
As pesquisas da COPPE também auxiliam a operação das plataformas. Um exemplo são os chamados diagramas de “offset”, o estudo do deslocamento máximo que a plataforma pode sofrer sem desconectar risers e amarras e, portanto, sem afetar a produção. Esses diagramas começaram a ser implementados em 2007 e vão reger toda a produção da Bacia de Campos.
A descoberta de novas reservas de óleo em águas ultraprofundas – 3 mil metros de lâmina d´água – e a pressão das exigências ambientais sobre a indústria de petróleo abriram novas oportunidades para outras áreas e programas da COPPE. Surgiram, assim, novos tópicos de pesquisa sobre robótica, novos materiais, sistemas inteligentes, sensoriamento remoto e modelagem da propagação e transporte de poluentes no mar. Outros programas da COPPE se juntaram ao de Engenharia Civil e ao de Engenharia Naval na execução de projetos para a Petrobras, dentre eles os de Engenharia Mecânica, Química e Metalurgia.
O convênio de cooperação assinado em 1977 foi extinto no começo dos anos 90. Não fazia mais sentido mantê-lo, pois a cooperação com a Petrobras já então se dava em muitas frentes e com múltiplas formas de financiamento. Ganhara vida própria.