Ao mestre guerreiro: Luiz Pinguelli Rosa (1942 – 2022)
Planeta COPPE / Institucional Coppe / Notícias
Data: 03/03/2022
“Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis” – Bertold Brecht.
A Coppe lamenta com grande pesar o falecimento do seu professor e eterno diretor Luiz Pinguelli Rosa. Carioca, filho do alfaiate Avilla Rosa e de Dalva Pinguelli Rosa, costumava dizer que parte de sua formação se devia às conversas sobre política que ouvia na alfaiataria do pai, na qual colaborava diariamente após retornar do colégio. “Acho que aprendi mais na alfaiataria do que na escola”, dizia.
Carioca, nasceu em 19 de fevereiro de 1942. Estudou na Escola Rio Grande do Sul e no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, cursando em seguida a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em São Paulo, e a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em Resende (RJ). Não tinha medo de correr riscos. Democrata convicto, foi preso ao se manifestar contra o golpe militar que depôs o presidente João Goulart. Desligou-se do Exército em 1967.
Professor titular da UFRJ, Pinguelli foi eleito cinco vezes para o cargo de diretor da Coppe (1986-1989; 1994-1997; 2002, 2007-2011; 20011-2015). Seu mandato de 2002 foi interrompido em 2003 para assumir a presidência da Eletrobras, no qual permaneceu até maio de 2004.
“A política é indissociável da Universidade”, costumava dizer. Em 1986, logo após o fim do regime militar, a eleição de Pinguelli para seu primeiro mandato como diretor da Coppe foi parte do processo de redemocratização. “A primeira coisa que fizemos foi convidar os professores que haviam sido expulsos pelos militares para retornar à instituição”, lembrava.
Pinguelli foi árduo crítico ao Acordo Nuclear Brasil- Alemanha, revelando publicamente suas mazelas. Em junho de 1979, em depoimento à comissão parlamentar de inquérito (CPI) do Senado sobre o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, criticou a concepção e a forma de execução do programa nuclear brasileiro, questionando, entre outros pontos, as projeções superestimadas de crescimento do mercado de energia elétrica do país e a subestimação da possibilidade de atendê-lo com fontes não nucleares, em especial a hidreletricidade; os custos das centrais nucleares previstas no acordo; a escolha da tecnologia de enriquecimento de urânio pelo processo de jato centrífugo e dos reatores com água leve pressurizada (PWR); e a possibilidade efetiva de transferência de tecnologia. Infelizmente, a CPI criada para verificar denúncias de corrupção no programa nuclear brasileiro encerrou suas atividades sem maiores resultados.
Nos anos 1980, já como diretor da Coppe/UFRJ, Pinguelli participou de estudos de uma comissão da SBF que resultaram na revelação da construção de instalações militares na Serra do Cachimbo (PA) para a realização de testes com artefatos nucleares. Denunciou a existência dessas instalações com as características típicas de um campo de provas para explosões nucleares noticiada em junho de 1986 pelo jornal Folha de S. Paulo, causando grande repercussão pública. Na época, o governo José Sarney desmentiu categoricamente a denúncia. Posteriormente, o presidente Fernando Collor reconheceria a existência do projeto para fazer uma explosão nuclear subterrânea no local, lacrando o poço de Cachimbo. O resultado do estudo “For promoting public understanding of the relationships of Physics and Society” foi registrado em publicação científica e lhe rendeu o Forum Award da Associação Americana de Física, em 1992.
Nos anos 1990, liderou a discussão de temas centrais, aproximando ainda mais a Universidade da sociedade. Em maio de 1993, juntamente com o sociólogo Herbert de Sousa, conhecido como Betinho, contribuiu para a criação do Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e pela Vida (Coep). Como diretor da Coppe promoveu debate público de questões fundamentais para o país e para a sociedade brasileira. Em 1995, uma semana antes de ser agraciado com o Prêmio Nobel da Paz, o físico britânico de origem polonesa Joseph Rotblat (1908–2005), conhecido por suas contribuições científicas e sua militância pelo desarmamento nuclear, esteve no Rio, a convite de Pinguelli, para proferir conferência sobre os 50 anos de Hiroshima e Nagasaki. A visita teve grande repercussão na comunidade científica e na opinião pública, pois marcou a reabertura do processo de adesão do Brasil ao Tratado de Não Proliferação Nuclear. Em 1998, três anos após encontro de Rotblat com o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, acompanhado por Pinguelli, o Brasil finalmente aderiu ao tratado.
Em 1997, quando a Vale estava sendo negociada, coordenou um grupo de especialistas que denunciou o esquema de compra da empresa brasileira por um grupo multinacional dono de uma subsidiária responsável pela modelagem da venda. Em seguida, o grupo se retirou do leilão.
As privatizações do setor elétrico também avançavam. Com a desestatização do setor, as empresas eram impedidas de levar adiante seus programas de investimentos. No ano 2000, como diretor da Coppe, Luiz Pinguelli Rosa, enviou carta ao presidente da República e ao ministro de Minas e Energia alertando sobre o risco de uma grave crise no setor elétrico. A previsão se confirmou em 2001, quando o governo federal teve de montar um plano de racionamento de energia elétrica que ficou conhecido como “apagão”. Parte desse capítulo, Pinguelli registrou em seu livro “O Apagão: por que veio / Como sair dele?
Segundo o diretor da Coppe, Romildo Toledo, “Pinguelli foi uma pessoa especial e de grande importância para a instituição, ao longo da sua história. Consolidou o projeto original do nosso criador, o professor Coimbra, transformado a Coppe no maior instituto de pós-graduação em Engenharia da América Latina. Além disso, tinha uma grande visão humanitária. Entendia perfeitamente a importância da ligação da universidade com a sociedade e a formulação de políticas públicas que beneficiassem a população. Pinguelli fará muita falta à Coppe, à UFRJ e ao Brasil”.
A Coppe presta sua solidariedade à família, a seus filhos Luiz Fernando, Luiz Eduardo e Leonardo, aos seus netos Arthur e Helena. E também aos nossos professores, pesquisadores, alunos e servidores para os quais ele sempre fará parte do grupo dos “imprescindíveis”.
Obrigada Luiz Pinguelli Rosa. Eternamente em nossa memória.
Confira a trajetória acadêmica do professor.