Coppe debate Engenharia frente às mudanças do mundo
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Data: 30/10/2023
Com a participação de professores da Coppe/UFRJ e convidados externos da Capes, do BNDES e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), foi realizado ao longo desta segunda-feira, dia 30, o evento “A Engenharia, a Coppe e um mundo em mudança”, na Cidade Universitária. Este foi o terceiro evento da série “Coppe e Sociedade”, realizada em comemoração aos 60 anos da instituição, e teve apoio da Fundação Coppetec.
A abertura foi feita pela diretora de Tecnologia e Inovação da Coppe, professora Marysilvia Costa, que destacou o pioneirismo da instituição desde sua criação, com a adoção da dedicação exclusiva para professores. “Isso nos permitiu ter um corpo docente altamente qualificado”, comentou a professora Marysilvia, destacando que a Coppe sempre desenvolveu pesquisas aplicadas diretamente na sociedade, em parceria com as empresas.
A importância da Coppe para a sociedade também foi destacada pelo professor Cláudio Habert, do Programa de Engenharia Química (PEQ), o primeiro dos 13 programas da Coppe, criado em março de 1963. “Além da modernização do modelo universitário, o professor Coimbra sempre se referia a fomentar o desenvolvimento tecnológico nacional”, destacou o professor Cláudio Habert, lembrando na apresentação do evento a atuação do professor Alberto Luiz Coimbra, criador da Coppe.
Pela manhã, o debate foi direcionado para o diagnóstico da engenharia, de seu ensino e de sua pesquisa. Participaram o professor Cláudio Habert (Coppe), o professor Francisco Carlos Teixeira (UFRJ), Maurício Neves (BNDES) e o professor Álvaro Prata (UFSC). De tarde, as questões tratadas apontaram para os caminhos do fazer engenharia, com a participação do comunicador e educador Marcelo Tas e dos professores Jean-David Caprace e Edmundo de Souza e Silva, ambos da Coppe, da professora Maria Fernanda Elbert (Instituto de Matemática da UFRJ) e da professora Mercedes Bustamante, presidente da Capes.
A professora Angela Uller, ex-diretora da Coppe e atualmente coordenadora da unidade Embrapii-Coppe, fez uma provocação ao dar continuidade ao evento na parte da tarde. “Por que formar doutores?”, perguntou, defendendo a necessidade de uma formação mais transversal, de forma que os alunos possam ter um conhecimento mais amplo, defendendo também um estímulo maior, desde a graduação, para o empreendedorismo.
Palestra “Desenvolvimento Nacional, Segurança e Pesquisa Científica no Brasil, 1945-2003”
Em sua palestra, o professor Francisco Carlos Teixeira fez uma rica, porém concisa digressão pela história do país, com foco em períodos fecundos de desenvolvimento produtivo, acadêmico, científico e também cultural. A criação da Coppe, por exemplo, se deu, nas palavras do professor, na alta modernidade brasileira, o período de Lúcio Costa, de Oscar Niemeyer. “A Coppe é um produto deste momento de efervescência e da capacidade brasileira e universitária de dar respostas às suas crises. Mesmo o golpe de 1964 não consegue deter essa modernização, até porque não era seu objetivo. A modernização não é interrompida, ela deixa de ser inclusiva”.
Para o palestrante, o Brasil se tornou um país produtor de alimentos e com base industrial. “Mas não solucionamos aqueles problemas que foram colocados lá por Caio Prado Jr, Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Hollanda: a profunda desigualdade, uma desigualdade muitas vezes tingida de racismo”, avaliou o professor titular de História Moderna e Contemporânea da UFRJ.
Em relação aos autores citados, Francisco Carlos disse que são intelectuais que pensaram o Brasil, a história do seu espírito (Geistesgeschichte), buscando dar um sentido ao curso da História. “Essas raízes têm caráter do somatório dos homens que estão aqui e que Sérgio Buarque de Hollanda chama de homem cordial. O poeta Cassiano Ricardo foi um dos muitos que criticaram a expressão. Como falar em cordialidade com tanta violência? Mas o ódio e o amor vêm do coração. Somos acima de tudo um povo de grandes atos, de grandes falas, que saem do coração, neste sentido de radicalismo das decisões tomadas”, explicou.
Palestra “A neoindustrialização e o papel do BNDES no fomento à invocação”
Ex-aluno de mestrado e doutorado do Programa de Engenharia de Produção da Coppe/UFRJ, Maurício Neves, que é chefe do Departamento de Inovação e Estratégia Industrial do BNDES, apresentou a nova política industrial do banco, que está com a missão de retomar o protagonismo no apoio ao desenvolvimento da economia e da inovação do país. Segundo ele, o país atravessou um longo processo de desindustrialização, e o BNDES busca fomentar a economia e o desenvolvimento, atuando no que se tem chamado de neoindustrialização.
“Não dá para se pensar na industrialização atual como se pensava anteriormente. Para se fazer política pública nesse atual contexto, é necessário considerar alguns eixos centrais, como inclusão (saúde e conectividade), transição climática, novas tecnologias e geopolítica”, explica Maurício Neves, que entende que a governança contemporânea não é mais setorial, mas vista sob a lógica de grandes missões. Assim, os setores se colocam nessa política em função de sua capacidade de contribuir mais ou menos com cada missão. “As missões servem pra moldar os ecossistemas. Uma resposta a uma política precisa ser dada de várias formas por um enorme conjunto de atores do mesmo ecossistema e não depender apenas do governo”, diz.
Sob esta nova visão, o governo definiu seis missões, nas quais o BNDES atua: cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais; complexo econômico industrial da saúde resiliente para reduzir as vulnerabilidades do SUS; infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis; transformação digital da indústria; bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas; tecnologias de interesse para a soberania e defesa nacionais. “Vamos facilitar a vida de quem quer investir em inovação”, conta.
Palestra “A engenharia e o futuro do Brasil”
O professor Álvaro Prata, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), trouxe à discussão os papéis da ciência e da engenharia. “A ciência olha para o mundo e entende como as coisas funcionam. Mas é a engenharia que é responsável por criar o mundo em que vivemos, não é possível pensar o mundo hoje sem a engenharia. O engenheiro quer transformar o mundo, usar o conhecimento científico para alcançar uma melhoria”, avaliou o professor do Departamento de Engenharia da UFSC.
Na opinião do palestrante, é fundamental que a engenharia e os engenheiros entendam que para transformar e melhorar é preciso desenvolver uma consciência, uma preocupação com as questões que permeiam a sociedade. No plano nacional, para o professor Álvaro Prata é necessário fazer duas coisas para o Brasil se tornar um sucesso como nação. “Resolver as nossas fragilidades, que já deveríamos ter resolvido, e olhar para nossas vantagens comparativas para as outras nações”, comentou, referindo-se, entre outras coisas, à desigualdade, uma fraqueza, e a capacidade de geração de energia, inclusive limpa, como um ponto forte. “Precisamos ter foco, estratégia e sentido de urgência para resolvermos nossas fragilidades e aproveitar nossas vantagens”, avaliou.
Inovação: a criatividade na era digital
Durante sua fala sobre “a criatividade na era digital”, o educador e comunicador Marcelo Tas enfatizou por inúmeras vezes o papel fundamental que o viés tem, principalmente nesta época da revolução digital e da inteligência artificial. Marcelo Tas explicou que é muito importante entender o que é crucial, ter consciência do viés, para que se tenha uma troca de informação com qualidade.
De acordo com ele, o mundo digital traz rapidamente os vieses, e cada um tem o seu próprio, e por isso, é muito relevante termos essa consciência ao nos comunicarmos. Marcelo Tas também disse que, para funcionar, a inteligência artificial precisa de boas perguntas, e o professor pode ser um vetor neste debate.
Ao responder a uma pergunta da professora Angela Uller sobre uma forma de manter a atenção do aluno durante uma aula virtual, Marcelo disse que o essencial é encontrar a dosagem, o ponto certo. Na visão dele, ser interessante remotamente é um desafio maior do que presencialmente, e os encontros e as atividades presenciais deveriam ser mais valorizados e mais usados de uma forma mais aproveitável.
Mesa-redonda
Em sua participação, denominada “Escrita científica na era da Inteligência Artificial: desafios e oportunidades para engenheiros”, o diretor de Assuntos Acadêmicos da Coppe, professor Jean-David Caprace, contou que uma aluna lhe perguntou, no ano passado, se poderia usar o ChatGPT para ajudá-la a escrever artigos científicos e a sua primeira reação “foi de medo intenso”. “Eu fiz um levantamento do que é possível fazer com algoritmo de LLM na aplicação específica da escrita científica e são muitas as possibilidades: desde a revisão da bibliografia; resumo de artigos de terceiros; procurar publicações e melhores referências bibliográficas de um assunto do momento; gerar gráficos; escolher o melhor periódico para publicar seu artigo; propor a estrutura do artigo; terminar a escrita de uma frase; analisar dados; fazer proofreading; verificar se há plágio. Tudo isso é possível fazer com Inteligência Artificial”.
“É interessante como a indústria adotou essa ideia e em menos de um ano há dezenas de empresas vendendo soluções. Temos que entender essas ferramentas e suas limitações. Precisamos entendê-las para ensiná-las aos nossos alunos. IA é uma ferramenta que oferece novas oportunidades, mas o sucesso e o fracasso dependerão de como as pessoas a utilizarão e como aprenderão com ela”.
Edmundo de Souza e Silva, professor do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação (PESC), tratou do tema “Atenção (com Educação) é (quase) tudo que precisamos: ensino/aprendizado e pesquisa na era de IA”. O professor disse que a Inteligência Artificial abre uma janela de oportunidades, que permitirá acelerar o avanço da educação em todos os níveis
De acordo com Edmundo, em julho deste ano, a Nature divulgou que o ChatGPT quebrou o Turing Test. “Isso mostra o quanto os LLM (modelos de linguagem de grande porte) representam que há uma mudança disruptiva em curso. Como os LLM podem ser incorporados na formação dos pesquisadores? Indivíduos e países com maior renda encontrarão com maior facilidade maneiras de explorar a linguagem generativa, o que reforçaria as desigualdades existentes”, ponderou o professor.
Segundo a professora Maria Fernanda Elbert, do Instituto de Matemática (IM/UFRJ), a agenda climática e a automação estão modificando o mercado de trabalho e exigindo novas expertises. “Nesse paradigma, serão necessárias, e valorizadas, habilidades como criatividade, pensamento crítico, adaptabilidade e trabalhar de maneira colaborativa”, comentou a professora, durante sua participação, intitulada “Universidade do Futuro”.
A professora citou dados do censo da educação superior de 2022, divulgado pelo INEP, que revelam, dentre outras coisas, o alto grau de evasão no ensino superior e o longo tempo de permanência dos alunos na universidade. Citou ainda um estudo da professora Letícia Picanço, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Diferenças, Desigualdades e Estratificação (LEDDE/UFRJ), que aponta como principais motivos para a evasão na UFRJ a saúde mental, a não identificação com o curso escolhido e não conseguir acompanhar o conteúdo oferecido.
Palestra “Perspectivas para a Pós-Graduação no âmbito do PNPG”
A presidente da Capes, professora Mercedes Bustamante, falou sobre o papel dos mestres e doutores nas sociedades e tratou da importância da Capes para a pós-graduação do país. Também apresentou dados estatísticos sobre a situação da pós-graduação no Brasil, como os que revelam a distribuição geográfica dos programas de pós-graduação e evidenciam desigualdades regionais, sociais, étnico-raciais, linguísticas e de gênero no acesso, permanência e conclusão dos cursos. Esses dados estão sendo utilizados na discussão e elaboração do novo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2024-2028.
O PNPG 2024-2028 é um instrumento de planejamento de políticas públicas para o desenvolvimento do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) para os próximos quatro anos. Seu processo de construção acontece de forma coletiva, em consulta pública aos estados e aos entes federados e aos servidores da Capes, dentre outros. Começou a ser elaborado em julho de 2022 e está previsto para ser concluído em dezembro deste ano, quando será enviado para aprovação do Conselho Superior.
Para a professora Mercedes, esse esforço coletivo para a produção do PNPG promove o enfrentamento de desafios extremamente complexos para a inovação da pós-graduação brasileira. “Vivemos numa era em que temos explosão do conhecimento cientifico, mas é preciso saber também decifrá-lo e analisá-lo criticamente, com a percepção de que temos problemas sociais bastante complexos. Nosso país é conflagrado por uma série de desigualdades. Como seremos capazes de evoluir e enfrentar esses desafios e entender as demandas e as aspirações da sociedade?”, comentou.