Coppe estuda potencial do uso da bicicleta como transporte no Rio
Planeta COPPE / Engenharia de Transportes / Notícias
Data: 01/04/2010
Descer do trem ou do metrô e pegar uma bicicleta para finalizar o trajeto de retorno do trabalho a casa. A integração do uso da bicicleta a outras modalidades do transporte público vem sendo alvo de estudo de pesquisadores da Coppe. O objetivo é reduzir os custos de viagens locais da população de baixa renda que reside nas grandes cidades brasileiras. Para fazer uma avaliação preliminar do potencial da proposta, a aluna de doutorado Flávia Carvalho de Souza, com co-orientação da professora Milena Bodmer, do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe, está mapeando o perfil dos usuários de trem, ônibus e metrô que residem em dois bairros da periferia da cidade do Rio de Janeiro: Santa Cruz e Colégio.
“Mais de 40% das pessoas que entrevistei, se mostraram dispostas a usar a bicicleta como meio de acesso ao transporte público principal, caso fossem implantadas algumas medidas necessárias. Entre as medidas eles destacam a oferta de estacionamento adequado para bicicletas, construção de ciclovias, melhoria na segurança pública e mais respeito por parte dos motoristas de veículos motorizados”, diz a pesquisadora que já entrevistou 272 passageiros de ônibus e 249 de trem que residem no bairro de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, e 201 usuários do metrô que moram em Colégio, na Zona Norte da cidade.
No bairro de Santa Cruz 83,1% precisa pegar dois meios de transporte, incluindo os informais, para chegar diariamente ao destino final. Segundo Flávia, parte desse grupo provavelmente não recebe vale transporte para a primeira condução. Dependendo da distância percorrida até chegar ao transporte principal, os usuários poderiam usar a bicicleta eliminando os gastos adicionais de transporte, que podem chegar a R$ 100,00 mensais. “O mesmo acontece com os passageiros de trem que embarcam em Santa Cruz, dos quais 74,9% também usam outro veículo para chegar até a estação, sendo 31,3% informal”, explica a pesquisadora, que defende a criação de um financiamento específico para a população de baixa renda para estimular a compra de bicicleta.
Santa Cruz é o bairro do Rio de Janeiro que possui o maior índice de usuários de bicicletas. Lá o veículo é utilizado por 12% da população, enquanto a média em toda a cidade é de 2%. Em suas visitas ao bairro, a pesquisadora presenciou várias bicicletas estacionadas ao lado da estação de trem. Há inclusive dois estacionamentos privados que oferecem 600 vagas e que ficam lotados no horário de pico, mesmo cobrando R$ 1,00 por dia. Segundo Flávia, tal preço pode comprometer a renda familiar das pessoas que usam diariamente este serviço. Mesmo assim, por questão de segurança, os usuários preferem pagar este valor e ter a sua bicicleta garantida. Exemplo como esse serve como indicador e revela a necessidade de implantação de estacionamento popular e de uma malha cicloviária na cidade, de modo a facilitar o acesso dos ciclistas, pelo menos próximo aos terminais ou pontos estratégicos do transporte público. “Também indica que é necessário ampliar o número de bicicletários”, afirma.
No bairro de Colégio, grande parte dos usuários do metrô chega a pé na estação. “A maioria (61,7%) mora próximo à estação, mas trata-se também de uma área em potencial, já que o estacionamento de bicicletas existente dentro da estação está sempre com sua capacidade de vagas, apenas 10, esgotada. Muitas bicicletas ficam do lado de fora, o que desestimula o usuário a optar pelo veículo como medo de que esse seja furtado. Situação idêntica ocorre no Irajá”, explica a pesquisadora.
Moradores da Zona Sul associam bicicleta ao lazer
A Zona Sul do Rio também foi avaliada pela pesquisadora, que chegou à conclusão de que a população local só usa a bicicleta nas horas de lazer. Durante dois dias de fevereiro de 2009, Flávia monitorou o bicicletário que aluga o veículo, situado em frente à estação do metrô Cardeal Arcoverde, em Copacabana. Das 16 às 18 horas, período em que parte dos moradores da região está retornando do trabalho para casa e que muitas pessoas que trabalham no bairro estão embarcando para retornarem às suas residências, nenhuma bicicleta foi retirada e nem devolvida.
“O fato de o Rio de Janeiro ser a segunda cidade da América Latina com o maior número de ciclovias é positivo, mas a malha não contempla os trabalhadores. As nossas vias de ciclismo estão na orla ou no entorno da Lagoa, o que as caracteriza como local de lazer. Precisamos também de vias que passem por dentro dos bairros, para que a população possa utilizá-las para ir e voltar do trabalho”, conclui Flávia.
A professora de Engenharia de Transportes da Coppe, Milena Bodmer, diz que o estudo de Flávia, após ser concluído, poderá servir como ferramenta pelos órgãos governamentais que queiram implantar um sistema de transporte público eficiente nas cidades. “A pesquisa desenvolvida na Coppe foi realizada junto aos passageiros trabalhadores, aqueles que têm necessidade e usam o sistema diariamente. Como muitos possuem baixa renda, procuramos formas de baratear seus deslocamentos, sendo o uso da bicicleta uma boa opção, desde que sejam adotadas as medidas sugeridas no estudo”, diz a professora.
Segundo Milena o ideal seria implantar uma verdadeira malha cicloviária que cobrisse a maior parte da cidade. Mas, como isso é muito difícil de acontecer, a professora aponta como solução incentivos para aquisição de bicicletas e melhorias de infra-estrutura para trajetos locais, com a bicicleta sendo utilizada como meio de integração ao transporte público principal. Além disso, é necessário investir em estacionamentos nas estações de trem e paradas de ônibus e ampliar os já existentes no metrô. “A bicicleta precisa ser , definitivamente, incluída na circulação urbana da população”, conclui a professora da Coppe.
O estudo faz parte da tese de ‘doutorado sanduíche’ da Flávia, realizado em duas instituições – Faculty of Geo-Information Science and Earth Observation (ITC)) da Universidade de Twente (Holanda) e da Coppe da UFRJ . A aluna também integra a Cycling Academy Network (CAN), grupo internacional, com sede na Holanda, que tem como finalidade contribuir para o desenvolvimento de soluções de inclusão da bicicleta como meio de transporte nos centros urbanos.