Especialistas defendem valorização do SUS, das universidades e da indústria nacional

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Data: 17/06/2020

O professor Antônio Carlos Campos de Carvalho criticou a reabertura de shopping centers

A Coppe/UFRJ realizou no último domingo, 14 de junho, o sexto debate do fórum virtual: O Brasil após a pandemia. A defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), a importância de um complexo industrial articulado com a demanda garantida pelo SUS e a valorização das universidades e instituições públicas de pesquisa foram alguns dos consensos explicitados pelo professor Carlos Grabois Gadelha, da Fiocruz; pelo professor Antônio Carlos Campos de Carvalho, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ); e pelo professor Roberto Medronho, da Faculdade de Medicina e do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, ambos da UFRJ.

O debate contou com a mediação do professor Luiz Pinguelli Rosa, da Coppe, e foi transmitido na página da Coppe no Facebook. O vídeo está disponível na página da instituição no YouTube. O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) participaria do Fórum. Mas, o ex-ministro estava em uma fazenda no interior do Mato Grosso do Sul, sem um bom acesso à internet. Mandetta chegou a gravar um vídeo, mas por dificuldades técnicas o mesmo não pôde ser exibido durante o evento. O vídeo pode ser conferido aqui.

Segundo o professor Roberto Medronho, a taxa de letalidade da Covid-19, para casos notificados (segundo o professor, algo entre 1/10 e 1/12 dos casos são notificados) está em 5,5% no Brasil. No mundo, 5,6%. “Estamos perto. Mas, o Brasil são vários Brasis. Em alguns lugares já chegamos ao pico e estamos em decréscimo, em outros o contágio está em expansão. A experiência internacional recomenda que a reabertura gradual da economia seja feita quando a taxa de contágio estiver em r=1, ou seja cada infectado sintomático contamine outra pessoa. A nossa taxa de contágio está em 1,7. Chegamos a estar com a taxa em 5. Com o isolamento, a taxa caiu muito, mas não o suficiente para abertura do mercado”.

O professor Antônio Carlos Campos de Carvalho concordou que antes que a taxa fique abaixo de r=1 não se deve cogitar o retorno das atividades, “muito menos shoppings”. “O CDC (Centro de Controle de Doenças e Prevenção, sigla em inglês) mostra que o risco de transmissão em superfícies e atividades ao ar livre é baixo, mas é muito alto em escritórios, templos e shopping centers”.

Para o professor do Instituto de Biofísica, a pandemia mostrou o quanto a Medicina pode ser imprecisa. “Dados recentes americanos apenas 2% dos jovens até 17 anos tiveram necessidade de atendimento médico por causa da Covid.  Sabemos que acima de 60 são grupos de risco, doenças cardiovasculares e metabólicas também, mas vemos jovens saudáveis indo a óbito e centenários se recuperando. A Medicina que praticamos ainda é pouco individualizada, é uma Medicina da imprecisão. Das dez drogas farmacológicas ou biológicas que mais rendem dinheiro a indústria, o melhor desempenho é que um paciente seja beneficiado a cada 4, e o pior 1 a cada 22. “Esses índices são incompatíveis com qualquer outra atividade industrial. Imagine a Embraer produzir quatro aviões e apenas um capaz de voar?, criticou.

Defesa do SUS

“O SUS é um dos sistemas de saúde mais solidários do mundo”, enalteceu o professor Roberto Medronho

Na avaliação de Roberto Medronho, é importante que a pandemia e o seu enfrentamento façam com que a mídia e a classe política mudem sua visão acerca do Sistema Único de Saúde. “O SUS a despeito do subfinanciamento crônico, continua vivo.  É um dos sistemas mais solidários do mundo. Atende gratuitamente 220 milhões de brasileiros de qualquer classe social. Nos EUA, a grande desgraça que ocorreu foi não ter um SUS. Morreu muita gente pobre, preta, da periferia por não haver um sistema público, universal e gratuito. Aqui, houve problemas sobretudo por parte dos governantes. É fundamental que haja mais eficiência e controle, mas o desastre seria muito maior se não fosse o SUS”, afirmou o professor da Faculdade de Medicina.

Para o Carlos Gadelha, a sociedade brasileira deveria ver o SUS como um patrimônio. “É o sistema mais universal e generoso do mundo, no seu alcance, embora conte com o menor financiamento dentre os sistemas universais de saúde”, afirmou o professor da Fiocruz, que enfatizou que nos locais onde a atenção básica de saúde foi implementada de maneira mais robusta, as respostas à pandemia foram mais eficazes.

“A concepção do sistema pactuado entre os níveis federados foi uma conquista da Saúde. Isso foi discutido e organizado com muita centralidade de instituições como a Fiocruz, a UFRJ, a Unicamp. Vemos na Coppe e na USP, avanços no desenvolvimento de ventiladores pulmonares, na bioengenharia. Na Fiocruz, novos testes e medicamentos. É importante mostrarmos para que a sociedade veja que Coppe e Fiocruz fazem bom uso dos recursos públicos”, defendeu Gadelha.

O professor Roberto Medronho, que já dirigiu a Faculdade de Medicina e o Instituo de estudos em Saúde Coletiva, destacou que o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho) tem dado um exemplo do que é fazer ciência e prestar assistência, e expressou seu orgulho pelas ações desenvolvidas na UFRJ. “Em fevereiro, a reitora (professora Denise Pires de Carvalho) me chamou para coordenar o Grupo de Trabalho Multidisciplinar para Enfrentamento da Covid-19 e foi um dos momentos mais bonitos da minha vida. Ver a potência da universidade para pensar e propor soluções. E saber que não é só a UFRJ, é também Fiocruz, Uerj, UFF, USP, Unicamp”.

A importância da indústria nacional

Na avaliação do professor Roberto Medronho, uma constatação imposta pela pandemia foi quão dependente o mundo se tornou da importação de produtos chineses, sejam reagentes, testes ou equipamentos de proteção individual. “O mundo inteiro entendeu a necessidade de um complexo industrial da saúde. Estavam todos dependentes da China, que pratica preços muito mais baixos que os demais. Quando precisaram, a produção doméstica não foi suficiente”.

O professor Carlos Gadelha corroborou a avaliação do colega. “Mais de 90% dos fármacos e máscaras N95 utilizados nessa pandemia são importados. Precisamos consolidar o tripé SUS-C&T-base de produção nacional. Articular esses três pilares é uma questão fundamental de soberania. Produzir no país não é feio, é necessário. Quem não sabe fazer não sabe nem comprar, como prova a vergonha que tem sido feita na aquisição de ventiladores. Essa pandemia coloca isso como uma reflexão necessária a uma agenda de desenvolvimento”.

Para Antônio Carlos de Carvalho, o país precisa ter política de Estado e ter política industrial. “No momento, não temos nenhuma das duas. É uma visão míope achar que despesa em Saúde, Educação e Tecnologia seja gasto, é investimento”, criticou. O professor do IBCCF lembrou que há poucas, porém meritórias, iniciativas particulares de investimentos nessas áreas. “Pessoas com muitos recursos criaram instituições como o Instituto Serrapilheira. Alguns grupos de saúde privada têm investido em C&T. Mas, infelizmente parece que o segmento terraplanista é majoritário entre o empresariado. Temos que buscar os mais progressistas para termos também financiamento privado”, lamentou Carvalho.

Testes, vacinas e o poder de compra do SUS

“Nosso instrumento mais poderoso para uma política industrial é termos o SUS. Quando a produção industrial dialoga com o SUS dá certo”, explicou professor Carlos Gadelha

Segundo Antônio Carlos Campos de Carvalho, é fundamental aumentar a testagem no país para planejar e implementar políticas públicas, incluindo a reabertura da economia. “Somos um dos países que menos testam e precisamos de testes confiáveis. Saída gradual, bem planejada e executada, depende de testagem ampla e bem-feita. Dado ruim gera modelo ruim e teste com 50% de falso positivo não serve”, destacou o professor.

Questionado quanto à necessidade de haver uma vacina para que a economia e a sociedade voltem ao normal, Carlos Gadelha enfatizou que a vacina deve ser produzida no país, mesmo que seja por empresa estrangeira. “A vacinação, de uma maneira geral, é um sucesso no país e tem parceria com empresas estrangeiras. É exemplar no mundo porque não está assentada em pés de barro. Temos Fiocruz e Butantã”, avaliou o professor da Fundação Oswaldo Cruz.

“É importante termos parcerias com as iniciativas mais promissoras. Garantindo compra, haverá oferta. Um Estado forte atrai empresas privadas fortes. Os Estados Unidos botaram mais 6 bilhões no sistema de ciência e tecnologia após a pandemia. Aqui, 87% do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) são contingenciados. Não há inovação sem horizonte de mercado. Nosso instrumento mais poderoso para uma política industrial é termos o SUS. Quando a produção industrial dialoga com o SUS dá certo”, explicou professor Gadelha.

Segundo Gadelha, quando o Sistema Único de Saúde foi criado em 1988, o déficit industrial do setor ficou evidente. “Antes bastava não importar nada. Com o Sistema, o déficit passou de quatro bilhões de reais para 20 bilhões. Um orçamento inteiro da Saúde gera lucro no exterior devido à nossa desindustrialização. Isso é inaceitável” contextualizou.

Para o professor da Fiocruz, o país precisa de nacionalismo, mas de um tipo muito diferente daquele defendido pelos seguidores do atual presidente. “Precisamos do nacionalismo do Milton Santos, quando propõe uma outra globalização, da solidariedade, e não este nacionalismo conservador, fascista. É amar o país e saber que sabemos fazer bem feito não só alimentos, mas vacinas e aviões. O nacionalismo de que falamos é de outra natureza. Da inclusão social, e de uma globalização da solidariedade e não essa globalização vergonhosa em que país rico rouba máscara de país pobre”.