Jovens vencedores de concurso sobre alimentação do futuro embarcam para Londres
Planeta COPPE / Engenharia de Produção / Notícias
Data: 06/10/2016
No próximo sábado, dia 8 de outubro, embarcam para Londres três jovens cariocas vencedores de concurso audiovisual destinado a moradores de favela, que teve como tema central a alimentação do futuro. Janaina Melo, 25 anos, Fernando Fonseca, 26 anos, e Succo Emici, 28 anos, venceram a disputa com o filme “Raiz“, que relata a origem e a cadeia produtiva da tapioca produzida pela Dani França, moradora da favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, Rio de Janeiro, que usa produtos orgânicos plantados no sítio de sua família, em Magé (RJ).
A iniciativa faz parte do projeto coordenado pela Coppe/UFRJ e pela Royal Holloway, da Universidade de Londres, denominado Food 2.0- Futuro sustentável de alimentos: uma visão dos jovens do Rio de Janeiro e de Londres.
O trio vencedor passará uma semana em Londres, de 9 a 16 de outubro, visitando restaurantes, feiras, mercados e hortas urbanas para conhecer a cultura alimentar do país. Dentre os locais selecionados estão Black Cultural Archives, Brixton Market, Borough Market, Perry Court Farm e o National Fruit Centre. Os jovens brasileiros também visitarão a Royal Holloway, na Universidade de Londres, e as ONGs britânicas Inspire e Ovalhouse, parceiras do projeto, e conhecerão importantes pontos turísticos londrinos, como a Tate Modern Gallery e o British Museum.
Ao todo, participaram do concurso 18 jovens cariocas, de 18 a 29 anos. Ser morador de uma das favelas do Rio e ter tido alguma experiência em produção audiovisual foram pré-requisitos para se inscrever no concurso.
O projeto Food 2.0 contou com o apoio do Observatório de Favelas, da Universidade das Quebradas, ligada à UFRJ, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), via Programa Fundo Newton RCUK-Faperj.
Segundo Rita Afonso, do Laboratório de Tecnologia de Desenvolvimento Social (LTDS) da Coppe, os seis vídeos que disputaram o prêmio foram muito bem produzidos, mas “Raiz” se destacou por ter características únicas. “É um vídeo de arte, com um ritmo mais lento. Apreendeu bem o espírito das pessoas. Teve generosidade e reverência com elas”, avalia.
Food 2.0: estímulo à alimentação saudável nas comunidades
Sob a coordenação dos professores Roberto Bartholo, da Coppe/UFRJ, e Dorothea Kleine, da Universidade de Londres, o projeto Food 2.0 tem como objetivo ouvir jovens moradores da periferia das duas cidades a respeito de hábitos alimentares, origem dos alimentos e incentivá-los a adotar uma alimentação saudável. Os jovens participaram de quatro oficinas de alimentos e no período de um mês se dedicaram à produção de vídeos, com assistência de professores e técnicos de audiovisual. Estudantes e bolsistas de extensão da UFRJ também participaram das oficinas, que foram coordenadas pela pesquisadora da Coppe, Rita Afonso, de outros docentes da UFRJ.
O objetivo do projeto é captar a visão que os jovens que moram na periferia das duas cidades têm em relação ao alimento que consomem e como acham que será a alimentação do futuro. “A proposta é também estimulá-los a produzir, nas próprias comunidades, uma alimentação mais saudável e acessível economicamente, a partir de troca de experiências”, explica Rita Afonso.
O projeto buscou conhecer a visão sobre alimentação de jovens moradores de periferia e estimular a criação de uma cadeia produtiva de alimentos saudáveis para o consumo dos próprios moradores. “A ideia que se tem é que nas favelas as pessoas não comem. Essa é uma ideia errada. O que acontece é que elas comem mal, principalmente por falta de conhecimento da origem do alimento. O objetivo é incentivar moradores das periferias, que não têm fácil acesso a produtos nutritivos e saudáveis, a fazerem hortas comunitárias e produzirem, de forma contínua, parte do que consomem”, explicou.
Segundo Bartholo, a iniciativa pode ser aplicada em outras cidades do Brasil e do mundo, a exemplo de Londres. “A alimentação inadequada é uma característica do mundo contemporâneo. O fato de pertencer a sociedades mais ricas não garante boa alimentação, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, onde a população também é afetada por um dos males do século, que é a obesidade”, alertou o professor da Coppe.
Sonhadores e guerreiros
A viagem a Londres, um sonho para o trio, vem acompanhada de novas expectativas, planos e objetivos. Janaina, Fernando e Succo se conheceram na Escola Popular de Comunicação Crítica (ESPOCC), do Observatório de Favelas, que fica no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Os rapazes estudaram audiovisual com a irmã gêmea de Janaína, Samara, que a apresentou aos dois.
Profissional de Relações Públicas e moradora da Nova Holanda, uma das comunidades que compõem o Complexo da Maré, Janaina Melo chama atenção para o que chama de “invisibilidade” em relação ao que existe de bom nas comunidades. “Pensamos em fazer uma parceria com o blog “Favelados pelo Mundo”, feito por moradores do Complexo do Alemão, para divulgar novos vídeos e relatos.
Segundo Succo Emici, que é músico, integrante do grupo Malícia Carioca, e técnico de audiovisual, o grupo pretende aprender o máximo possível sobre sustentabilidade na viagem e produzir novos vídeos em Londres. Na volta ao Brasil, o trio vai criar uma linha de comunicação, com o nome do vídeo premiado: Raiz. O objetivo é mapear a relação que há entre as favelas e a sustentabilidade, no Rio de Janeiro e em outras cidades do Brasil e do mundo. “As coisas estão bem encaminhadas. A princípio vamos buscar parcerias, participar de editais. Mas depois queremos caminhar com as próprias pernas”, explica Succo.
Janaína critica a mídia que, segundo ela, mostra mais o que há de ruim nas favelas. “A gente pretende mostrar essas histórias com respeito, sem julgar. “Há boas histórias nas favelas de toda a cidade”, ressalta Janaina.
Publicitário, produtor cultural e produtor artístico do Dream Team do Passinho, Fernando Fonseca leva na mala muitas expectativas. “Espero conhecer gente nova, lugares novos, coisas novas, mas, acima de tudo, espero voltar mudado de lá. Cultura transforma!”, afirma Fernando, morador de Comendador Soares, em Nova Iguaçu. “Queremos trazer essa mudança em nossas bagagens e aplicá-la aqui, em nossas ações e articulações”, ressaltou.
De Magé para o mundo
O vídeo Raiz não leva esse nome à toa. O trabalho produzido por Janaína, Succo e Fernando, e editado por este último, relata, não como uma reportagem, mas como um olhar retrospectivo e artístico a origem da cadeia produtiva, que começa na mandioca plantada na Baixada Fluminense, em Magé, no sítio Saruí, e termina na rua Flávia Farnese, 37, na favela Nova Holanda, no Rio de Janeiro, na Tapioca da Dani França.
A vocação de Daniele França para preparar e vender deliciosas tapiocas começou em família. Daniele trabalhava com o pai, José Luiz de Paula Nery, rodando a Baixada Fluminense e vendendo o produto em feiras. Com o falecimento do pai, Daniele passou a trabalhar com o irmão, até decidir se mudar para o Rio de Janeiro, onde há cinco anos conquistou sua independência financeira.
Segundo Daniele, a família não queria que ele morasse no Rio. “Tinha medo da violência que tem nas comunidades. Quando acontecia tiroteio, eu nem falava nada, para eles não ficarem preocupados”, relatou a empreendedora que começou com uma barraquinha de madeira e hoje tem uma loja, na favela Nova Holanda.
“Hoje trabalho com uma equipe de sete pessoas, incluindo o meu esposo e a minha filha de 12 anos, que ajuda quando pode. Eu tinha certeza de que daria certo. Tenho muita determinação e fé. Só não tenho dinheiro”, relata Daniele.
A Daniele de Magé é agora a Dani França, da Nova Holanda, cuja tapioca, com opção de 140 sabores, é famosa em várias regiões da cidade. A “Tapioca da Dani França” recebe encomendas de moradores da zona Sul a zona Oeste, incluindo festas e eventos.
“Já conheci muita gente, vários artistas famosos, como Nego do Borel, Vivianne Araújo, Péricles e André Marques. A Viviane Lima (decoradora) me ajuda, me chamando para os eventos. No dia 17 estarei no aniversário do MC Duduzinho”, relatou com orgulho Dani França, que espera “com um passo de cada vez” seguir crescendo.