Mobilidade Antirracista: transformando o planejamento de transporte
Planeta COPPE / Engenharia de Transportes / Notícias
Data: 13/11/2024
Quando se discute transporte inclusivo no Brasil, a análise muitas vezes se limita a aspectos socioeconômicos e à acessibilidade de pessoas com deficiência. No entanto, a mobilidade urbana vai além dessas questões e exige a inclusão da justiça social e da equidade racial em seu planejamento.
Pesquisadores do Programa de Engenharia de Transportes (PET) da Coppe/UFRJ, sob a coordenação da mestranda Kelly Almeida, estão à frente de um movimento crescente que busca inserir a perspectiva racial no urbanismo e nas políticas de transporte. Esse trabalho destaca a importância de considerar as desigualdades raciais historicamente enraizadas para promover uma mobilidade mais equitativa.
A iniciativa reúne acadêmicos de várias instituições, incluindo a FAUUSP e a UFRN. O projeto nasceu a partir das vivências de pesquisadores do coletivo Rede MOB 4.0, que experimentam diariamente as barreiras raciais na mobilidade urbana. Segundo Kelly, o objetivo é a educação e conscientização: “Queremos ampliar o debate e encorajar outros profissionais a pensar no planejamento do transporte de forma justa e inclusiva”, afirma.
De acordo com o antropólogo Paíque Santarém, os transportes são um mecanismo de exercício formal e informal do contrato racial que funciona como um dispositivo de poder realizando controle sobre a circulação da população negra.
Impactos do Racismo na Mobilidade Urbana
Estudos e dados recentes confirmam que as desigualdades raciais impactam diretamente a mobilidade urbana no Brasil. Dados do Instituto Locomotiva de 2022 destacam a dimensão desse problema: 33% dos negros entrevistados relataram ter sofrido racismo no transporte público, enquanto 65% dos trabalhadores negros do setor foram vítimas de preconceito durante o expediente. O estudo também aponta que 72% dos usuários de transporte público, brancos e negros, já presenciaram situações de racismo durante seus deslocamentos.
A pesquisa identificou ainda que as mulheres negras são mais suscetíveis ao assédio e à discriminação no transporte público. Além disso, pessoas negras com deficiência enfrentam desafios adicionais de acessibilidade, em um sistema de transporte pouco adaptado para suas necessidades.
Kelly exemplifica como o racismo se manifesta de forma concreta na mobilidade urbana: “A segregação espacial de acesso a transporte é um exemplo claro. A população negra, em sua maioria, reside em áreas periféricas, historicamente menos atendidas por transporte público de qualidade, dificultando o acesso a emprego, educação, serviços básicos de saúde e comércio. As linhas de ônibus que geralmente atendem essas áreas costumam ser mais lotadas, os veículos mais antigos e os trajetos mais longos, resultando em viagens demoradas e desconfortáveis. Além disso, as estações de trem muitas vezes apresentam estruturas precárias”, explica.
Principais Barreiras à Mobilidade Equitativa
Kelly aponta que as barreiras para uma mobilidade antirracista são complexas e interconectadas. “As principais barreiras são: racismo institucional; a desigualdade socioeconômica, que limita o acesso de determinados grupos a opções de transporte; a falta de dados sobre as desigualdades raciais na mobilidade; e a resistência a mudanças por parte de setores da sociedade que se beneficiam da situação atual”, afirma. Essas questões ressaltam a urgência de incorporar políticas que considerem essas realidades, criando uma infraestrutura de transporte que seja verdadeiramente inclusiva.
Além da conscientização, os debates também investigam como tecnologias e políticas públicas podem ser aplicadas para reformular os sistemas de transporte, buscando reduzir a segregação espacial e melhorar a acessibilidade nas cidades. Entre as estratégias, destacam-se a criação de tarifas sociais, a ampliação da rede de transporte nas áreas periféricas e a melhoria da segurança nas estações e pontos de ônibus.
Para superar esses obstáculos, os pesquisadores enfatizam a necessidade de políticas públicas robustas e integradas, que considerem o impacto racial nas decisões de planejamento urbano. Segundo Kelly, a falta de representatividade em cargos de tomada de decisão e o distanciamento entre as demandas reais das populações vulneráveis e as políticas de mobilidade são fatores que perpetuam a desigualdade. “Atualmente a gestão do transporte coletivo é realizada pelos setores que não o utilizam diretamente. Trabalhadores e usuários do transporte têm pouco ou nenhum poder de decisão sobre o funcionamento, propósito e planejamento da mobilidade urbana”, explica.
- #Antirracismo
- #Mobilidade
- #NovembroNegro
- #Planejamentodetransporte
- MobilidadeAntirracista