Modelo da Coppe torna o Brasil o primeiro país dos BRICS capaz de projetar cenários globais de combate às mudanças climáticas
Planeta COPPE / Planejamento Enérgico / Notícias
Data: 04/05/2017
Reconhecida internacionalmente por suas contribuições na área de mudanças climáticas, a Coppe/UFRJ acaba de concluir um Modelo de Análise Integrada (IAM na sigla em inglês), que torna o Brasil o primeiro país em desenvolvimento capaz de traçar cenários, em escala global, de ações de mitigação no combate ao aquecimento global. Batizado de Computable Framework For Energy and the Environment (sob a espirituosa sigla Coffee), o modelo recebeu destaque na primeira edição da publicação “Climate change modelling information”, financiada pela Comissão Europeia.
O modelo é fruto da tese de doutorado “Desenvolvimento de um modelo energético integrado global para avaliar o papel brasileiro nos cenários de mitigação de mudanças climáticas”, defendida em 2016 pelo então aluno de doutorado do Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe, o pesquisador Pedro Rochedo, sob a orientação dos professores Alexandre Szklo e Roberto Schaeffer.
O Brasil é o primeiro país em desenvolvimento a ter um modelo de análise integrada global. Um dos diferenciais do modelo da Coppe é que o papel do país pode ser analisado em um contexto mundial, de acordo com metas estabelecidas para conter o aquecimento do planeta.
“Os modelos nacionais têm capacidade de fazer essa modelagem para os seus próprios países apenas. Já os modelos globais conseguem traçar cenários para o mundo como um todo, mas sem grande detalhamento para cada país. A ideia é justamente facilitar o diálogo entre modelos nacionais e modelos globais. Com a tese do Pedro, percebemos a possibilidade de jogar dos dois lados. Chegamos a esse ponto agora”, explica Schaeffer.
Um salto de qualidade
Há mais de uma década a Coppe contribui com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), por meio de cenários de mitigação de mudanças climáticas elaborados no modelo Message Brasil, um modelo nacional. Trata-se de um dos mais detalhados sistemas de modelagem energética de um país no mundo, feito com base em um modelo pioneiro, denominado Message, originalmente desenvolvido pelo Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados (IIASA), na Áustria. No entanto, em busca de uma maior precisão na modelagem de cenários, os professores do Programa de Planejamento Energético da Coppe Schaeffer, Szklo e André Lucena perceberam a necessidade de um modelo global, que permitisse aferir com mais precisão o papel que o Brasil poderá desempenhar no contexto de estabilização climática no longo prazo.
O Message Brasil começou a ser desenvolvido na década passada, em colaboração com a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na siga em inglês) e com o próprio IIASA. “De lá pra cá, pudemos ampliá-lo e aperfeiçoá-lo, e hoje talvez seja o modelo integrado nacional mais sofisticado que existe”, avalia Schaeffer.
O Message Brasil é capaz de estimar demanda e oferta presente e futura de todas as fontes de energia: petróleo, gás, carvão, biomassa, urânio, hidrelétrica, solar, eólica, etc, desagregada por região geográfica . A equipe da Coppe correlaciona os dados com política energética e mudança climática. “Isso permite a avaliação de política de eficiência energética, de transportes, entrada de carros elétricos, entre outras investigações relativas às mudanças climáticas”, explica o Rochedo.
A última versão do Message Brasil, denominada BLUES (Brazil Land Use and Energy Systems) incorpora à modelagem de energia a modelagem do uso do solo desenvolvida para o Coffee, tornando a ferramenta ainda mais completa, capaz, por exemplo, de identificar as relações entre o uso do solo e a produção e demanda de biocombustíveis.
Embora seja um dos modelos nacionais mais detalhados, o Message Brasil concentra-se no próprio país, o que se mostrou uma barreira para contextualizar a INDC brasileira em face das estratégias dos demais países. “Quando tínhamos que avaliar o Brasil em relação ao mundo, tínhamos dificuldade para modelar. Por exemplo, e se o Brasil investir em etanol e o mundo migrar para o carro elétrico?”, questiona-se Rochedo.
Por isso, o pesquisador da Coppe desenvolveu o Coffee. O novo modelo possibilita simular os sistemas globais de energia e uso da terra, provendo aos especialistas e tomadores de decisão – tanto em âmbito nacional como global – uma ferramenta capaz de gerar as informações necessárias acerca das estratégias de desenvolvimento possíveis em cenários climáticos de longo prazo, sem desconsiderar os impactos socioeconômicos e ambientais das escolhas feitas.
Conforme explica Rochedo, os modelos globais tentam “ver” o mundo como um todo: as trocas de energia, onde é produzido carvão, quem está abastecendo o mundo com petróleo ou diesel, em qual região seria mais barato abater emissões de gases de efeito estufa.
Coffee and Tea: Integração de saberes
O Coffee é um modelo dentro da ferramenta Message. Em sua tese, Rochedo dividiu o mundo em 18 regiões, dando foco aos Brics (cada país – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – foi individualizado no modelo, separado do seu entorno) e os grandes consumidores de energia. Os demais foram agregados nas respectivas regiões geográficas. O modelo divide as 255 nações em 18 regiões: África (sem considerar a África do Sul); América do Sul (sem o Brasil); América Central; Estados Unidos; Canadá; Europa Ocidental; Europa Oriental;; Japão; Coreia do Sul; Oriente Médio; Região do Mar Cáspio; Austrália e Nova Zelândia; Resto da Ásia e Oceania; e os cinco integrantes dos Brics.
Com o Coffee, o Brasil se junta a um seleto clube de países com tecnologia e expertise para traçar cenários globais realistas para avaliar a emissão de gases causadores de efeito estufa e combater o aquecimento global. Dentre os IAMs de maior reconhecimento internacional estão o Message (Áustria), Remind (Alemanha), Image (Holanda), GCAM (Estados Unidos), e Aim (Japão). “A gente contribuía com dados sobre o Brasil, mas agora nos juntamos ao clube e somos reconhecidos por eles como o primeiro IAM gerado em um país em desenvolvimento”.
“Traçamos cenários de crescimento populacional, PIB, para cada região, usando o que está disponível na literatura, incluindo eventos de comparações entre modelos de IAM, dos quais participamos”, explica Rochedo.
Segundo o pesquisador, foram utilizados protocolos de cenários semelhantes e budgets (orçamentos de carbono) iguais para ver como cada modelo reage. Isso permite avaliar o custo-carbono para a economia, verificar qual o custo para limitar o aquecimento global, e como as INDCs auxiliam a concretizar a meta global. “Qual o esforço marginal até 2050 para limitarmos o aquecimento a 2ºC? O que fazemos é ousado o suficiente? Em termos de estratégia nacional talvez sim, mas para o compromisso global de limitar o aquecimento em 2ºC, seria suficiente? Antes não conseguíamos responder a esses questionamentos”, afirmou Rochedo.
Segundo o pesquisador, a expansão das fontes renováveis na matriz energética não é o suficiente para atingir a meta de 2ºC. Para tal, será necessário ampliar a captura de carbono (CCS), especialmente associada à bioenergia (BioCSS ou BECCS). Com a concomitante necessidade de expandir a utilização de biomassa, haverá uma crescente disputa por área. “Vários modelos concordam que para atingir os 2°C é preciso manter a floresta que existe, reflorestar e plantar floresta onde não tem. Ainda, temos que ampliar cultivos energéticos e os sistemas agroflorestais, tentando preservar a vegetação com atividade econômica associada. Não dá para fugir do elemento terra, quando se fala em mudanças climáticas globais”, acrescenta.
Foi a primeira vez que pesquisadores colocaram, no Brasil, energia e uso do solo em um mesmo modelo. “Mais biocombustível é bom pelo lado energético, mas vai aumentar o a pressão por uso do solo, e agora o modelo consegue enxergar isso de maneira mais integrada. E assim entramos para o grupo de modelos globais que fazem a mesma análise”, enfatiza Rochedo.
Alguns dos novos mestrandos e doutorandos do Programa de Planejamento Energético estão trabalhando em aprimoramentos no Message Brasil e no Coffee. Além disso, a equipe do Cenergia, laboratório da Coppe coordenado pelos professores Schaeffer, Szklo e André Lucena, está trabalhando com o professor Angelo Gurgel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), na elaboração de um modelo de equilíbrio econômico global compatível com o modelo Coffee. O modelo ainda não está pronto, mas já tem nome: Total Economic Assassement (Tea). A sua primeira versão deve ficar pronta ainda em março e sua apresentação formal acontece ainda no primeiro semestre de 2017. “Um mundo de baixo carbono pode levar ao aumento dos preços dos derivados de petróleo. Isso tem impacto no emprego setorial, nos gastos das famílias, no PIB. Há um impacto sistêmico e complexo, que só um modelo econômico pode abordar”, avalia Rochedo.
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