Mudar sem descartar, o desafio da indústria naval brasileira

Planeta COPPE / Engenharia Oceânica / Notícias

Data: 27/11/2017

Professor Antônio Carlos Fernandes (Coppe); professor João Carlos Ferraz (IE/UFRJ); o diretor da Coppe, professor Edson Watanabe, e Luiz de Mattos (Sobena), na mesa de abertura do seminário

Um dos setores da economia mais duramente atingidos pela crise, a indústria naval foi tema de plural e intenso debate realizado, dia 7 de novembro, como parte da agenda de comemoração dos 50 anos do Programa de Engenharia Oceânica (Peno) da Coppe/UFRJ. Na avaliação da maioria dos representantes da indústria, da academia e também das instituições de financiamento e fomento setorial, a política pública para o setor deve mudar, mas o que foi construído não pode ser descartado.

Na avaliação do professor Floriano Pires, da Coppe, que mediou a segunda mesa do seminário, a política setorial dos governos anteriores continha equívocos e distorções que devem ser rapidamente revistos. “A Política de Conteúdo Local (PCL) não enfatiza o elemento estratégico. Se 2% do projeto é engenharia, e 15% é soldar chapa, a empresa vai preferir optar por soldar chapa para atender mais facilmente o percentual exigido de conteúdo local. Essa regra não estimula a qualificação do conteúdo local. O investimento em pesquisa e desenvolvimento em áreas industriais é que deve ser estimulado. A PCL deve ter um aspecto qualitativo”, explicou Floriano.

A tendência da regulação, segundo o professor, é acabar com as exigências de conteúdo nacional, pois o liberalismo econômico estaria prevalecendo no debate político. Mas para a maioria dos debatedores e do público presente ao evento, o descarte total da PCL foi considerado exagerado e inadequado.

“A maior parte dos países que são competitivos no setor adota PCL, e os que não adotam no momento, já o fizeram no passado, permitindo que a indústria se tornasse eficiente. Mas o Brasil fez grandes movimentos protecionistas nas décadas de 70, 80 e nos últimos 15 anos, com modelos ruins, que não eram sustentáveis. É preciso ter em mente um modelo de estímulo à indústria que seja transitório, com metas de desempenho. Precisamos fazer essa transição. O Brasil investiu muito tempo e dinheiro em uma política que não foi muito inteligente. O que não quer dizer que a indústria naval não seja estratégica e potencialmente competitiva”, analisou Floriano.

Saindo da “lógica do Facebook”

O presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena), Luis de Mattos, exortou o país a sair do que chamou de “lógica facebookiana”. Para ele, “não podemos descartar tudo o que foi feito, porque houve mudança de governo. Nem oito nem oitenta. Podemos rever as políticas de conteúdo local, mas países como Noruega e Estados Unidos também as adotam. Não podemos descartar a engenharia nacional”. Marttos esteve presente na mesa de abertura do evento, juntamente com o diretor da Coppe, professor Edson Watanabe, e com o coordenador do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe, professor Antônio Carlos Fernandes.

Embora a maioria dos debatedores tenha defendido mudanças nas regras, o diretor presidente do grupo empresarial CBO, Edson Souki, teme que as alterações levem a um resultado ainda pior. “Se a legislação muda anualmente, não haverá segurança jurídica para que as empresas invistam e construam navios, que são investimentos de 25 anos de vida útil. A lei 9.432 não é perfeita, mas é moderna, flexível. A lei é perfeita? Não. Queremos que ela mude? Não. Nós sabemos como as leis entram no Congresso, mas nunca sabemos como elas sairão de lá. A demanda, sobretudo a da cabotagem, está diretamente ligada à economia do país. O Brasil está crescendo, o setor crescerá também. E o governo precisa sinalizar para onde irão as regulamentações, para que haja segurança jurídica e sejam feitos os investimentos necessários para atender a demanda futura”, argumentou.

O professor João Carlos Ferraz, do Instituto de Economia (IE/UFRJ), e Júlio Cesar Maciel, superintendente da Área de Indústrias de Base, do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), se mostraram confiantes à retomada da indústria naval, e citaram como motivos para tal a existência de reservas importantes de óleo e gás na camada do pré-sal e os leilões realizados recentemente. Por outro lado, expressaram dúvidas quanto à força desta retomada. “Dado o aparato regulatório, com normas como a prioridade de bandeira, eu acredito que o setor tem robustez, há fall back. Além disso, a geopolítica coloca o Brasil como um mercado atraente. Com a realização dos leilões, o setor retomará seu dinamismo, mas será de maneira lenta”, afirmou Júlio Cesar. “Nossas reservas são importantes, mas é a dimensão de custo/produtividade/eficiência que vai determinar a curva de emprego do setor”, ponderou o professor.

Dispersão de investimentos ou a valorização da vocação regional

Professor Floriano Pires criticou a dispersão de investimentos

O professor Danilo Giroldo, vice-reitor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e diretor-presidente da associação APL (Arranjo Produtivo Local) – que reúne sindicatos de trabalhadores, empresas, universidades, prefeituras e outros segmentos da metade sul em defesa do Polo Naval do Rio Grande -, defendeu que a política pública mantenha seu protagonismo na alocação de recursos para a industrialização do país.

“O Rio Grande possuía uma economia estagnada e recebeu dez bilhões de reais em investimentos. A origem destes investimentos foi a política pública. Não receberíamos estes recursos sem que houvesse a decisão política. Houve uma série de externalidades positivas, como pleno emprego, aumento do IDH, melhoria no Ideb”, enumerou Giroldo.

Floriano Pires, por sua vez, discorda do que chamou de dispersão de investimentos. Para o professor da Coppe, as vocações regionais costumam ser aproveitadas pelas potências navais. “Olha no mapa onde estão concentrados os estaleiros coreanos e japoneses. Há a formação de um conglomerado. Incluindo a siderurgia, fábrica de equipamentos, motores, centros de formação técnica, está tudo na Baía de Busan (Coreia do Sul), em um raio de 50 km. Isso facilita a articulação das cadeias produtivas, o manuseio de estoques. Chapas grandes de aço, que não dariam para transportar de caminhão ou trem, saem da siderúrgica, de balsa, direto para o estaleiro. É como se fosse levar de São Gonçalo ao Rio de Janeiro. A formação de mão de obra é ali na área. Aí o Brasil faz um estaleiro no extremo sul e outro no Nordeste, quando a bacia petrolífera fica no Sudeste. Aí tem fornecedor de suprimento na região? Não. Formação de mão de obra local? Não”, criticou.

Críticas à concentração de mercado

O diretor da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo (Abespetro), Telmo Ghiorzi, fez um contraponto mais crítico em relação às políticas de proteção e fomento estabelecidas para o setor. “O mercado brasileiro é muito concentrado. A Petrobras responde por 92%. Na Noruega a Statoil responde por 60%. No Golfo do México, a Shell detém a maior fatia do mercado, que é de apenas 18% da produção. Isso torna o mercado brasileiro extremamente dependente do sucesso de uma única empresa. Além disso, os instrumentos normativos destruíram a indústria nacional. A gente construiu um cenário ruim por nossa própria escolha e destruiu o setor. Temos que fazer benchmark, buscar imitar os outros para competir internacionalmente. Se a nossa legislação for uma jabuticaba, iremos comer jabuticaba”, criticou Telmo.

Telmo reclamou ainda da morosidade do governo em licitar novos investimentos no setor de óleo e gás. “Cinco anos sem leilões são cinco anos sem atividades. Isso tem seu preço. A área de petróleo flutua muito. E a exploração pelos Estados Unidos do óleo de xisto, o shale oil, desconstruiu o sistema. Jogou o preço lá embaixo e tornou os Estados Unidos um ator tão importante no cenário quanto a Opep. O shale oil pode tornar o pré-sal mercadoria encalhada”, alertou o diretor da Abespetro.